A Agenda OMC+ representa os compromissos assumidos pelos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) durante a sua adesão à organização, que muitas vezes excedem o rol obrigatório de adequação de normas que os países membros comprometem-se no âmbito plurilateral e, portanto, podem ser considerados uma agenda extra aos compromissos obrigatórios da OMC. Além dessas, as cláusulas realizadas no nível multilateral da organização e o aprofundamento destas em acordos preferenciais bilaterais podem também ser classificados como pertencentes à Agenda OMC+.
A OMC substituiu o GATT (1947-1993) ao final da Rodada Uruguai em 1994 por pressão dos países desenvolvidos,pretendendo aumentar o escopo de sua atuação. É importante lembrar que o escopo do GATT era restrito ao comércio de bens e a inflexão de 1994 se refere a um significativo aumento e aprofundamento desse escopo. Este aumento contemplaria, além da liberalização de tarifas e quotas, TRIPS e TRIMS, cláusulas quanto às leis trabalhistas, de meio ambiente, regulação de serviços, de questões que dizem respeito aos direitos à propriedade intelectual, política de competição, compras governamentais e investimentos. Na literatura especializada, essas novas medidas foram batizadas como OMC+.
A Agenda OMC+ visou definir uma nova estrutura e modalidades para todos os tipos de barreiras não tarifárias ao comércio, juntamente com novas regras para questões relacionadas como: investimento, concorrência, novas preocupações como clima, eliminação dos impostos de exportação, administração customizada, obrigações relativas a medidas fitossanitárias, barreiras técnicas ao comércio, direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, medidas de investimento, antidumping, auxílio estatal e obrigações cobertas pelo GATTS.
Segundo Qin, as obrigações mais comuns previstas na agenda OMC+ referem-se aos acordos de compras governamentais e os compromissos das economias de transição ao livre mercado em fornecerem informações sobre os programas de privatizações. Além destes, identifica outros temas que podem ser compreendidos como temas que excedem os domínios clássicos do GATT e da atual OMC, e passam a adentrar o rol normativo da organização, tais como, política industrial, regulamentação de saúde e ambiental, transparência legislativa e política tributária, financeira, externa e comercial.
As medidas da Agenda OMC+ encontraram forte oposição dos países em desenvolvimento e do movimento antiglobalização. Para as partes contrárias à essas novas medidas, a Agenda OMC+ acabaria por estagnar e prejudicar o desenvolvimento dos países do Sul global. Durante a Rodada Doha (2001) essas questões foram excluídas da pauta da OMC por pressão dos países em desenvolvimento. Em decorrência do exposto os países desenvolvidos começaram adotar estas cláusulas em seus ACPs com os países em desenvolvimento.
O crescimento substancial dos ACPs começa a tomar corpo a partir de 1999 com o fracasso da Conferência Ministerial da OMC em Seattle e de Doha em 2001. Nestas conferências, os países desenvolvidos não conseguiriam impor a Agenda OMC+ em nível multilateral e partir desse ponto esses países deram início às negociações envolvendo muitos acordos bilaterais e acordos comerciais com países em desenvolvimento. Ou seja, eles estabeleceram como estratégia comercial a adoção de ACPs como uma forma de impor a agenda OMC+ aos países menos desenvolvidos.
No que diz respeito às finalidades e objetivos da criação de uma agenda adicional aos compromissos comuns aos membros da Organização Mundial do Comércio, muito se difere nos efeitos produzidos. Isso ocorre haja vista a compreensão de que o alargamento de provisões da OMC pode servir a objetivos distintos, desde os que buscam a ampliação dos temas originalmente relacionados no acordo, como o principal de liberalização no comércio, tais quais a objetivos que evidenciam a utilização de uma agenda adicional como mecanismo de concessão de acessão à organização e perpetuação do regime multilateral de comércio.
Desde 2002, com o fracasso da Rodadas Doha, os membros da OMC lutam para equilibrar os interesses dos países desenvolvidos e em desenvolvimento sob a nova geometria de poder derivada da ascensão dos países emergentes. Como resposta a esse impasse, muitos países preferiram concentrar esforços políticos na negociação de acordos preferenciais de comércio em âmbitos bilaterais e multilaterais.
Historicamente, o mandato e cronograma das rodadas anteriores na OMC foram decididos principalmente pelos EUA e pela União Europeia (UE). Com a ascensão econômica da China, Índia e Brasil, essa geometria foi deslocada e como os interesses não puderam ser acomodados como antes, explicando o impasse representado pela Rodada Doha.
Dada as dificuldades para concluir as negociações na ocasião e o desafio de adaptar as antigas regras comerciais à nova realidade, os Estados Unidos (EUA) e a UE decidem lançar uma nova geração APCs com vários de seus parceiros (alguns exemplos são os acordos EUA e Coreia, EUA e Austrália e EUA e Chile).
Para lidar com os novos desafios do comércio, os EUA e a UE negociavam o que estava sendo chamado de APCs do século XXI: a Parceria Trans-Pacífico (TPP, com a certa altura EUA, Japão, Austrália, Brunei, Chile, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã) e a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, entre EUA e UE). Esses dois mega acordos abrangeram metade do comércio mundial, mas menos de 50 países. Por trás dessas duas novas estratégias dos EUA e da UE havia os interesses geoeconômicos desses parceiros e uma resposta às políticas agressivas de comércio e investimento da China.
Contudo, é de suma importância entendermos a Agenda da OMC+ através de uma análise para além da via multilateral, considerando que muitos países optam por outro caminho. De tal forma que podemos observar uma tendência ao aumento do comércio por meio de negociações de Acordos Preferenciais de Comércio na OMC em detrimento das instâncias plurilaterais na organização. Essa estratégia, por um lado, cria oportunidades de mercado, mas, por outro, resulta na fragmentação da regulamentação do comércio internacional, gerando conflitos e falta de transparência, responsabilidade, coerência e legitimidade.
Finalmente, embora contando com uma estrutura jurídica e administrativa que conferiu a Agenda da OMC+ condições de promover a liberalização do comércio internacional com mais estabilidade em relação ao GATT, ficaram evidentes os vários impasses na OMC, que abriram espaço para que os APCs preenchessem o vácuo nas negociações para a liberalização do comércio internacional.

Escrito por

Observatório de Regionalismo

O ODR (Observatório de Regionalismo) realiza entrevistas com autoridades em suas áreas de conhecimento e/ou atuação, lançando mão de diversas mídias à divulgação do material elaborado.