O Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS) é parte integrante do documento fundador da OMC. Ao constituir a estrutura legal, é automaticamente vinculativo para os países membros desta, assinado na cidade marroquina de Marraquexe em 15 de abril de 1994, no seu anexo 1C.
O Acordo TRIPS trouxe para o comércio internacional temas de propriedade intelectual, visando melhorar a qualidade dos bens, protegendo seu conteúdo e proporcionando cooperação ordenada com relação ao conhecimento e sua utilização prática. Segundo a OMC, o termo “propriedade intelectual” refere-se às criações da mente. São invenções que se constituem em formas variadas como trabalhos artísticos e literários, símbolos ou designs, nomes ou imagens utilizadas no comércio. Já os direitos de propriedade intelectual garantem a quem os possui exclusividade sobre suas criações durante um determinado período de tempo. Esses direitos geralmente são subcategorizados em propriedade de copyright ou de direitos autorais e propriedade industrial (OMC, 2022). Além disso, os bens podem ser classificados geograficamente, indicando pelo seu nome tanto o tipo de produto que é, e a origem de onde tal foi inicialmente produzido, remetendo às condições climáticas e de vegetação específicas.
O TRIPS consistiu em um instrumento de melhoria das condições pelas quais o comércio se dá, garantindo proteção às invenções nas mais diversas áreas onde há troca de bens e nos mais diversos temas, como direitos de marcas, autorais, desenhos industriais, indicações geográficas, patentes, proteção de informação confidencial, e controle de práticas de concorrência desleal em contratos de licença e topografias de circuitos integrados. O combate aos bens falsificados, o papel do setor privado nas inovações, e a lacuna entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no avanço tecnológico permeiam o acordo em questão.
Criado em 1994 durante as negociações da chamada Rodada Uruguai do GATT, o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, TRIPS) entrou em vigor em 1995 e representou um marco na regulação dos direitos de propriedade intelectual. Liderado sobretudo por países desenvolvidos, especialmente Estados Unidos, o TRIPS foi aceito por todas as nações pertencentes à Organização Mundial do Comércio (OMC) e teve como objetivo central corroborar com o comércio legítimo por meio da garantia de proteção a patentes, marcas, desenhos industriais, direitos autorais e às normas do direito concorrencial, servindo também como um importante mecanismo de arbitragem de disputas e controvérsias relativas às questões supracitadas, de forma a reduzir as barreiras comerciais entre seus países por meio de política de cooperação, como consta em seu artigo 67º.
Assim, os objetivos gerais do TRIPS giram em torno de cinco áreas norteadoras.
Essas áreas versam sobre a aplicabilidade de princípios e provisões da OMC em assuntos de propriedade intelectual, a definição de padrões mínimos de propriedade intelectual das quais os membros precisam prover e a delimitação de como os países garantirão o cumprimento dos direitos em seus territórios. Além dessas, o TRIPS, através da instituição do Conselho TRIPS, busca resolver as disputas entre os membros. Por fim, há a definição de arranjos transicionais especiais para a implementação das normas do TRIPS.
Contudo, anterior ao surgimento do Acordo TRIPS, os debates sobre propriedade intelectual já eram extensivamente promovidos, sendo possível destacar convenções importantes no século XIX que buscaram estabelecer pilares internacionais para a proteção deste direito, como a Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, originalmente assinada por 11 países no ano de 1883, e posteriormente a Convenção de Berna para a Proteção de Trabalhos Artísticos e Literários, em 1886. Essas convenções originaram um escritório administrativo em 1893, o Escritório Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual (BIRPI). Este, por sua vez, foi revisado em 1967 durante a Conferência de Estocolmo, que determinou sua evolução para uma organização internacional que seria coordenada por todos os membros signatários, originando a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), que passou a ser uma agência da ONU em 1974.
Existiam também insatisfações dos Estados desenvolvidos sobre a precariedade do sistema de proteção da propriedade intelectual firmado no âmbito da OMPI, tendo em vista a ausência de mecanismo coercitivos frente à globalização crescente e excesso de flexibilidade nos princípios estabelecidos. Assim, liderado pelos Estados Unidos e a até então Comunidade Econômica Europeia (CEE), se iniciaram campanhas para inserção da pauta de propriedade intelectual, sob o âmbito comercial, no mandato da Rodada Uruguai (1986-1994) do fórum de negociações comerciais multilaterais do GATT. Países em desenvolvimento, como Brasil e Índia, protestavam com a alegação de que a pauta deveria ser levantada na OMPI.
Após concessões mútuas entre os países desenvolvidos, que eram promotores da pauta, e os países em desenvolvimento, que eram resistentes visto a perda da flexibilidade, a pauta foi adicionada no mandato da Rodada do Uruguai, onde se elaboraram os preceitos do que se tornaria o Acordo TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), firmado assim como a OMC durante a Rodada Uruguai, e se tornando um dos Acordos integrantes da Organização.
Em relação a isso, após concessões mútuas entre os países desenvolvidos, promotores da pauta, e os países em desenvolvimento, resistentes visto a perda da flexibilidade, a pauta foi adicionada no mandato da Rodada do Uruguai, onde se elaboraram os preceitos do que se tornaria o Acordo TRIPS, firmado assim como a OMC durante a Rodada Uruguai, e se tornando um dos Acordos integrantes da Organização.
Regendo a partir de sua assinatura todo o escopo referente ao direito à propriedade intelectual, os dispostos do Acordo TRIPS são utilizados amplamente nas disputas entre países no âmbito do comércio internacional, objetivando um ambiente mais justo para as trocas comerciais. No caso emblemático da disputa comercial entre China e EUA, o descumprimento dos termos presentes no Acordo é objeto central das acusações dos EUA contra sua concorrente e abre precedente para a imposição de tarifas no intuito de retaliar e pressionar a China a adequar-se às regras, instrumento previsto no Acordo.
Apesar de visar a equidade comercial, nos tempos atuais ainda se observa uma larga diferença entre a quantidade de patentes registrada nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, abrindo brechas para críticas e dúvidas acerca da eficácia do Acordo em atingir equitativamente todos os membros signatários.
Essa, contudo, não foi a única contradição enfrentada pelo TRIPS. Ainda em fase de implementação, entre a década de 1990 e 2000, houve impasses acerca da propriedade intelectual no que tange aos produtos da saúde. O contexto da epidemia de HIV e a produção de medicamentos genéricos para seu combate foi decisivo para a discussão da abrangência do acordo e sua aplicabilidade em relação à saúde pública, que deu origem à IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio. Assim surgiu a Declaração de Doha em 2001, que reafirma a importância da defesa da propriedade intelectual dos produtos de saúde, mas reconhece a importância dos produtos para a saúde pública e afirma que o TRIPS não deve impedir que os países tomem as medidas necessárias para garanti-la, preconizando o acesso universal aos medicamentos. No mesmo sentido, o debate acerca dos direitos intelectuais dos medicamentos e vacinas é retomado no contexto da pandemia de COVID-19, dessa vez discutindo-se a dispensa da obrigatoriedade de cumprimento dos dispostos do acordo que sejam conflitantes com a produção e/ou distribuição universal especialmente das vacinas para o combate ao vírus e a pandemia, onde a Declaração de Doha é mais uma vez evocada a fim de justificar o caráter de exceção e necessidade de priorização da saúde pública frente ao comércio.
O Conselho para TRIPS é o principal órgão envolvido no Acordo, sendo responsável por supervisionar a aplicação e seu cumprimento por parte dos membros, lhes dando a oportunidade de efetuar consultas referentes aos aspectos mencionados no texto e lhes prestando assistência na solução de controvérsias, mantendo-se em constante cooperação com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e se incumbindo de eventuais revisões que se façam necessárias.
Ao longo dos seus 78 anos de existência, o TRIPS logrou criar as bases para a sistematização de normas seguras o suficiente para incentivar a criatividade e a inovação, não admitindo reservas de acordo com o princípio do single undertaking, de maneira que a sociedade se beneficie com os novos produtos e serviços criados a partir do encorajamento provido pelos lucros advindos de uma clara regulação quanto aos direitos de produção. O incentivo às pesquisas e a consequente fusão entre interesses dos produtores e consumidores pode vir a gerar externalidades positivas como o barateamento e a facilitação do acesso a produtos farmacêuticos através da diversificação e criação de novos fármacos – o que a princípio foi desacreditado, tendo em vista a forte origem estadunidense do Acordo -.
Alguns dos principais pontos a serem destacados no Acordo TRIPS se encontram nos Art. 8º e 27º, que preveem a possibilidade de aplicação de medidas que evitem o abuso do direito de patentes e citam os materiais não patenteáveis, isto é, protegendo não apenas os direitos de propriedade intelectual, mas também os direitos da sociedade como um todo de usufruir dos benefícios advindos do bem ou tecnologia em questão. O alto preço exercido pelos detentores das patentes dificulta o acesso aos produtos, e os países em desenvolvimento são prejudicados pelo fluxo de transferência de recursos, estando em constante desvantagem em razão de não serem produtores de tecnologia e avanços científicos. A questão foi pauta na Quarta Conferência Ministerial da OMC, que reforçou o direito dos membros da Organização de proteger a saúde pública e, em particular, de promover o acesso aos medicamentos para todos, reafirmando os trechos do TRIPS tais quais nos Art. 8º e 27º, que tratam da flexibilidade necessária para esse propósito.
Atualmente tem-se como exemplo o caso brasileiro, que colocou em vigor o TRIPS no Brasil em 01/01/2000 e suspendeu por meio do projeto de lei nº 1462/2020, durante a pandemia de COVID-19 a exclusividade de exploração de produtos patenteados, a fim de ampliar os mecanismos de enfrentamento à emergência de saúde pública.