É um Acordo de Associação Inter-Regional entre os blocos econômicos Mercado Comum do Sul (Mercosul) e União Europeia (UE), que encontra-se, em 2023, em processo de revisão técnica e jurídica. A origem do acordo data-se do início das negociações entre as partes em 1995, tendo finalizado em 28 de junho de 2019 com o anúncio da conclusão das negociações políticas e a criação de um acordo comercial comum entre as partes.

O principal objetivo do acordo é realizar a liberalização comercial entre os dois blocos e permitir a abertura de mercados, criando uma zona de livre comércio intra-blocos. O acordo além de suas finalidades comerciais possui um vasto arcabouço de finalidades políticas sociais e de desenvolvimento sustentável. O acordo pode ser destacado pelos seus três principais pilares: cooperação, comércio e política.

  • Pilar Político: Os compromissos e posições em comum se voltam para áreas sociais e políticas da democracia, como direitos humanos, meio ambiente, combate ao narcotráfico, terrorismo e lavagem de dinheiro, entre outros. Além de facilitar o diálogo político entre os blocos sobre os temas supramencionados, o acordo Mercosul-UE pretende reforçar as práticas dos países do Mercosul e, assim, proporcionar mais segurança e previsibilidade ao seu âmbito político, estabilizando suas chances de atrair investimento estrangeiro.
  • Pilar comercial: o acordo prevê o acesso aos mercados, principalmente o agrícola, com revisão de tarifas e cotas, assim como práticas de livre comércio para bens industrializados, acesso ao comércio de serviços através de listas positivas (ou seja, tudo que está na lista está aberto) e regras de origem, promovendo mudanças no processo de certificação de produtos. Além disso, outros temas presentes são: coerência regional regulatória para medidas sanitárias, barreiras técnicas e propriedade intelectual. Ademais, regimes especiais e mecanismos especiais também estão previstos no acordo. No âmbito institucional, o acordo prevê inovações em transparência, sistemas de consulta pública, solução de controvérsias, licitações, facilitação de comércio e participação de pequenas e médias empresas. Ainda, o acordo pretende cumprir com os objetivos do desenvolvimento sustentável. Entretanto, a composição do comércio internacional do Mercosul comporta um problema de sustentabilidade, uma vez que os produtos e o crescimento econômico do bloco estão atrelados às dinâmicas do mercado internacional, o que coloca esses mercados em uma posição de vulnerabilidade e dificultando a quebra de restrições no comércio com a União Europeia.
  • Pilar Cooperação: O Acordo Mercosul-UE visa estabelecer e aprofundar mecanismos de cooperação entre os dois blocos em áreas como ciência, tecnologia e inovação, educação, economia digital, migração, responsabilidade social e empresarial, proteção ambiental, entre outras. Uma vez feito isso, visa-se que os países do Mercosul se beneficiem de transferência de tecnologia e melhores práticas, além de abrir o acesso latino-americano a mais fundos e assistência técnica da União Europeia, facilitando oportunidades do bloco de financiar seu desenvolvimento e sua adaptação aos termos do acordo e seu impacto econômico e comercial.

Em dezembro de 1994 houve a declaração conjunta entre os dois blocos sobre o desejo em realizar uma associação inter-regional. Em 15 de dezembro de 1995 ocorreu a realização do ”Acordo Quadro de Cooperação Mercosul e União Europeia”, que foi compreendido como a reafirmação do interesse em comum e preparatório para início da formulação e negociação do acordo. Durante os anos de 1995 e 1999 adveio o retardamento nos esforços para as negociações, haja vista o momento interno particular de cada bloco.

Concluído em 2019 após 39 reuniões oficiais do Comitê de Negociações Birregionais (CNB), o Acordo entre os dois blocos em questão é composto por 32 países, considerado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em 2019 como um comércio recíproco total de aproximadamente 800 milhões de habitantes, representando 10% da população mundial o que afeta 25% do produto interno bruto (PIB) global e 37% das exportações mundiais (bens e serviços). Além disso, em quesito de investimento estrangeiro direto (IED), o Acordo pode mover 29% do fluxo mundial de investimentos.

Passando por três grandes etapas de sua elaboração, o início das rodadas de negociações para o Acordo Mercosul-UE ocorreu de fato nos anos 2000. Nessa primeira etapa, até 2004, ocorreu a elaboração de textos-base e ofertas de acesso, iniciando a ambientação e estudo da dinâmica dos blocos, nesse primeiro momento não houve nenhum consenso do Acordo a ser firmado entre os blocos, levando a suspensão temporárias das negociações. Esse período era marcado também pelo contexto político em que o Mercosul passa a se dedicar à inserção sul-americana do bloco regional, buscando uma unidade latino-americano nesse momento.

Retomada as negociações em 2010, a segunda etapa inicia-se sob um contexto sem crise na América Latina, não estando sob grande impacto da crise financeira mundial ocorrida em 2008, diferentemente da Europa que passava por uma recessão devido ao cenário internacional de crise. Dessa forma, a União Europeia sinaliza em 2009 seu interesse em retomar as negociações com o Mercosul, o qual aceita e passa a ocorrer uma segunda rodada de negociações, onde ocorre a atualização de textos já elaborados na primeira etapa apenas, sem novas ofertas de acesso. Esse período não foi marcado por avanços consideráveis no processo de desenvolvimento do Acordo, levando a suspensão dessa etapa em 2012, por conta desse desbalanço entre as economias dos blocos aduaneiros, dificultando que o Acordo negociado fosse contemplado pelas duas partes envolvidas.

Por fim, a terceira etapa ocorre entre 2016 e 2019, momento em que Governos mais liberais no campo econômico ascendem nos países da América Latina, ocorrendo uma sinalização favorável às negociações do tratado de livre comércio com a União Europeia. No âmbito internacional, o contexto também era positivo, tendo em vista a ascensão do protecionismo em escala global, simbolizado pela vitória de Donald Trump para a Presidência dos Estados Unidos. Aconteceu também a aprovação do Brexit, que levou à saída do Reino Unido da União Europeia, impulsionando sua busca por novos parceiros comerciais, o que colaborou para a fomentação das negociações nesse período. Assim, nessa etapa final do processo de elaboração do Acordo Mercosul-UE ocorre uma nova atualização dos textos, ampliando-se a temática do alcance do Acordo, apoiado em um pilar comercial, um pilar político e um pilar de cooperação, passando a incorporar temas como contas públicas, desenvolvimento sustentável, cláusulas entre fraudes entre outros.

Diante disso, o Acordo Mercosul-UE é finalizado em junho de 2019, mas por não conter ainda as assinaturas dos blocos no documento final, ele é considerado, por enquanto, um “Acordo em princípio”. O texto desse acordo possui como princípios fundamentais: gradualismo, em que aos poucos as tarifas comerciais estabelecidas serão implantadas pelas partes; respeito pelas assimetrias, em que será considerado as diferenças estruturais entre as regiões; tratamento diferenciado, em que ocorrerá a facilitação da participação na integração das cadeias globais a partir da relação de cooperação entre as parte; diálogo e intercâmbio de informações, facilitando a troca de comunicação e conhecimentos técnicos de maneira transparente; e segurança e previsibilidade, garantindo um monitoramento conjunto para solução de demandas.

Atualmente o acordo consta em etapa de tradução para todos os idiomas oficiais dos membros participantes, bem como sua revisão jurídica e técnica. Para a real efetivação do acordo este deve ser ratificado por todos os membros da União Europeia e do Mercosul. No entanto, desde da divulgação pública do pilar comercial em 2019, muitas críticas vêm sendo realizadas, principalmente pelos entes da União Europeia, incluindo estudiosos e entidades internacionais. As críticas dizem respeito principalmente ao fato de que a União Europeia utiliza os acordos comerciais inter-regionais como instrumento de execução de seus pilares de política externa, e busca parceiros comerciais que corroborem com seus princípios. Existe a descrença por boa parte dos membros europeus que o Mercosul não representa um parceiro comercial e político capaz de promover e seguir os propósitos políticos do acordo, bem como que a abertura econômica não seja tão vantajosa principalmente para o mercado agrícola europeu frente às vantagens competitivas dos produtos agrícolas mercosulinos.

Em linhas gerais, para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado por todos os países dos dois blocos, ou seja, ser aprovado pelos parlamentos. Entretanto, alguns países europeus suspenderam a aprovação do acordo, o que exigirá novas negociações. Por ser um acordo misto, há algumas competências da Comissão Europeia (órgão legislativo da UE) e outras dos próprios Estados membros do bloco, então o acordo precisa ser aprovado unanimemente tanto pelo Conselho Europeu, pelos Estados membros europeus e pelos Estados membros do Mercosul. Uma vez assinado e ratificado, o acordo poderá começar a ser aplicado de acordo com suas competências e as regulamentações de cada área.

Escrito por

Observatório de Regionalismo

O ODR (Observatório de Regionalismo) realiza entrevistas com autoridades em suas áreas de conhecimento e/ou atuação, lançando mão de diversas mídias à divulgação do material elaborado.