Imagem por ASEAN (adaptada).

Em artigos recentes do Observatório de Regionalismo, organizações internacionais de diversos continentes foram analisadas sob diferentes perspectivas, tais como as respostas da União Africana à Covid-19, a possível desvinculação brasileira do Mercosul e a questão dos refugiados e imigrantes na União Europeia durante a pandemia. Dando continuidade a esse diálogo estabelecido pelo Observatório de Regionalismo, pretende-se aqui examinar como a pandemia causada pela Covid-19 está sendo enfrentada pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). 

Criada no dia 8 de agosto de 1967, através da Declaração Bangkok, a ASEAN teve como primeiros membros fundadores a Tailândia, Filipinas, Indonésia, Malásia e Singapura, recebendo depois, entre 1984 e 1999, novas nações asiáticas, sendo elas Brunei, Vietnã, Laos, Myanmar e Camboja. Dessa maneira, a ASEAN abrange a maior parte dos Estados do Sudeste Asiático, com exceção de Timor-Leste, conforme pode ser visualizado no mapa abaixo.

FONTE: GUPTA et al, 2010, p.9.

Até o dia 3 de julho de 2020, 154.888 casos de Covid-19 foram notificados no Sudeste Asiático, dentre os quais os maiores números de casos na região e dentre os membros da ASEAN estão em Indonésia (59.394 casos), Singapura (43.907 casos) e Filipinas (38.805 casos). Enquanto isso, foram anunciados apenas 304, 141 e 19 casos, respectivamente, em Myanmar, Camboja e Laos. Vale reiterar que essa diferença de casos reportados pode ser reflexo da dificuldade de determinadas nações do Sudeste Asiático em identificar a Covid-19 perante seus sistemas de saúde frágeis. Conforme o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, ao passo que Singapura se encontra em 9º lugar entre os países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mundial, Laos, Camboja e Myanmar se encontram nas posições 140º, 145º e 146º, demonstrando as diferenças socioeconômicas entre os membros da ASEAN que devem ser consideradas nas políticas adotadas referentes à pandemia. 

No tangente às medidas da ASEAN contra a propagação da Covid-19, identificou-se que seu arcabouço está cooperando e coordenando regionalmente para mitigar suas consequências no Sudeste Asiático. Logo no dia 14 de fevereiro de 2020, quando o vírus não havia atingido todos os países da região, os Chefes de Estado e de Governo dos membros da ASEAN criaram a Declaração de Resposta Coletiva ao Surto da Doença Coronavírus, declarando: o reconhecimento da emergência de saúde pública internacional declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS); a manutenção das fronteiras abertas entre os seus Estados membros, porém com inspeções sanitárias; a importância dos membros da ASEAN em agir solidariamente e se manterem unidos em busca de resiliência regional; e a importância do acionamento da cooperação internacional com parceiros internacionais, como a China, o Japão e a Coreia do Sul, e outras instituições internacionais como a OMS.

Outrossim, no dia 10 de março, os ministros de Economia dos países-membros da ASEAN reforçaram a necessidade de atuar coletivamente, desenvolver tecnologias e ampliar o comércio digital para possibilitar o funcionamento de micro a médias empresas, acionar a cooperação econômica com parceiros internacionais, evitar ações inflacionárias que possam impactar na segurança alimentar do Sudeste Asiático e desencorajar medidas tarifárias desnecessárias a bens e serviços. Dessa maneira, nesses dois encontros, observou-se que a ASEAN, como instituição, possui apreço pela cooperação entre seus membros, instituições e outras nações parceiras, enquanto que em seu âmbito econômico considera a fragilidade de sua população no que concerne ao acesso a alimentos e à produção de renda.

Ademais, os próprios Chefes de Estado e de Governo da ASEAN realizaram, via videoconferência, a Cúpula Especial da ASEAN presidida pelo primeiro-ministro vietnamita Nguyen Xuan Phuc no dia 14 de abril. No documento final dessa reunião as representações estatais declararam: almejar o fortalecimento das ferramentas da Organização, tal qual o Centro de Operações de Emergência da ASEAN, e incrementar, através do acesso aos suprimentos de saúde e proteção, a cooperação do setor público de saúde; reconhecer a necessidade de trabalho multissetorial da comunidade da ASEAN devido a sua interconexão e vulnerabilidade; a importância da OMS, e que vão agir em consonância com essa instituição; o interesse de mitigar os efeitos econômicos e sociais; e, por fim, realocar fundos recebidos de parceiros internacionais para medidas contra a Covid-19. 

Além disso, conforme a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a Covid-19 afetou o sistema de distribuição de alimentos do Sudeste Asiático, responsável por 10.8% do PIB da ASEAN em 2018, prejudicando mais de 600 milhões de pessoas no primeiro semestre de 2020 diante de lockdowns e diminuição de trocas comerciais. Além disso, essa situação se torna mais preocupante, haja visto que a agricultura possui um papel predominante na economia de países como Laos e Camboja, nos quais esse setor é responsável, respectivamente, por 72% e 55% do PIB, influenciando em questões socioeconômicas de suas populações. 

Logo, considerando tal fragilidade os ministros de Agricultura e Florestamento da ASEAN se reuniram para formular políticas referentes à segurança e comércio alimentar e nutrição da região. Dessa maneira, no dia 15 de abril foi acordado: minimizar interrupções nas cadeias regionais de suprimentos ao manter, o máximo possível, o sistema de comércio e transporte funcionando regularmente; conter medidas restritivas de exportação, tarifas adicionais e a volatilidade dos preços; assim como robustecer o Conselho de Reserva de Segurança Alimentar da ASEAN e o desenvolver o documento denominado como Diretrizes da sobre Promoção e Investimento Responsável em Alimentos, Agricultura e Silvicultura. 

Em relação às respostas à pandemia na área da saúde, a ASEAN possui um setor composto por quatro segmentos, sendo eles: 1) ministros da Saúde dos Estados membros da ASEAN e da ASEAN +3 (adicionando China, Coreia do Sul e Japão) voltados para reforçar a cooperação entre essas nações; 2) Mecanismo de Resposta à Covid-19 da Reunião de Altos Funcionários sobre Desenvolvimento da Saúde da ASEAN e ASEAN +3 encarregado por aprimorar o compartilhamento de informação, operacionalizar mecanismos de saúde e divulgar políticas aplicadas contra à Covid-19; 3) Rede do Centro de Operações de Emergência da ASEAN liderado pelo Ministério da Saúde malaio em que são compartilhadas informações diárias sobre medidas nacionais e novos casos por plataformas digitais como e-mail, WhatsApp e páginas web do Ministério da Saúde de cada membro da ASEAN e da ASEAN +3; e 4) Centro Virtual BioDiaspora da ASEAN responsável por permitir a interação do usuário com dados em tempo real sobre doenças infecciosas no mundo e como gerenciar seus riscos. Dessa forma, constatou-se que esses setores estão pautados, principalmente, na cooperação internacional e disponibilidade de informações. 

Vale ressaltar também que, em maio, a Comissão Intergovernamental de Direitos Humanos da ASEAN salientou o direito que os cidadãos de seus países-membros possuem de receber serviços de saúde de qualidade e acessíveis, independentemente de seu gênero, idade, nacionalidade e grupo social pertencente, conforme a Declaração de Direitos Humanos da ASEAN. Apesar dessa manifestação, a ASEAN não demonstrou uma resposta efetiva à situação humanitária do grupo muçulmano Rohingya, oprimidos em Myanmar1)Especialmente a partir de 2012, a violência contra os Rohingyas aumentou, sendo configurada como genocídio diante de mortes e um grande fluxo de refugiados. Para saber mais, acesse:http://statecrime.org/data/2015/10/ISCI-Rohingya-Report-PUBLISHED-VERSION.pdf, intensificando a vulnerabilidade desses refugiados que são impedidos de adentrar nos territórios da ASEAN quando aportam por meio de barcos. E em junho, na reunião ministerial da ASEAN, voltada para mitigação dos efeitos da Covid-19 em grupos vulneráveis como mulheres, idosos e crianças, decidiu-se o fornecimento de fundos públicos para gastos sociais, a garantia de direitos, segurança e dignidade dessa parcela da população suscetível a violações, assim como a criação de programas para uma recuperação pós-pandêmica abrangente e integrada. 

Por fim, no dia 26 de junho ocorreu a 36º Cúpula da ASEAN, de modo remoto,  tendo como objetivo tornar essa Organização Internacional mais coesa e responsiva. Dentre as propostas acordadas destaca-se: o objetivo de implementar o Fundo de Resposta à Covid-19, a Reserva Regional da ASEAN de Suprimentos e Equipamentos Médicos e o Sistema Operacional Padrão Procedimentos para Resposta a Emergências em Saúde Pública; desenvolver um banco de dados para beneficiar as rotas comerciais e fornecimento transfronteiriço; além de tonificar o comércio e o investimento entre os membros da ASEAN para alcançar maior resiliência coletiva a choques externos, como uma pandemia ou fenômenos originados de desastres naturais. 

Além das decisões concretizadas em seus encontros de alto nível, auxílios internacionais também estiveram presentes na ASEAN, como por exemplo, sua possibilidade de participar na assistência internacional estatal chinesa que separou um montante de US$2 bilhões em dois anos para nações afetadas pela pandemia, a doação governamental canadense de cerca de CAN$4 milhões em máscaras, e o fundo do governo estadunidense de US$76.9 milhões voltado para desenvolver o sistema de saúde das nações do Sudeste Asiático. Além disso, a ASEAN recebeu a doação de €350 milhões da União Europeia, demonstrando que os auxílios ao Sudeste Asiático também possuem como origem organizações internacionais.    

Portanto, a partir do exposto, constatou-se que, apesar de dificuldades latentes como os desafios na segurança alimentar, acolhimento de refugiados e identificação de novos casos do vírus, a ASEAN como organização internacional se prontificou a manter e desenvolver a coesão entre seus membros, atuando e promovendo propostas em diversos segmentos de sua estrutura, desde os relacionados à saúde aos econômicos. Dessa forma, como resultado, a ASEAN, considerando as suas próprias fragilidades, está contribuindo para a promoção do regionalismo e da cooperação internacional no Sudeste Asiático mesmo em tempos de pandemia. 

Notas   [ + ]

1. Especialmente a partir de 2012, a violência contra os Rohingyas aumentou, sendo configurada como genocídio diante de mortes e um grande fluxo de refugiados. Para saber mais, acesse:http://statecrime.org/data/2015/10/ISCI-Rohingya-Report-PUBLISHED-VERSION.pdf

Escrito por

Mauricio Dias

Mestre pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP - UNICAMP - PUC-SP) em Relações Internacionais e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) com período de mobilidade acadêmica na Universidad de San Buenaventura, Colômbia. Foi estagiário docente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 2021. Na área da pesquisa, é membro do Grupo de Estudos de Índia e Ásia Oriental - GesIAO desde 2016, do Observatório de Regionalismo (ODR) a partir de 2020, assim como, desde 2021, da Curadoria de Assuntos do Japão e do Observatório de Conflitos. Possui como agenda de interesse: política externa do Japão e da Coreia do Sul, xintoísmo, construção de identidade nacional, política de memória, regionalismo e meio ambiente. No Japão, representou o Brasil no programa intercultural do governo japonês denominado como Ship for World Youth (SWY) em 2020 e atualmente é Secretário-Geral da SWYAA Brasil.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4060044353605116
Academia.edu: https://unicamp.academia.edu/Maur%C3%ADcioDias