Entre os dias 16 e 20 de setembro de 2024, a EU-Renew International Conference ocorreu na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) Argentina, reunindo acadêmicos, diplomatas e especialistas de diversas regiões para discutir as dinâmicas contemporâneas das relações entre a América Latina (AL) e a Europa, em um contexto global marcado por profundas transformações. O evento abordou temas relacionados à política, economia e cooperação, lançando luz sobre os desafios e oportunidades no relacionamento entre essas regiões à medida em que enfrentam uma nova realidade multipolar.
Contexto e Objetivos da Conferência
A conferência teve como objetivo explorar o impacto das transições globais nas relações birregionais e nos mecanismos de cooperação. Diante das mudanças recentes na geopolítica internacional — como a crescente competição entre China, Estados Unidos e União Europeia (UE) — a América Latina emergiu como um campo de disputa por influência e investimentos estratégicos. Nesse sentido, a conferência buscou examinar a evolução das políticas de cooperação, comércio e integração entre a UE e a AL, ressaltando como essas transformações afetam tanto as relações regionais quanto globais.
A conferência se concentrou especialmente em temas como a governança ambiental, o papel dos investimentos estrangeiros diretos (IED), a cooperação triangular e as megainiciativas de infraestrutura lançadas por potências globais como China, EUA e UE. Além disso, destacou-se a discussão sobre como essas dinâmicas podem aprofundar as assimetrias já presentes entre as regiões, ou, alternativamente, criar oportunidades para uma relação mais equitativa e sustentável.
Cooperação Triangular e Desenvolvimento Sustentável
Um dos paineis do evento, realizado no dia 16 de setembro, focou na cooperação triangular entre a Índia, a UE e a América Latina, especialmente no contexto da saúde e do meio ambiente. O debate centrou-se em como a cooperação Sul-Sul e triangular tem o potencial de promover uma abordagem mais horizontal no desenvolvimento sustentável, reduzindo as abordagens fragmentadas e coloniais que historicamente têm marcado as relações Norte-Sul.
A parceria triangular foi apresentada como uma ferramenta fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os participantes discutiram como essa cooperação pode ajudar a superar desafios como a falta de recursos e a carência de dados sistematizados sobre as iniciativas em curso. Além disso, a conferência destacou a necessidade de diversificar as fontes de financiamento, uma vez que os fundos limitados representam um desafio significativo para a implementação de projetos sustentáveis na região.
Governança Global e a Economia Digital
Outro tema central da conferência foi a governança da inteligência artificial (IA) e as implicações das novas regulamentações no contexto das relações birregionais. No painel de 17 de setembro, foram discutidas as diferenças nas abordagens de regulamentação da IA entre Estados Unidos, China e União Europeia, com um foco particular na legislação europeia — o AI Act — que foi apresentado como um marco regulatório importante para o futuro da governança tecnológica. No entanto, os desafios para a implementação dessas regulamentações na América Latina foram amplamente discutidos.
Outro tópico relevante foram as iniciativas como o Global Gateway da UE e o Américas Partnership for Economic Prosperity dos EUA, que foram vistas como elementos de disputa geopolítica, mas também como potenciais motores de desenvolvimento para países latino-americanos. Os participantes questionaram como essas iniciativas podem impactar o cenário tecnológico e político da região e se a América Latina pode realmente se beneficiar dessas parcerias, ou se estas continuarão a reforçar dinâmicas neocoloniais e assimétricas.
Vale ressaltar que as iniciativas também podem ser compreendidas enquanto instrumentos que buscam garantir a influência de suas respectivas potências na região, promovendo infraestrutura, mas também impondo suas próprias condições.
Investimentos, Disputas e Governança Ambiental
O papel dos investimentos estrangeiros, especialmente os oriundos da China e da França no setor de lítio na Argentina, foi destaque em outro painel, ocorrido no dia 17 de setembro. A dependência de investimentos externos no setor de recursos naturais gerou um intenso debate sobre os impactos dessas parcerias para o desenvolvimento local. O controle estrangeiro sobre as plantas de produção de lítio na Argentina foi visto como um exemplo claro de como os países latino-americanos enfrentam desafios em manter sua soberania sobre recursos estratégicos em meio à competição global.
No que diz respeito à governança ambiental, o painel sobre infraestrutura verde foi um dos mais relevantes. Neste, foi discutido o papel da América Latina como fornecedora de hidrogênio verde para a Europa, enfatizando os desafios de infraestrutura e o crescente interesse da UE em garantir o fornecimento desses materiais estratégicos. No entanto, foi mencionado que é necessário acompanhar as normas ambientais e de direitos humanos na região, para que não sejam promovidas sua flexibilização para atender à demanda europeia, impactando – no longo prazo – as comunidades locais e o meio ambiente. Nesse sentido, a tecnologia foi destacada como uma ferramenta de poder geopolítico, e os participantes discutiram se essas iniciativas trazem transparência ou perpetuam uma forma moderna de “neocolonialismo verde”.
Integração Regional e Relações Birregionais
Outro ponto de destaque da conferência foi a discussão sobre a integração regional e as assimetrias nas relações entre a UE e a América Latina. O painel de 18 de setembro abordou o conceito de “interregionalismo dependente”, onde as relações entre a Europa e a América Latina são estruturadas de forma assimétrica, com a primeira impondo suas normas e regras sobre a segunda. Nesse sentido, o debate focou em como essa dinâmica impacta negativamente a capacidade da América Latina de se desenvolver de maneira autônoma e equitativa.
A relação entre o Mercosul e a UE foi amplamente debatida, especialmente no contexto das negociações do acordo de livre-comércio entre os blocos e a necessidade de aprofundar os debates sobre os custos e benefícios do acordo Mercosul-UE, especialmente no que diz respeito à transferência de tecnologia e ao desenvolvimento sustentável. A percepção de elites políticas e econômicas no Brasil e na Argentina foi apresentada como crítica, com opiniões divididas sobre o impacto real do acordo. Alguns veem o tratado como uma oportunidade para mitigar assimetrias e avançar em áreas como a inovação tecnológica, enquanto outros defendem um debate mais profundo sobre os custos, tanto econômicos quanto sociais, associados a essa integração.
Regionalismo e Gênero no Mercosul
Um ponto inovador nos debates foi a inclusão da perspectiva de gênero nas discussões sobre regionalismo, particularmente no contexto do Mercosul. O painel liderado por Andrea Bianculli explorou como as normas de gênero evoluíram ao longo do tempo nas políticas de emprego e condições de trabalho no Mercosul, além de analisar o papel do Fórum Euro-Latino-Americano de Mulheres e o Fórum de Igualdade de Gênero UE-LAC. A participação da sociedade civil latino-americana em fóruns inter-regionais foi apontada como uma área de crescente importância, embora ainda limitada em termos de políticas vinculantes.
Considerações finais: Oportunidades e Desafios no Cenário Global
Ao longo da EU-Renew International Conference, ficou claro que as relações entre a América Latina e a Europa estão em um ponto crítico, impactadas pelas transformações globais e pela reordenação das dinâmicas geopolíticas e econômicas. Enquanto as oportunidades de cooperação em áreas como inovação tecnológica, governança ambiental e integração regional foram destacadas, também ficou evidente que desafios significativos permanecem. As assimetrias históricas entre as duas regiões continuam a moldar essas relações, e a capacidade da América Latina de atuar como um parceiro igualitário depende, em grande parte, de sua habilidade de superar essas desigualdades estruturais e de garantir um papel mais autônomo no cenário global.
O evento concluiu que a cooperação entre América Latina e Europa precisa ser mais equilibrada, baseada em uma abordagem que promova o desenvolvimento sustentável e a inclusão social, sem perpetuar os padrões de dependência que têm marcado essas relações ao longo do tempo. Assim, a conferência reforçou a importância do regionalismo como uma ferramenta para enfrentar os desafios do futuro e garantir que as relações birregionais avancem em direção a uma maior equidade e prosperidade compartilhada.
Participação do ODR no evento
Na imagem – Bárbara Carvalho Neves apresentando “Global Competition and Infrastructure development in Latin America: an Assessment of the role of the USA and EU initiatives”.
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Na imagem as Professoras Regiane Nitsch Bressan e Karina Mariano participando na Mesa Redonda “Environment and Sustainability in Regional Governance”.
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Nas imagens os Professores:
Marcelo Passini Mariano – apresentando “La Unión Europea y la regulación de la inteligencia artificial: un modelo para el mundo?
Regiane Nitsch Bressan – apresentando “El Acuerdo Mercosur y la Unión Europea y las percepciones de las elites en Argentina y Brasil”
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Na imagem a Vice-coordenadora do ODR – Bárbara Carvalho Neves, após apresentar o trabalho em co-autoria com Bruno Theodoro Luciano – “EU-Latin American relations: beyond postcolonial roots”.
Todas as imagens foram registradas pelos participantes do evento.