Nos últimos dois anos o aumento dos focos de calor na Amazônia alcançou níveis históricos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Imagens da floresta em chamas viralizaram na internet, estamparam manchetes pelo mundo e, diante do negacionismo e da falta de ação do governo brasileiro, foi se consolidando a visão do país como um vilão ambiental. No presente texto exploramos brevemente que, para recuperar a imagem do país, o governo do presidente Jair Bolsonaro autorizou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), denominada Operação Verde Brasil, e reativou o Conselho Nacional da Amazônia Legal, ambas respostas militarizadas e de cunho nacionalista.

Elaboração própria com dados do INPE.

Decretada em 2019, a Operação Verde Brasil teve como objetivo empregar as Forças Armadas para conter os focos de calor e coibir crimes ambientais na Amazônia Legal. Todavia, a primeira GLO ambiental não teve resultados efetivos, mas deixou claro que os “guardiões da floresta”, como se autodenominam os militares, estavam controlando a crise. 

Na conjuntura das críticas internacionais por conta do aumento do número das queimadas, o Conselho Nacional da Amazônia Legal foi reativado pelo presidente Jair Bolsonaro no início de 2020, tendo sido transferido do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência da República, ficando sob a chefia do general Hamilton Mourão.

Criado em 1995 no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho da Amazônia tinha como objetivo coordenar e articular políticas públicas para os estados que compõem a Amazônia Legal Brasileira (Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Pará, Tocantins, Mato Grosso e parte do Maranhão), mas não chegou a ter ações efetivas.

Também foi estabelecido que o Conselho seria composto, em adição à vice-presidência, dos seguintes ministérios: Casa Civil, Justiça e Segurança Pública, Defesa, Relações Exteriores, Economia, Infraestrutura, Agricultura, Minas e Energia, Ciência e Tecnologia, Comunicações e do Meio Ambiente. Observa-se aqui a ausência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os maiores órgãos de fiscalização ambiental do país.

Dentre as principais diretrizes de atuação determinadas para o Conselho da Amazônia no decreto nº 10.239/2020, destacam-se:

I – coordenar e integrar as ações governamentais relacionadas à Amazônia Legal; II – propor políticas e iniciativas relacionadas à preservação, à proteção e ao desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal, de forma a contribuir para o fortalecimento das políticas de Estado e assegurar a ação transversal e coordenada da União, dos Estados, dos Municípios, da sociedade civil e do setor privado; III – articular ações para a implementação das políticas públicas relacionadas à Amazônia Legal, de forma a atender a situações que exijam providências especiais ou de caráter emergencial; (…) V – fortalecer a presença do Estado na Amazônia Legal;

 A reativação do Conselho da Amazônia é mais um exemplo de como está sendo conduzida a política do atual governo – em que há a priorização da utilização de um instrumento doméstico em detrimento de um instrumento internacional/regional. Neste caso específico, observa-se o abandono de instituições regionais de regulamentação, especialmente da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), instituição oriunda do Tratado de Cooperação Amazônico (TCA).

Proposto pelo governo brasileiro sob a presidência de Ernesto Geisel, o TCA foi assinado em 1978 pelos países que compõem a Pan-Amazônia1)O TCA determina que, para ser signatário do tratado é necessário possuir território e soberania na área da Bacia Amazônia, desse modo, a Guiana Francesa, por ser um território ultramarino de um país europeu, não é signatária do tratado., sendo estes Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. É importante notar que o tratado representou uma necessidade de coordenação política e de fortalecimento da cooperação regional em um cenário de emergência das pressões internacionais sobre a Amazônia.

Portanto, o TCA surgiu como uma ação política cuja intenção era a proteção e reafirmação da soberania dos países amazônicos sobre a região, estabelecendo uma contenção aos atores exógenos. Ainda, o tratado levava em consideração o desenvolvimento econômico e o uso racional de recursos naturais, buscando, através da cooperação e integração dos países amazônicos, alcançar um modelo próprio de desenvolvimento, que atendesse às singularidades da Amazônia (LIMA; COUTINHO, 2013)

Destacamos que, por mais que a instituição careça de certa efetividade e em um cenário de abandono da mesma, a OTCA busca manter ativos projetos conjuntos que visam a proteção da Amazônia (pelo menos no âmbito da troca de informações técnicas). Dentre as principais áreas contempladas por esses projetos, destacamos: recursos hídricos (Projeto Amazonas), monitoramento da fauna e flora (Projeto Bioamazônia) e proteção de povos indígenas que vivem em áreas de fronteira. 

Em relação ao monitoramento das queimadas na região amazônica, a OTCA iniciou em 2013, em parceria com o Fundo Amazônia, o Projeto de Monitoramento de Cobertura Florestal, um instrumento que possibilita a troca de informações entre os países membro sobre temas relativos a focos de calor, desmatamento e gestão ambiental na Amazônia Internacional, permitindo o mapeamento de uma porção maior da floresta. No âmbito do projeto eram esperadas, através de trocas técnico-científicas, discussões sobre políticas estratégicas para evitar situações extremas como foi o caso do aumento vertiginoso de focos de calor na Amazônia nos dois últimos anos, mas estas nunca chegaram a acontecer.

Em suma, observamos que a resposta do governo brasileiro diante das críticas da opinião pública e do cenário internacional sobre as queimadas na Amazônia foi a adoção de uma política mais soberanista e militarizada, que distancia o Brasil de aparatos e instrumentos institucionais para lidar com a questão das queimadas multilateralmente com os demais países amazônicos. Esse afastamento reflete o atual posicionamento do país de abandono de instituições regionais e espaços de integração latino-americanos. Todavia, especialmente no caso amazônico, há a necessidade de uma atuação regional pois as questões ambientais não se limitam às fronteiras nacionais.

 

Referências

LIMA, Andreza de Melo; COUTINHO, Rebeca. O Tratado de Cooperação Amazônica como instrumento de política pública. Revista Examãpaku, v. 5, n. 2. Boa Vista: Universidade Federal de Roraima, 2012. Disponível em: https://revista.ufrr.br/index.php/examapaku/article/view/2007

Notas   [ + ]

1. O TCA determina que, para ser signatário do tratado é necessário possuir território e soberania na área da Bacia Amazônia, desse modo, a Guiana Francesa, por ser um território ultramarino de um país europeu, não é signatária do tratado.

Escrito por

Lisa Barbosa

Mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) na área de concentração Paz, Defesa e Segurança Internacional. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Roraima. É pesquisadora do Observatório de Regionalismo e do Observatório Sul-americano de Defesa e Forças Armadas. Áreas de interesse: Amazônia; Defesa Nacional; Segurança Internacional; Forças Armadas; Política Externa.