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Competição. Esta, talvez, seja a palavra que melhor descreva as atuais dinâmicas do sistema internacional. No entanto, não tem sido fácil aos Estados Unidos colocar as estratégias escritas no papel em prática diplomática, influenciando o curso das relações regionais na salvaguarda de seus interesses, como tem se visto no âmbito da estratégia do Indo-Pacífico, na região Ásia-Pacífico. China e Rússia estão competindo com os Estados Unidos por poder, influência e acessos a mercados em vários continentes. Os chineses estão investindo na ampliação dos investimentos a partir do Belt and Road Initiative na Ásia, África e Europa, enquanto os russos estão estreitando vínculos estratégicos com Egito, Arábia Saudita, Turquia e Síria. Quando seus interesses estratégicos se confrontam, procuram trabalhar juntas para superar as desconfianças e dificuldades, a exemplo da reunião de chefes de estado que fizeram à margem do G20, no início do ano, junto ao Primeiro Ministro da Índia.
Neste mês, os Estados Unidos enviaram uma delegação de nível mais baixo ao East Asia Summit (EAS), um importante fórum regional considerado a principal plataforma indo-pacífica, seguido por um distanciamento e desconforto na relação com os líderes da ASEAN ao faltar pelo segundo ano seguido à cúpula organizada pelos países do Sudeste Asiático. Contudo, diante da crescente ascensão chinesa, haverá custos a uma possível política de retração e influência regional norte-americana em uma região marcada por crescentes parcerias diplomáticas, que Washington não estaria disposto a pagar. Para isso, ao menos no papel, desenvolvem-se novas abordagens e estratégias que precisarão se traduzir práticas políticas concretas, dessa vez, a partir do fortalecimento da parceria trilateral formada por EUA-União Europeia-Índia.
Os Estados Unidos haviam anunciado, antes da Cúpula da ASEAN, uma suspensão de privilégios comerciais no valor de US$ 1.3 bilhão no Sistema de Preferências Generalizadas para produtos tailandeses. Isso reforçou a percepção de indiferença da política norte-americana em relação à Tailândia e à ASEAN, especialmente quando comparada ao compromisso da China com os países da região, por meio do BRI. No entanto, o Secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, continua reafirmando o compromisso do país com a Ásia, apoiando-se no grande número de empresas do Indo-Pacífico que procuram investir nos EUA, resultando captação de US$ 18 bilhões em investimentos. Contudo, no plano da prática política, ainda existe um visível descontentamento com a falta de engajamento dos Estados Unidos, abrindo espaços políticos para a China firmar a sua presença regional, vista pelos Estados Unidos como uma armadilha da dívida promovida via BRI.
Em setembro de 2019, formuladores políticos americanos, indianos e europeus juntaram-se em Nova Delhi para discutir os desafios relacionados à ascensão chinesa, que, assim como observado na (re)organização do Diálogo Quadrilateral de Segurança (QUAD), tem levado velhas parcerias diplomáticas a um nível de revisão estratégica para lidar com os novos desafios globais, impostos pelas mudanças nas relações internacionais, elevando a importância e o grau estratégico de suas relações. O encontro de setembro levou os parceiros a uma crescente convergência nas áreas de comércio, segurança e conectividade, porém, alcançar resultados concretos passaria pela necessidade de institucionalização dessas parcerias nos mais altos níveis políticos, o que a depender da retórica crítica de Trump em relação à União Europeia, o enfraquecimento de líderes europeus como Angela Merkel, a preocupação de Boris Johnson com o acordo do Brexit e a desconfortável relação deTrump-Macron, a quem caberia o papel de liderança nessa parceria? De fato, a relação França-Índia ganhou impulso nos últimos anos, isso facilitaria o desenvolvimento de uma estratégica indo-pacífica mais consistente. Porém, é importante ressaltar que a interpretação do próprio conceito de Indo-pacífico pode variar para cada país, trazendo novos obstáculos estratégicos à parceria, bem como acontece no QUAD.
Paris tem apoiado Nova Delhi na busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e ampliado sua cooperação bilateral em todas as dimensões, desde a área de defesa, contraterrorismo, espaço e nuclear civil até acordos de apoio logístico e acesso mútuo a bases militares. Existe a expectativa de uma reunião trilateral entre Trump, Macron e Modi à margem do encontro do G7, em 2020, nos Estados Unidos, quando será possível vislumbrar a nova estratégia regional para o Indo-Pacífico. A cooperação entre a China e os países da Europa Central e Oriental (17+1), o que inclui países membros da União Europeia (Bulgária, Croácia, República Tcheca, Estônia, Grécia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, todos com Memorando de Entendimento com a China) e membros adicionais como Albânia, Bósnia e Herzegovina, Montenegro, Macedônia do Norte e Sérvia, impõe novos desafios às políticas de Bruxelas. Portanto, a cooperação mediante a troca de experiência e conhecimento com a Índia é uma parte fundamental da estratégia de negociação e adaptação da nova agenda transatlântica à inserção internacional chinesa na Europa.
Dessa forma, o formato trilateral EUA-União Europeia-Índia poderia contribuir, ainda, para minimizar as tensões provocadas pela atual guerra comercial com a China e atenuar as diferenças e críticas colocadas por Trump em relação às práticas comerciais desses parceiros. Se o Departamento de Estado dos Estados Unidos, durante o governo Trump, colocou a região do Indo-Pacífico como prioridade de sua administração, suas recentes práticas políticas, por um lado, enfrentam desafios internos em função do processo de impeachment em desenvolvimento e proximidades das eleições, por outro, um crescimento econômico acompanhado do baixo índice de desemprego, demonstram que sua política externa ainda precisa se renovar a partir de uma estratégia que gerencie boas relações de custos políticos, de maneira a garantir melhor coordenação das parcerias diplomáticas nas diferentes dimensões, passando pela mobilização de investimentos privados, conectividade regional e liberdade de expressão, visando equacionar a crescente presença chinesa no mundo.
Referências
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ELLIS, Chris. China’s Moves into Europe as Belt and Road Initiative Migrates West. Silk and Road Briefing. Agosto, 2019.
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