Nascida na década de 1970 a partir da crítica ao desenvolvimentismo estruturalista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) [1], a Teoria Marxista da Dependência (TMD) considera o subdesenvolvimento como um fenômeno dialético ao próprio desenvolvimento, sendo a dependência a razão para o subdesenvolvimento e não o oposto [2]. Ou seja, os Estados deveriam quebrar sua relação de dependência dentro do sistema capitalista para, então, alcançar seu desenvolvimento pleno. A partir disso, questiona-se: seria a integração regional uma via de emancipação dos países periféricos e subdesenvolvidos?

A partir da perspectiva da TMD, os estudos sobre integração regional, apesar de escassos, são reveladores. Focando-se na experiência da América Latina, Marini (S/D) e Souza (2012) dissertam que a integração econômica latino-americana seria o pré-requisito para sua integração à economia mundial, na medida em que, separados, os países da região estariam sujeitos a anexações (formais ou não). Até mesmo uma estrutura supranacional chegou a ser sugerida.

Chegamos àquele ponto em que nossa sobrevivência como brasileiros, mexicanos, chilenos, argentinos depende da nossa habilidade para construir novas superestruturas políticas e jurídicas, dotadas de capacidade de negociação, resistência e pressão que se requer para ter efetiva presença ante os super-Estados que existem já ou que estão emergindo na Europa, na Ásia e na própria América. (MARINI, 1992, p.146).

Para Marini (1992), mesmo com o risco da destruição dos setores menos competitivos de determinados países, o desenvolvimento conjunto compensaria, porque a integração regional impulsionaria a criação de novos setores produtivos e de serviços, baseados, principalmente, em alta tecnologia. Além disso, como forma de privilegiar aspectos políticos e sociais dentro do projeto de integração, seria necessário ainda deslocar a administração exclusiva dos governos e da burguesia para as mãos das forças populares. Assim, os investimentos passariam a ser direcionados à revolução educacional, à eliminação da superexploração do trabalho e à melhor distribuição de renda, o que estimularia, por sua vez, o desenvolvimento nacional e regional (MARINI, 1992; S/D).

Ainda assim, Marini destaca que a própria dependência da América Latina frente ao sistema capitalista a impossibilitaria de se integrar. Conforme Marini (1992) e Souza (2012), quão mais subordinada é a inserção latino-americana no sistema internacional, maior sua desintegração. Por isso, a integração regional seria impulsionada quando sua inserção ao sistema estivesse em crise e a influência das potências fosse menor. Na análise de Souza (2012) sobre as quatro ondas de integração latino-americana isto fica evidente.

Na primeira onda (das independências latino-americanas às Guerras Mundiais), em meio a disputa entre os EUA e a Inglaterra por influência na América Latina, a integração regional foi bloqueada. Com a Inglaterra em seu boom industrial e os EUA em busca da consolidação da Doutrina Monroe, a primeira tentativa de integração regional – o projeto integracionista da Simón Bolívar – teve um frustrante fim (SOUZA, 2012).

Na segunda onda (da crise de 1929 ao fim dos anos dourados do capitalismo em 1973) a industrialização fomentada pela Grande Depressão, pelas Guerras Mundiais e pelas políticas desenvolvimentistas impulsionou a integração latino-americana. A primeira iniciativa foi o acordo de integração comercial entre Brasil e Argentina em 1941. Já a segunda foi a CEPAL (1948), que teve a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) (1960) como o principal fruto prático de seu pensamento. No entanto, enquanto a primeira fracassou frente aos obstáculos impostos pelos EUA, dada a neutralidade da Argentina na II Guerra Mundial, a segunda teve seu sucesso limitado pelo expansionismo da indústria estadunidense (SOUZA, 2012).

 Na terceira onda (dos anos 1970 até o neoliberalismo dos anos 1990), diversas iniciativas regionais foram lançadas, vide: o Sistema Econômico Latino-Americano (SELA) (1975), a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) (1980), o Grupo do Rio (1986) e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) (1991). Ainda assim, a influência dos EUA, apesar de não ter bloqueado a integração latino-americana, chegou a moldá-los segundo seus interesses. Mais especificamente, segundo os preceitos do regionalismo aberto. Exemplos disso são a reconfiguração do Pacto Andino e a adequação da proposta do MERCOSUL aos moldes do neoliberalismo (SOUZA, 2012, p. 113).

Por fim, na quarta e última onda descrita por Souza (de 2000 a 2013), a integração latino-americana teria alcançado suas maiores possibilidades de consolidação. Os ingredientes contextuais foram a ascensão de governos progressistas e o fracasso da proposta estadunidense de livre comércio continental. Pautando-se em projetos produtivos, infraestruturais, energéticos, sociais, políticos e culturais foram criadas a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Enquanto isso, a atuação dos EUA estaria limitada à oferta de acordos bilaterais visando a fragmentação regional.

No entanto, o cenário regional e internacional a partir de 2013 mudou drasticamente. No âmbito global, o ciclo de crescimento econômico baseado na expansão econômica chinesa declinou. A crise econômico-financeira vivida pelos EUA e pela Europa desde 2008 deu lugar à recuperação e retomada do crescimento. Paralelamente, a postura conservadora e nacionalista ascendeu nos países centrais, como na saída da Grã-Bretanha da União Europeia (2016) e na eleição de Donald Trump (2017-) à presidência dos EUA.

Já no âmbito regional, como reflexo da queda dos preços das commodities, a até então pujante economia sul-americana entrou em colapso. Enquanto isso, no plano político, os governos progressistas da Onda Rosa perderam espaço para lideranças mais conservadoras e alinhadas às reformas neoliberais, vide a eleição de Maurício Macri na Argentina (2015-2019), de Jair Bolsonaro no Brasil (2019-), de Mario Abdo no Paraguai (2018-), de Iván Duque na Colômbia (2018-) e a crise político-econômico-institucional do governo Nicolás Maduro na Venezuela.

Com base nisso, argumenta-se pelo início de nova onda da integração latino-americana: a “contrarregionalização”. A crise econômica, a instabilidade política e a ascensão conservadora e neoliberal enfraqueceu as iniciativas progressistas lançadas na onda anterior, paralisando-as ou, até mesmo, desconstruindo-as. Dentre os exemplos estão: o esvaziamento da UNASUL com a saída de mais da metade de seus membros, a falta de força política da ALBA frente a instabilidade de seus membros e a imobilidade da CELAC. Até mesmo a Aliança do Pacífico, com seu projeto de regionalismo aberto para a Ásia-Pacífico, se enfraqueceu frente a retirada dos EUA do Tratado Trans-Pacífico em 2017.

Com base na análise das diversas ondas de regionalismo apresentada por Souza (2012), se confirma o argumento da TMD de que a integração regional seria impulsionada em períodos de dificuldade de inserção ao sistema internacional e de baixa influência das potências. Destaque para a quarta onda, quando este processo se mostrou mais evidente através do impulso da integração latino-americana em meio a crise das economias centrais e a ascensão de governos progressistas. Ainda assim, tais iniciativas regionais não se mostraram consistentes a ponto de refletir em uma redução a médio ou longo prazo da dependência da América Latina ao capitalismo central. Com a retomada econômica do centro e a escalada generalizada do conservadorismo neoliberal, as iniciativas anteriormente promovidas foram esvaziadas e a integração regional saiu, quase que por completo, das agendas nacionais.

Conclui-se, portanto, que, a partir da perspectiva da TMD, a integração em prol do desenvolvimento só seria bem sucedida se os laços de dependência ao sistema capitalista fossem de fato rompidos. Por isso, todas as iniciativas de integração latino-americana até hoje criadas estariam submetidas às oscilações de períodos de maior ou menor margem de manobra regional. Até mesmo iniciativas “antissistêmicas” (BRICEÑO RUIZ, 2013), como a ALBA, sofreram as consequências da dependência de seus membros ao capitalismo global. O cenário atual não vislumbra perspectivas positivas à integração regional, mas, viável ou não, a TMD aponta um caminho.

Referências bibliográficas

RUIZ, José Briceño. Ejes y modelos en la etapa actual de la integración económica regional en América Latina. Estudios Intenacionales, n. 175, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.cl/pdf/rei/v45n175/art01.pdf>. Acesso em: 04 jul. 2014.

MARINI, Ruy Mauro. América Latina: dependência e integração. São Paulo: Página Aberta, 1992.

______. Los caminos de la integración latinoamericana. Archivo de Ruy Mauro Marini, con la anotación “Publicado por Susan [Jonas] y Tareas [Panamá]”, S/D. Disponível em: <http://www.marini-escritos.unam.mx/075_caminos_integracion.html>. Acesso em: 12 fev. 2017.

SOUZA, Nilson Araújo de. América Latina: as ondas de integração. Oikos, v. 11, n.1, p. 87-126, 2012. Disponível em: <http://www.revistaoikos.org/seer/index.php/oikos/article/view/296/168>. Acesso em: 13 fev. 2017.

 

[1] Ver PREBISCH, Raúl. El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas. In: CEPAL. Cincuenta años del pensamiento de la Cepal: textos seleccionados. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 1998, p. 63-130; e FURTADO, Celso. Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

[2] Entre as obras fundadoras da TMD estão: MARINI, Ruy Mauro. Subdesarrollo y Revolución. 3 ed. Siglo Veintiuno: Cidade do México, 1971; BAMBIRRA, Vânia. O Capitalismo Dependente Latino-Americano. 2 ed. Florianópolis: Insular, 2013; DOS SANTOS, Theotonio. A Teoria da Dependência: balanços e perspectivas. Civilização Brasileira, 2000; entre outros.

Escrito por

Beatriz Naddi

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam-USP). Membro do Observatório de Regionalismo vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (2014). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad de Guadalajara (México) por meio do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades (2012/2). Realiza pesquisas na área de Relações Internacionais, com ênfase em Integração Latino-Americana e História do México.