As eleições venezuelanas de julho de 2024 chamaram a atenção da comunidade internacional por ser mais um evento de amplas contestações políticas, tanto internamente quanto externamente, também em virtude de preocupações com a crise humanitária, a perseguição a opositores políticos e as violações de Direitos Humanos que ocorrem no país, ao menos, desde 2013. Este pequeno artigo apresenta um balanço histórico da Venezuela, explicando a trajetória política do país até a instalação da crise social, econômica, de abastecimento e humanitária, e das contestações internas e externas aos resultados eleitorais desde 2013, procurando explorar quais os possíveis futuros da democracia para o país e o impacto deste cenário para a região. As eleições presidenciais de 2024, altamente polarizadas, voltam a colocar em xeque elementos como a governança regional, o Direito Internacional e a situação social de milhões de venezuelanos que, em decorrência da crise humanitária, precisaram deixar suas casas ao longo dos últimos anos.
Em 1998, após uma série de sucessivas insurreições populares, insatisfação com a corrupção e com a governabilidade das últimas administrações da Venezuela, além de demandas por reformas sociais, o então líder popular e militar Hugo Chávez, de 44 anos, foi eleito presidente de seu país pela primeira vez, com 56,2% dos votos, levantando uma pauta reformista do Estado e do governo, pró-social e inspirada tanto por uma leitura figurativa da história de Simón Bolívar¹, quanto pelas ideias socialistas que adquiriu ao longo de sua vida e da carreira acadêmico-militar (BBC, 2023; Nelson, 2024).
Pouco tempo antes, em 1982, Chávez havia fundado o Movimento Bolivariano Revolucionário (MBR) junto com outros militares descontentes com a corrupção e a desigualdade social acentuada na Venezuela. A figura de Chávez ganhou força como líder populista entre os setores militares e da população civil, que passaram a vê-lo como uma esperança contra os problemas sociais e políticos; com a popularidade acumulada, em 1992, tentou orquestrar, sem sucesso, um Golpe de Estado na Venezuela contra o presidente Carlos Andrés Pérez, pelo qual foi preso por dois anos e perdoado pelo presidente seguinte, Rafael Caldera. A prisão de Chávez, no entanto, fortaleceu sua figura política e o então líder popular acusou o Estado venezuelano de perseguição. Após ser libertado, em 1994, converteu o MBR em um partido político que nomeou Movimento V República (MVR). Apoiado no populismo, levou seu partido à vitória nas urnas, vencendo Henrique Römer e sendo empossado em 1999 (BBC, 2023; Cheatham, Roy, 2023; Nelson, 2024).
A Venezuela é um país rico em recursos naturais, principalmente em petróleo, cujas reservas foram descobertas ao longo do século XX e que tornaram o país um dos maiores exportadores do mundo do insumo. Chávez reconheceu, logo nos primeiros anos de mandato, o potencial do petróleo para colocar em funcionamento seus planos sociais, fixar o problema da dívida externa e dar início e continuidade às reformas que havia prometido em seus discursos eleitorais. O presidente usou a estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA) de forma estratégica, não só para explorar os recursos como também para financiar suas Missões Bolivarianas, conjunto de reformas sociais que prometiam transformar a vida pública venezuelana, entre as quais se destacam: saúde pública gratuita, erradicação do analfabetismo, preços subsidiados para alimentos às populações mais pobres e construção de moradias populares (BBC, 2023; Cheatham, Roy, 2023; Nelson, 2024).
O sucesso do programa chavista rendeu-lhe uma reeleição em 2000, após o estabelecimento de uma nova Constituição, com ampla margem dos votos, o que consolidou seu poder político e permitiu que desse continuidade às reformas. Em 2006, foi reeleito mais uma vez com uma margem ainda maior, de 62,8% dos votos. Neste mandato, Chávez ampliou reformas socialistas, estatizou empresas privadas consideradas estratégicas, como de energia elétrica, telecomunicações e outras petrolíferas; além disso, ampliou a política de controle cambial para tentar conter a inflação e impulsionar a economia. Também conseguiu emplacar reformas legislativas que ampliaram os poderes presidenciais, mas falhou em propostas constitucionais que aumentariam a quantidade de reeleições que poderia disputar, publicamente rejeitadas em referendo. Nas relações internacionais, assumiu uma postura anti-estadunidense e amizade com países como Cuba, Bolívia e Irã (Cheatham, Roy, 2023; Nelson, 2024).
Sua estatização das telecomunicações deu-lhe controle sobre a mídia, fechando canais de oposição e expandindo os veículos estatais, o que aumentou sua influência popular e começou a despertar a atenção de críticos, que o acusaram de tentar perpetuar-se no poder e de manipular a opinião pública. Outrossim, o controle estatal de setores estratégicos, como o de energia e petróleo, concentrou significativamente o poder político nas mãos do Executivo e, logo, as capacidades de influência de Chávez. Além disso, cresceram também os relatos de perseguição jurídica aos opositores do presidente e suspeitas de prisões políticas, levantadas por críticos ao seu governo, muitos levados ao auto-exílio no exterior. Desde 2007, as reformas sociais também perderam parte do apelo populista com o crescimento da inflação, estagnação econômica, aumento da criminalidade e escândalos de corrupção (Cheatham, Roy, 2023; Nelson, 2024).
Em 2012, apesar das amplas críticas, foi reeleito novamente em uma eleição controversa, acusada de fraude pela oposição, em que venceu com 55,1% dos votos. Já no período eleitoral, a saúde de Chávez se encontrava debilitada, devido a um câncer na região pélvica. Em 5 de março de 2013, o presidente morreu durante o exercício do mandato, em decorrência dos problemas de saúde, deixando ao seu vice-presidente, Nicolás Maduro, o mandato e o legado político do bolivarianismo, incluindo suas crises emergentes de caráter político, econômico e social. Novas eleições foram convocadas para aquele ano, com a vitória de Maduro confirmada com 50,6% dos votos, contra o reformista Henrique Capriles, para um mandato integral, também amplamente acusadas de fraude (Britannica, 2024).
A crise herdada pelo novo presidente teve início ainda nos anos finais do governo de Hugo Chávez, tendo sido agravada para além dos problemas administrativos na economia e no controle cambial, para políticas desastrosas de expropriação de terras agrícolas, para uma crise de produtividade em larga escala e uma grande queda na quantidade de extração de petróleo e nos preços dos barris. Em 2014, a commodity era responsável por cerca de 96% das exportações venezuelanas e a queda na receita impactou diretamente nas contas públicas, na dívida e nos programas sociais do país (Corazza, Mesquita, 2018; Britannica, 2024).
Em 2015, os preços dos barris de petróleo caíram mais de 50%, passando de U$110 para U$50, o que esvaziou os cofres públicos venezuelanos. Em 2014, o petróleo representava uma renda de U$85 bilhões para o país; em 2016, passou a aportar apenas U$25 bilhões. No que tange o volume total de exportações, em 2015, a Venezuela atingiu uma estimativa de 1,974 milhão de barris de petróleo por dia; em 2017 esse valor caiu para 1,596 milhão; em 2019, para 847 mil; e em 2022, para 438 mil. Com a má administração da produção petrolífera e a forte diminuição da receita, a inflação também disparou, ultrapassando a taxa de 121% a partir de 2015, devido ao aumento generalizado dos preços de bens e serviços e à escassez econômica; em 2018, atingiu o pico hiperinflacionário de 65.000% ao ano; em 2023, a taxa foi reduzida, mas permanecendo no ainda alto índice de 337,5% ao ano (Breul, 2016; FMI, 2024; OPEP, 2024).
Com isso, no governo de Nicolás Maduro, a crise atingiu seu patamar mais grave, de caráter humanitário, quando a Venezuela passou a sofrer com uma grande escassez econômica e falta de produtos essenciais, como alimentos, remédios e de higiene pessoal. Ao menos desde 2017 o país passa por uma grande fome, com a ausência de alimentos nas prateleiras dos mercados, alto custo de insumos básicos e uma inflação descontrolada. Cerca de 16% da população venezuelana precisou emigrar para países vizinhos devido à crise, o que significou um dos maiores volumes migratórios da história mundial, superando o de países em situações de catástrofe em 2022, como a Síria, que sofre com uma guerra civil há mais de 13 anos (Friedman, 2017; Corpi, 2019; OEA, 2021; Barros, Gonçalves, 2021).
Em 2018, Maduro foi reeleito no processo eleitoral mais controverso da história recente da Venezuela, considerado fraudulento por boa parte da comunidade internacional, incluindo o Brasil, os Estados Unidos e a maioria dos países latino-americanos e europeus. Na ocasião, o então líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autodeclarou presidente do país em virtude das acusações de fraude, tendo recebido apoio de parte da comunidade internacional, mas nunca tendo conseguido de facto exercer o poder, que permaneceu sob o controle de Maduro (AFP, 2018; Wyss, 2019).
Desde 2013, há uma articulação hemisférica para estabelecer ações conjuntas em prol de tentar sanar os problemas da Venezuela. Organizações Regionais e Internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU), a União das Nações Sul-Americanas (Unasul), o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) tentaram estabelecer diálogos com o governo venezuelano, sem êxito, a fim de tentar restabelecer a democracia representativa por meio de um sufrágio controlado, com monitoria internacional, métodos e critérios técnico-científicos de validação eleitoral. Em geral, as ações que resultaram de tentativas de solucionar o problema demonstraram o quanto o debate e as atividades em prol da defesa da democracia multilateral foram ineficazes na América do Sul (Barros, Gonçalves, 2021).
Uma das tentativas mais emblemáticas foi a do Grupo de Lima, que surgiu como uma agremiação estratégica informal a partir de uma reunião de chanceleres de países americanos em 2017, no Peru. O Grupo tinha o intuito de abordar a situação da Venezuela e propor soluções para restaurar a democracia no país, restabelecer as eleições com vistorias e acompanhamento internacional e cessar a crise humanitária. Os dignitários firmaram a Declaração de Lima, assinada por 12 países², em que condenavam o governo venezuelano pela existência de presos políticos, pela falta de eleições livres e pela ruptura da ordem democrática. Os membros optaram por impor sanções econômicas à Venezuela e barrar importações como forma de pressionar o governo por mudanças (Brasil, 2020).
O Grupo de Lima, no entanto, foi acusado de ser enviesado por questões ideológicas, dado o contexto em que se surgiu, sendo apoiado principalmente por líderes de extrema-direita e da direita alternativa no período; as pressões foram resistidas pelo governo venezuelano e nenhum acordo foi firmado. Além disso, conforme Barros e Gonçalves (2021) apontam, as sanções à Venezuela acabaram por agravar a crise, deixando o país sem acesso a máquinas, partes de reparo, eletricidade, água, combustível, gás, alimentos e remédios. Sem canais abertos e neutros de diálogo, a Venezuela foi isolada pelos países americanos e ficou sem perspectivas de ser reintegrada como membro da comunidade regional, enquanto a crise humanitária se acentuou nos últimos anos.
Em 2023, o presidente norte-americano Joe Biden havia demonstrado interesse em fontes alternativas de petróleo para combater os altos preços do insumo nos Estados Unidos, por conta do encarecimento da commodity em consequência da diminuição da oferta após as guerras na Ucrânia e na Palestina; a Venezuela, até então sob as sanções de exportação estadunidenses, passou a ser vista como opção convencional para uma negociação que Biden acreditava ser win–win³ para seu país: (I) o presidente garantiria aporte de petróleo mais barato nos Estados Unidos para controlar a inflação, ao mesmo tempo em que (II) só suspenderia as sanções sob o compromisso de Maduro de realizar eleições livres e abertas, com observadores internacionais, garantindo a promessa de um futuro democrático para o país. Maduro aquiesceu com os pedidos e firmou, juntamente com o governo estadunidense e com a oposição nacional, o Acordo de Barbados, mediado pela Noruega e assinado em outubro de 2023, em que prometeu garantir a presença de observadores estrangeiros e de cumprir com normas eleitorais internacionais (Barrucho, 2024).
A aproximação da data do pleito, no entanto, passou a levantar suspeitas de que o governo venezuelano poderia não assumir os compromissos do Acordo de Barbados: (I) em junho de 2024, a Suprema Corte venezuelana suspendeu a realização das primárias eleitorais da oposição, além de terem sido emitidos mandados de prisão contra defensores dos Direitos Humanos, jornalistas e políticos opositores; (II) dois dos principais líderes da oposição contra Maduro, Henrique Capriles e María Corina Machado, foram condenados a 15 anos de inelegibilidade e impedidos de assumir cargos públicos, respectivamente em 2017 e 2023, acusados de fraude; (III) em julho de 2024, perto da data do pleito, Maduro ameaçou adiar as eleições por acusação de interferência estrangeira; (IV) neste mesmo mês, expulsou a observação estrangeira da União Europeia, a qual julgou ser um órgão imperialista e intervencionista, cuja oposição considerava fundamental para garantir a lisura do processo; (V) chegou a afirmar que não aceitaria uma derrota nas urnas, avisando que o país poderia passar por uma sangrenta Guerra Civil caso não fosse eleito; e (VI) dispensou comentários do Brasil sobre a necessidade de lisura e aceite dos resultados das eleições, bem como acusou o sistema eleitoral brasileiro de fraude, levando à retirada de observadores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do Brasil para o pleito venezuelano. A oposição, centrada na coalizão Plataforma Unitária, acusou abertamente o governo de violar o Acordo de Barbados e se absteve de assinar um novo compromisso de transparência em junho de 2024 (Barrucho, 2024).
As pesquisas eleitorais indicaram provável vitória de Edmundo González, um diplomata caracterizado como discreto e reformista, escolhido para liderar a chapa de oposição após a condenação de Corina Machado, tendo figurado com ampla margem de intenção de votos, de mais de 50% em todas as pesquisas, chegando a 70% das intenções de voto em alguns índices, enquanto Maduro aparecia com menos de 20% na maioria das pesquisas e com cerca de 30% nas mais otimistas (Barrucho, 2024). Após o dia 28 de julho, os resultados, no entanto, se apresentaram duvidosos: o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão superior que controla as eleições venezuelanas, indicou provável vitória de Nicolás Maduro após contabilização de 80% das urnas. A oposição contesta fortemente estes resultados, acusando o Conselho de aparelhagem política por parte do governo e indicando fraude, enquanto defendem que González foi o legítimo vencedor, baseado em resultados preliminares de checagem das atas de votos de cada seção eleitoral (Chade, 2024).
Enquanto a comunidade internacional observa com atenção e contestações a mais um pleito venezuelano cercado de dúvidas e indícios de manipulação dos resultados, o governo brasileiro, um dos atores de maior relevância para dar vazão aos resultados, age com cautela e espera uma apresentação oficial dos votos das seções eleitorais, procurando um pronunciamento tardio para tentar postular-se democraticamente e com justiça, tentando equilibrar as relações com o vizinho ao mesmo tempo em que demonstra preocupação (Chade, 2024). Enquanto isso, outros países já demonstraram um estado de alerta mais acentuado e publicaram notas conjuntas: Argentina, Costa Rica, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai expressaram profunda preocupação e pressionam conjuntamente a OEA para uma reunião de emergência para abordar o tema; Chile e Estados Unidos pediram por mais transparência, enquanto a União Europeia, a Espanha e a Itália solicitaram contabilidade das atas eleitorais. Por outro lado, países como, Cuba, Nicarágua, Bolívia, Honduras, Síria, China e Rússia felicitaram a vitória de Maduro (Maldita, 2024). Em resposta à expressão de preocupação com os resultados eleitorais, o governo Maduro expulsou sete missões diplomáticas: Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana e Uruguai (G1, 2024).
Para o Regionalismo Latino-americano, a instabilidade na Venezuela representa não só uma dificuldade, mas um fracasso das instituições regionais e do movimento regionalista em si, pois os países não foram capazes de estabelecer o mínimo de acordos, tratados ou organizações comuns institucionalmente preparadas para lidar com o problema. Uma tentativa pode ser vista no caso da União das Nações Sul-americanas (Unasul), criada em 2008, que dispunha de mecanismos de decisão por consenso e havia instituído regras de proteção à democracia em seu aparato normativo. No entanto, ao abordar a Crise Venezuelana, o órgão falhou por entraves em seu mecanismo de consenso, pois ao menos desde 2013, – ano em que Maduro foi eleito pela primeira vez em uma eleição já bastante contestada, – haviam marcantes divergências ideológicas nos países da América Latina sobre o assunto, e um consenso sobre a Venezuela não pode ser atingido (Costa, 2019).
Com a falha e o atraso da Unasul em abordar a Crise, a organização perdeu credibilidade entre os países-membros. Além disso, a liderança brasileira no bloco foi deixada à parte pela administração Temer (2016-2018), deixando o organismo à deriva e com questionamentos sobre sua importância. Por fim, sem encontrar consenso para a sucessão do Secretariado-Geral, em 2016, os países-membros debandaram em série, acusando a Venezuela e seus aliados mais próximos até então, como a Bolívia, de travarem as decisões por consenso da organização (Costa, 2019). Os países descontentes com a Unasul estiveram por trás da criação do Grupo de Lima, mais informal e que optou por pressionar a Venezuela com sanções econômicas, que se provaram desastrosas (Barros, Gonçalves, 2021).
Esse relato reflete a importância que a Crise na Venezuela desempenhou nas políticas nacionais dos países latino-americanos na última década, e como continua a influenciar as capacidades regionais de estabelecer e buscar consenso. Uma solução acertada e estratégica para a Crise na Venezuela pode ser uma das provas mais importantes de liderança e de demonstração de capacidade de concerto na América Latina.
Enquanto a comunidade internacional, principalmente os países americanos e a União Europeia, aguardam por mais dados para emitirem declarações contundentes, pairam incertezas quanto ao futuro da democracia na Venezuela. O país enfrenta um caos político, fomentado pelo populismo de Maduro e a forte insatisfação da oposição, com possibilidade de insurreições por parte dos dois lados. O posicionamento final do Brasil e dos Estados Unidos, – além da reação da comunidade internacional à proporção dos eventos sociopolíticos que ocorrerem na Venezuela nos dias após a eleição, – deverão ser decisivos para a interpretação final da situação do país. Se a resposta adotada for a reimposição de sanções econômicas, poderá haver a continuidade ou aumento da crise humanitária (cf. Barros, Gonçalves, 2021); sem respostas institucionais incisivas e consenso internacional sobre este tema, não será possível encontrar solução por meio de acordos, levando à permanência do sofrimento de milhões de venezuelanos. Seja qual for o acordo, – pelo reconhecimento ou pela contestação à legitimidade do pleito, – a situação da crise humanitária deve ser colocada como pauta primária entre a Venezuela e as lideranças regionais, que devem negociar com minúcia e assertividade.
A democracia na Venezuela, atualmente, pende sob uma balança instável, em que qualquer perturbação pode colocá-la em absoluta contestação, principalmente caso não seja possível comprovar com transparência os dados que deram a Nicolás Maduro a vitória, com cerca de 51% dos votos, declarada pelo CNE em 29 de julho. A capacidade de liderança regional do Brasil e a confiança na política externa do país podem ser colocados à prova neste evento. Caso os resultados das eleições sejam verdadeiros ou não, o governo brasileiro deverá avaliar minuciosamente as declarações e assumir a responsabilidade de defender a Democracia; deve-se avaliar também, com cuidado e pragmatismo, a manutenção de relações comerciais e diplomáticas, de modo que seja benéfico ao país e à região.
Outrossim, a crise humanitária venezuelana pode perdurar pelos próximos anos, caso não haja firme reação da comunidade internacional em vista da possível irrefutabilidade de fraude, em decorrência da falta de transparência, colocando em contestação não só a Democracia no país, mas também a legitimidade da capacidade de resolução institucional da Governança Internacional, do Direito Internacional e dos Direitos Humanos. A tragédia da Venezuela seria, nesse caso, não apenas a de um país, mas a de uma região e a de um Sistema Internacional de governança ineficiente.
Notas
¹ Simón Bolívar foi um militar e líder político, nascido em Caracas, em 1783. É o mais propalado dos libertadores da América espanhola, tendo liderado a revolução de independência em várias das colônias hispânicas e atuado como líder político e defensor das soberanias nacionais contra a colonização e o extrativismo europeus.
² Os membros do Grupo de Lima inicialmente, em 2017, incluíram: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai e Peru. Em 2018, Guiana e Santa Lúcia aderiram. Em 2019, a Bolívia aderiu. Em 2021, a Argentina e o Peru se retiraram.
³ Na Teoria dos Jogos, uma situação win–win se caracteriza diante de um cenário em que, para um negociador, as contrapartidas exigidas por ou oferecidas à outra parte negociadora não são de nenhuma maneira desvantajosas ou podem até mesmo se demonstrar vantajosas. Neste cenário, há ganhos tanto nos resultados das negociações quanto na própria oferta dos termos de barganha, de modo em que ambas as partes saem vitoriosas da interação, mesmo que em diferentes medidas. Os negociadores demonstram cooperatividade e buscam a maximização dos interesses até o limite da mutualidade (Shepsle, 2010).
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