Bruno Theodoro Luciano é doutor em Ciência Política e Estudos Internacionais na Universidade de Birmingham, Reino Unido, e bolsista de doutorado pleno no exterior (CAPES). Foi Konrad Adenauer Fellow em Estudos Europeus no Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) (2014-2015). Bacharel (2011) e Mestre (2013) em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), foi Professor Voluntário no Instituto de Relações Internacionais da UnB (IREL-UnB) (2013-2014) e Assistente de Pesquisa na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (DINTE-Ipea) (2012). Tem experiência na área de Integração Regional e regionalismo comparado, atuando principalmente em temas como União Europeia, América do Sul e Mercosul. Desenvolve pesquisa acerca do desenvolvimento de parlamentos de integração regional na Europa, África e América Latina, bem como da atuação dessas instituições no âmbito internacional. É Membro da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo – REPRI.
A entrevista foi concedida pelo Bruno Theodoro Luciano (B. T. L.) durante o VIII Simpósio de Relações Internacionais que ocorreu de 5 a 7 de Novembro de 2019 ao Observatório de Regionalismo, por Clarissa Correa Neto Ribeiro.
ODR: Bruno, como você avalia o fim das eleições diretas para o Parlamento do Mercosul? Qual o impacto dessa decisão em um período de instabilidade no bloco?
B. T. L.: Do ponto de vista prático as eleições só foram realizadas até o momento em dois países, na Argentina uma vez e no Paraguai algumas vezes. O Uruguai e o Brasil na prática até então não haviam realizado tais eleições, então o efeito nesses países e em seus parlamentos nacionais é nulo. Entretanto, do ponto de vista simbólico é muito importante porque representa um dos indicadores de desintegração regional. A dinâmica regional que se viu a partir de instituições regionais com eleições diretas para o parlamento do Mercosul e a discussão e incorporação de ideias de representação democrática, participação social, que propôs trazer os partidos políticos e a pluralidade doméstica para o âmbito regional se enfraquece com o cancelamento das eleições diretas. Tal cenário de desintegração perpassa outras agendas também como as cúpulas sociais que desde 2016 não foram mais realizadas. Supostamente no segundo semestre de 2016 o Presidente Macri deveria ter realizado uma cúpula social do Mercosul na Argentina e não foi feita, representando sinais da desintegração, uma vez que as práticas e cargos regionais, como o do Alto Representante, foram extintos. É possível identificar, portanto, vários desses sinais de desintegração que mostram o momento de reformulação do Mercosul seguindo essa onda à direita, muito mais focada na agenda externa e na desgravação tarifária.
ODR: A experiência que o Mercosul teve com as eleições produziu resultados positivos em termos da democratização da integração regional e da inclusão de mais atores no processo decisório, ou não?
B. T. L.: Novamente, do ponto de vista simbólico foi um passo importante, apesar de não ter sido realizada em todos os países. O que eu pude aprender das eleições da Argentina e do Paraguai foi que tais eleições foram um passo importante para tentar trazer os temas da integração para as eleições, mas houve uma série de problemas. Tais problemáticas resultaram em parte do desconhecimento do Mercosul, falta de informação em relação ao próprio parlamento do Mercosul, e, essas eleições foram realizadas concomitantemente com eleições presidenciais desses países, ou seja, estavam em último plano dentro do cenário político. Ademais, mesmo o candidato do Mercosul da Argentina discutia muito mais temas da eleição presidencial e temas nacionais do que temas do Mercosul. Isso demonstra que a democratização é um processo muito profundo, complicado e, somente o ato de realizar as eleições para cargos e mandatos regionais é insuficiente quando não há uma sociedade que se politiza ou se manifesta a respeito de políticas públicas regionais. No caso do Mercosul, se comparado com a União Europeia, é bem difícil de se discutir políticas públicas regionais, o descaso está no conjunto de políticas públicas dos quatro países-membros do Mercosul hoje em dia, que podem ser efetivas ou não, implementadas ou não, sendo dependentes da ratificação parlamentar.
ODR: Quais diferenças você percebe nas organizações regionais no Sistema Internacional atual na produção desses parlamentos, nos tipos de institucionalização, no papel desses parlamentos e como eles se diferem nas diferentes regiões?
B. T. L.: Talvez antes de falar das diferenças é necessário destacar uma similaridade importante, que tem a ver até com a ideia de democracia, ou seja, a partir do momento em que essas organizações regionais, várias, não somente na Europa e América Latina, mas na África também, apresentam a criação de parlamentos regionais, cada qual com suas características, composição, eleições ou não, proporcionalidade ou não, competências ou não, sempre houve uma reação de que essas instituições parlamentares são a primeira e automática resposta à necessidade de representação e democratização da integração. Os governos têm em grande medida visto como um primeiro passo, ou o principal passo para trazer esses elementos para as organizações regionais. Entretanto, se olhamos caso a caso, existe uma variação tremenda, não somente no âmbito das competências mas também em vários outros aspectos e configurações desses parlamentos: a questão da eleição, proporcionalidade das bancadas, alguns países as bancadas nacionais são igualitárias, em outros proporcionais, outros tem mecanismos de proporcionalidade atenuada e, mesmo a representação de mulheres, regiões e sub-regiões, principalmente no caso do continente africano, tem uma variação interessante entre os casos. O aspecto talvez mais interessante, ou relevante, seria o do processo decisório e das competências, tendo ao caso europeu com muitas competências e ainda em crescimento, mas ao olhar fora da Europa existe um vácuo muito grande apesar de haver iniciativas no Leste Asiático e no próprio caso Sul-americano com o Mercosul, no qual há algumas tipologias e mecanismos que poderiam proporcionar maior influência dessas instituições no processo decisório do ponto de vista da competência formal. Entretanto, do ponto de vista prático há uma série de dificuldades para se fazerem influentes dentro do processo governamental no qual não existe uma supranacionalidade clara.
ODR: Considerando a grande centralização das instituições internacionais nos poderes executivos, qual é o ganho que os processos de integração tem com parlamentos que ecoam os partidos nacionais, ou enfim, com esta questão da representatividade legislativa?
B. T. L.: A relação entre parlamentos nacionais e parlamentos regionais é um pouco conturbada, inclusive, os representantes dos parlamentos nacionais se sentem numa situação muito complexa no sentido de entender qual o posicionamento e qual a participação que os parlamentos nacionais deveriam ou não ter em termos de política externa, política de integração regional. A ponte com os parlamentos regionais é mais no sentido de compreender a instituição de natureza regional que deveria ser o locus ideal para a discussão da integração regional. Mas, muitas, e quase todas as vezes na verdade, são parlamentares nacionais indicados indiretamente para participar desses órgãos, ou seja, eles vêm com todas as qualidades e os vícios das suas próprias instituições nacionais. Então, é muito complicado, e eu consegui levantar isso em entrevistas com esses parlamentares, esses políticos entenderem os mecanismos e como funciona a política do ponto de vista regional, para eles existe uma desconexão muito grande e, enquanto alguns se mostram mais engajados e tentam pensar políticas públicas regionais, outros tem uma visão muito mais simplista e automática com relação ao seu próprio mandato nacional, pensando que o espaço existente é simplesmente mais um foro onde eles podem pleitear temas de seu distrito, partido político ou até mesmo de sua ideologia.