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Uma das agendas políticas mais importantes do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é sua oposição ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA). Firmado em 1993 (entrando em vigor em 1994), o acordo entre Estados Unidos, México e Canadá teve como objetivo central facilitar e intensificar as trocas comerciais na região. Entre as motivações especificamente estadunidenses estavam: a) o ingresso facilitado tanto ao mercado mexicano quanto ao canadense; b) a propaganda aos demais países latino-americanos, visando a criação de uma área de livre comércio continental – conhecida como ALCA; e c) a preocupação na institucionalização da União Europeia pelo Tratado de Maastricht em 1992. Passados vinte e quatro anos, o protecionismo estadunidense se exacerbou, o projeto da ALCA fracassou e o novo perigo aos interesses globais dos EUA não são mais a Europa, mas sim a China.

Durante toda sua campanha presidencial, portanto, Trump proferiu diversos ataques ao NAFTA,  classificando-o como “o pior acordo comercial da história”, na medida em que este estaria tornando o comércio estadunidense menos competitivo e transferindo empresas e empregos para os outros países signatários, em especial do setor automobilístico ao México. Dando continuidade a tal discurso, já empossado presidente, Trump afirmou que acabar com o NAFTA resultaria em um melhor acordo entre os três países da América do Norte. Desta forma, o posicionamento de Trump ignorou o fato do comércio intrabloco ter triplicado de 1994 a 2014 e que 2 milhões de empregos estadunidenses dependem diretamente da atividade comercial do NAFTA e focou na perda de indústrias e de um terço dos empregos do setor automobilístico para seus vizinhos. 1

A partir disso, iniciaram-se as negociações entre os três países, já em 2017, para a discussão e modificação de algumas normas definidas no acordo original do NAFTA, firmado em 1993. Basicamente, a pressão estadunidense se baseou nos seguintes pontos: i) a perda de competitividade da indústria automobilística em solo estadunidense frente à atratividade que os baixos salários garantiam ao México; ii) a taxação dos EUA sobre a importação de aço e alumínio; iii) a defesa pelo fim do sistema de controvérsias; iv) o protecionismo canadense a seu mercado de laticínios; v) a ampliação da proteção à propriedade intelectual; vi) o aumento dos limites de taxas aplicadas ao comércio entre os membros; vii) o temor de que um dos membros assine um acordo de livre comércio com a China; viii) a proibição da manipulação das moedas, isto é, desvalorização monetária visando a uma competição comercial desleal; e ix) a definição de uma cláusula de extinção do acordo após um período pré-determinado.

Tanto México quanto Canadá foram, portanto, pressionados durante as negociações a aceitarem as novas regras do jogo do governo de Trump: proteção a seu mercado e liberalização dos demais. Contudo, tais negociações não correram sem longos desentendimentos, principalmente com o outro lado da balança mais forte na negociação, o Canadá, presidido por Justin Trudeau. Nesse sentido, Trump pautou-se na estratégia de uma negociação bilateral mais rápida e efetiva primeiramente com o México objetivando um maior poder de barganha em sua negociação com o Canadá. Além disso, a maior rapidez na negociação do novo acordo com México também teve como importante pano de fundo a eleição à presidência mexicana do centro-esquerdista Andrés Manuel López Obrador (com posse datada para o dia 1o de dezembro), quem inclusive lançou um livro de título “Oye Trump” (Escute Trump), no qual aponta sua oposição às propostas do presidente estadunidense de fechar a fronteira e acabar com o NAFTA.

Com base neste cenário, no dia 27 de agosto de 2018, Estados Unidos e México, liderado por Enrique Peña Nieto, firmaram um acordo comercial bilateral, revisando a relação atual dos dois países pautadas no NAFTA. Frente a isto, a pressão de tal acordo bilateral começou a surtir efeito sobre a resistência canadense em renegociar o NAFTA, conseguindo fechar o acordo no fim do prazo limite estabelecido para as negociações, no dia 30 de outubro. Surge, então, o Acordo Estados Unidos-México-Canadá – USMCA por sua sigla em inglês – o qual entra para substituir o NAFTA.

Destacam-se, portanto, os seguintes pontos nos quais o USMCA se difere do NAFTA:

  • No setor automotivo, as negociações iniciaram com as ameaças estadunidenses de impor tarifas ao setor. No entanto, no acordo final do USMCA, não foi definida qualquer taxação, conquanto que a produção não ultrapasse 2,6 milhões de veículos por ano, sendo que este volume representa o número total de exportações atual mais 40%. Ainda assim, estabeleceu-se um aumento de 62,5% para 75% de componentes nacionais exigidos e foi fixado que 40% de cada veículo deve ser produzido por trabalhadores que recebam mais que US$ 16 por hora. Dessa forma, o novo acordo visa barrar os insumos chineses e limitar a quantidade de peças provenientes do México, onde os salários são mais baixos.2
  • Em relação ao comércio intrabloco em geral, foi definido o aumento dos limites de taxas aplicadas no comércio entre os membros, sendo que o México aumentou o nível mínimo de US$ 50 para US$ 100 e o Canadá para US$ 117 em impostos e US$ 31 em taxação sobre vendas.
  • Quanto à disputa travada frente à taxação estadunidense do aço e alumínio canadense e mexicano e a respectiva retaliação tarifária definida pelos últimos, o novo NAFTA somente definiu que nenhuma outra tarifa seria aplicada pelos EUA a seus vizinhos, pelo menos, nos próximos 60 dias. Isto é, os EUA concederam uma paz momentânea, mas sem maiores garantias futuras.
  • Os três sistemas para solução de controvérsias já existentes mantiveram-se quase que inalterados, inclusive o Capítulo 19 do acordo original do NAFTA, o qual trata de casos binacionais de antidumping e de direitos compensatórios, mesmo tendo o governo estadunidense expressado anteriormente interesse em descontinuá-lo. Ainda assim, uma mudança importante foi a eliminação do polêmico Capítulo 11 (capítulo que permite a investidores ajuizarem diretamente os Estados membros) nos casos entre EUA e Canadá e sendo mantido em relação ao México nas áreas do petróleo e gás, serviços de geração de energia, serviços de telecomunicações, serviços de transporte e gerenciamento da propriedade da infraestrutura. Na prática, portanto, manteve-se o Capítulo 11 sobre os temas que mais ameaçam a soberania mexicana.
  • Sob pressão do governo estadunidense, o Canadá aceitou retirar o sistema de precificação do leite e aumentará o acesso dos EUA a seu mercado nacional de laticínios.
  • Estabeleceu-se a ampliação da proteção à propriedade intelectual estadunidense, vide a extensão dos direitos autorais por 70 anos após a morte do autor.
  • Determinou-se a exigência de um aviso prévio de três meses, caso quaisquer membros iniciem negociações com uma “economia que não seja de mercado”, referência indireta à China, podendo os EUA saírem do acordo caso México ou Canadá assinem um acordo do tipo.3
  • Incluíram-se regras contra a manipulação de moeda e política monetária, como forma de barrar desvalorizações a fim de uma concorrência comercial desleal.
  • Por fim, quanto à cláusula de extinção do acordo, em um primeiro momento, os EUA defendiam o estabelecimento de uma cláusula que definisse a extinção do acordo após 5 anos (a menos que os membros o prorrogassem). Contudo, no acordo final do USMCA, foi definida uma validade de 16 anos, com uma revisão para ajustes a cada 6 anos, podendo essa validade ser prorrogada.

Permanece a questão: afinal, o NAFTA acabou? Juridicamente, é certo que o NAFTA teve seu fim. Mas, na prática,  todos os pontos interpretados como negativos pelo presidente Trump dentro do NAFTA foram modificados de forma a atender mais satisfatoriamente o novo posicionamento estadunidense – no caso, protecionista. Assim, o USMCA nada mais é que uma revisão estadunidense do NAFTA, haja vista que o fim de facto da área de livre comércio da América do Norte acarretaria ônus muito maiores que bônus frente a profunda interdependência comercial já enraizada ao longo desses mais de 20 anos de NAFTA.

1 – https://www.telegraph.co.uk/business/2018/08/30/new-nafta-old-one-controversial/

     https://piie.com/publications/policy-briefs/nafta-20-misleading-charges-and-positive-achievements
2 – https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/em-novo-acordo-nafta-trump-prepara-terreno-para-guerra-comercial-com-a-china.shtml
     https://www.valor.com.br/internacional/5896459/dez-pontos-para-entender-o-novo-nafta
3 – https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/em-novo-acordo-nafta-trump-prepara-terreno-para-guerra-comercial-com-a-china.shtml

Escrito por

Beatriz Naddi

Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam-USP). Membro do Observatório de Regionalismo vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Pampa (2014). Realizou intercâmbio acadêmico na Universidad de Guadalajara (México) por meio do Programa de Bolsas Ibero-Americanas Santander Universidades (2012/2). Realiza pesquisas na área de Relações Internacionais, com ênfase em Integração Latino-Americana e História do México.