Artigo publicado originalmente no Boletim Lua Nova

A participação social nos fóruns multilaterais é uma tendência nas relações internacionais desde os anos 1990, período em que se intensificou o interesse da cidadania em ser escutada nos processos de tomada de decisão além do Estado. (Loureiro, 2023). Há um descontentamento com a falta de transparência e democratização desses espaços, que são distantes e inacessíveis à participação popular (Bringel; Muñoz, 2010), mas capazes de gerar compromissos e diretrizes que afetam diretamente a vida das pessoas nos territórios nacionais e locais.

Como consequência, a sociedade civil se organiza de maneira crescente para influenciar as decisões multilaterais. Tanto a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), Rio 1992, quanto a Conferência de Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância em Durban, 2001 (Loureiro, 2023); a irrupção de protestos e eventos paralelos, como em Seattle (1999), quando manifestações interromperam a cúpula da Organização Mundial do Comércio (Bringel & Muñoz, 2010); e a realização de encontros transnacionais que propõem formas alternativas de globalização e de internacionalismo, como os Fóruns Sociais Mundiais a partir de 2001, são exemplos desse processo de organização (Teivainen, 2002).

Em resposta a esse fenômeno, os fóruns e organizações internacionais começaram a incorporar mecanismos de interlocução e participação formais em suas estruturas. O G20 fórum multilateral para a cooperação econômica que agrupa as 19 maiores economias nacionais[2], mais União Europeia e União Africana, não ficou alheio a essa tendência. Isso ficou visível desde a sua primeira Cúpula de Chefes de Estado e de Governo em Washington (EUA, 2008), com a mobilização sendo reforçada nos anos seguintes, em Londres (Loureiro, 2023) e Toronto, com a participação de redes locais e transnacionais articuladas por meio das redes sociais (Poell, 2014).

Desde então, o G20 vem buscando ampliar os mecanismos de participação social, por meio da formalização de grupos de engajamento organizados por temáticas e com composição e origem geográfica variadas, incluindo entidades empresariais, sindicais, acadêmicas, científicas e do terceiro setor, geralmente organizadas em redes transnacionais (Loureiro, 2023). Foi no marco da Cúpula de Toronto, em 2010, que se oficializaram os primeiros grupos de engajamento: o de negócios (B20), e o que me ocupa neste artigo, o de juventudes (Y20). Este precedente abriu caminho para a incorporação de cada vez mais áreas, como ciência (S20), trabalho (L20), think tanks (T20) e gênero (W20), totalizando treze grupos.

Além da expansão numérica, destaca-se a crescente importância e visibilidade dada a estes novos grupos, exemplificada na organização da Primeira Cúpula Social do G20, anunciada pelo Governo Brasileiro por ocasião da 18ª Cúpula de Chefes de Governo e Estado do G20, em Nova Délhi (Índia) em 2023, quando o Brasil assumiu a presidência do Grupo (G20 Brasil). Aproveitando o eixo de encontros no Rio de Janeiro, o Y20 também realizará sua Cúpula na capital carioca, em agosto de 2024.

Apesar de bastante dependente de financiamento externo para manter-se ativo (Loureiro, 2023), o grupo de engajamento das juventudes não deixou de se reunir desde a sua formalização e demonstra capacidade de consolidar  uma agenda própria, manifesta nos temas priorizados em suas declarações finais (Insaurralde; Zaccato, 2018). Entre estes, destacam-se quatro: 1) emprego juvenil e o futuro do trabalho, incluindo preocupações com o efeito das tecnologias emergentes nas ocupações do futuro, a precarização e o subemprego, e propostas como o fomento à formação em habilidades tecnológicas e o empreendedorismo; 2) mudança climática e desenvolvimento sustentável, propondo a criação de fundos de investimento verdes, gestão eficiente de resíduos, aumento do uso de energias renováveis e campanhas de conscientização ambiental; 3) a reforma do sistema multilateral e das instituições financeiras internacionais, a fim de torná-las mais democráticas e alinhadas com os objetivos de justiça social e redistribuição da riqueza; e 4) igualdade de gênero, destacando as desigualdades salariais persistentes e as áreas de formação e trabalho em que as mulheres ainda são sub-representadas (Insaurralde; Zaccato, 2018).

Dois desses temas aparecem como eixos de trabalho de toda a Presidência brasileira do G20: a promoção do desenvolvimento sustentável, considerando os pilares social, econômico e ambiental; e a reforma do sistema de governança global. A estes, soma-se como tema prioritário o combate à fome, à pobreza e à desigualdade. No âmbito do Y20, incluem-se ainda outras duas áreas de intervenção: inovação no futuro do trabalho, que já é um pilar do grupo; e inclusão e diversidade, com ênfase no caráter interseccional das múltiplas formas de desigualdade e discriminação persistentes.

Encontro do Y20 em Nova York

Fonte: arquivo pessoal

O evento do Y20 em Nova York (abril de 2024) foi notável por ser a única reunião presencial do grupo de engajamento das juventudes realizada fora do Brasil. Ingrid Siss, co-presidente do grupo, destacou que este encontro foi planejado desde o início pela Presidência brasileira para coincidir com o Fórum Jovem do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), que reúne anualmente, em abril, jovens de todo o mundo. A escolha mostrou-se acertada, atraindo um auditório diversificado, com representantes de vários países do G20, especialmente jovens do Sul Global.

O evento, organizado pela Presidência do Y20 Brasil, sob a liderança do Conselho Nacional de Juventude, e pela Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Secretaria-Geral da Presidência, ocorreu no Consulado brasileiro e contou com o suporte do Escritório da Juventude das Nações Unidas e do Organismo Internacional de Juventude para Iberoamérica (OIJ). As discussões, divididas em dois painéis, avaliaram as atividades do Y20 e as expectativas da Presidência brasileira, além de refletir sobre o papel das juventudes do G20 nas principais negociações multilaterais de 2024.

A primeira mesa foi composta pelos copresidentes do Y20, Marcus Barão e Ingrid Siss, além do Secretário Nacional da Juventude, Ronald Sorriso e pelo Secretário-Geral Adjunto para Assuntos da Juventude da ONU, Felipe Paullier. Ronald Sorriso abriu a sessão agradecendo o engajamento e a presença de todos/as, e enfatizou a responsabilidade de representar os jovens que não têm acesso a espaços como este. Felipe Paullier destacou a importância da próxima Cúpula do Futuro da ONU, em setembro de 2024, e o papel do Y20 e de outros mecanismos de articulação juvenil em assegurar que as gerações atuais e futuras sejam contempladas nos acordos firmados.

Como moderadora da mesa, Ingrid Siss iniciou as intervenções por parte do Y20, enfatizando a conexão entre o local, o nacional e o global. Utilizando como exemplo sua experiência pessoal, jovem oriunda da Cidade de Deus (Rio de Janeiro), delegada do Y20 em 2022 e co-chair do Y20 Brasil, destacou a importância de desenvolver pensamento estratégico, reconhecendo que a urgência das pautas locais tende a permanecer não reconhecida se não formos capazes de demonstrar sua conexão com os temas prioritários da agenda global. Além disso, sublinhou o compromisso da delegação brasileira em representar a ampla diversidade da juventude do país: comunidades negras, quilombolas, indígenas, rurais, mulheres e pessoas trans de diversas regiões e origens sociais, mesmo reconhecendo que apenas cinco pessoas seriam insuficientes para abranger essa ampla gama de vivências.

Marcus Barão, co-chair do Y20 Brasil, enfatizou o potencial do atual bônus demográfico do Brasil e do mundo como uma janela de oportunidade para o desenvolvimento e a justiça social. No entanto, ele também apontou para o desafio que as gerações atuais enfrentam de capitalizar essa mudança demográfica sem que a sociedade envelheça antes de prosperar economicamente. Ele defendeu a necessidade de que as demandas juvenis sejam refletidas em políticas públicas específicas, enfatizando a urgência de um novo pacto social que envolva todas as partes interessadas. Além disso, destacou que o G20, representando 85% do PIB, 75% do comércio e dois terços da população mundial, tem um impacto significativo em questões globais críticas como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e reformas do sistema financeiro. Concluiu seu discurso convidando todas as delegações e jovens interessados a participar da pré-Cúpula do Y20, a ser realizada de forma híbrida em Belém (Pará), escolhida como sede porque também hospedará a COP-30 em 2025.

Fonte: arquivo pessoal

No segundo painel, Max Trejo, Secretário Geral da OIJ, reiterou a importância do Y20 como uma plataforma robusta para o engajamento juvenil, enfatizando o valor de ter cinco países ibero-americanos representados. Fazolatkhon Nasretdinova, representante do Instituto Mahatma Gandhi de Educação para a Paz e o Desenvolvimento Sustentável da UNESCO, falou sobre um projeto piloto colaborativo com o Y20, voltado para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e ação climática em jovens de comunidades indígenas e economicamente vulneráveis. Esta parceria ilustra a cooperação sul-sul no G20, enfatizando a relevância da atual Troica do Sul Global, que inclui as presidências passada (Índia), presente (Brasil) e futura (África do Sul) do G20.

A última intervenção foi feita por Alexandre Pupo, Assessor Especial da Presidência do Brasil, que criticou a rigidez original do G20 e destacou os esforços do presidente Lula para tornar o grupo mais flexível e inclusivo. Pupo defendeu a necessidade de uma postura mais assertiva no Y20 e discutiu a urgência de reformas econômicas significativas em resposta às crises econômicas recentes e à pandemia de COVID-19, apoiando a posição do Ministro da Economia Fernando Haddad sobre a taxação dos super-ricos. Além de agradecer às organizações internacionais convidadas, o Secretário Ronald Sorriso tomou a palavra para reconhecer a presença de representantes de Ministérios e Secretarias de Juventude de Honduras, Paraguai Peru, Uruguai, Espanha e Portugal, de governos municipais do estado do RJ e da Central Única das Favelas, que enviou uma ampla delegação.

O evento encerrou sem espaço para intervenções do público devido a restrições de tempo, o que diminuiu as vantagens do evento em proporcionar uma interação presencial entre os delegados internacionais do Y20. Não obstante, as conversas seguiram do lado de fora, lembrando que as juventudes, além de participar dos debates multilaterais, lideram a mudança social na rua, no espaço público, conectando a Cidade de Deus a Nova York e Nova Delhi a Belém do Pará.

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A participação no Y20 é aberta a jovens de 18 a 30 anos, oriundxs de 29 países e entidades regionais[3]. Cada delegação será composta por cinco representantes, e cada um deles será responsável por acompanhar os debates em uma das cinco linhas temáticas do Y20: 1. Combate à fome, à pobreza e à desigualdade; 2. Mudanças climáticas, transição energética e desenvolvimento sustentável; 3. Reforma do sistema de governança global; 4. Inclusão e diversidade; 5. Inovação e futuro do mundo do trabalho. O Edital para seleção da delegação brasileira esteve aberto até o dia 17 de abril e os resultados estarão disponíveis no site da Presidência brasileira.

 

Referências bibliográficas

Bringel, B.; Muñoz, E. Dez anos de Seattle, o movimento antiglobalização e a ação coletiva transnacional. Ciências Sociais Unisinos, v. 46, n. 1, p. 28–36, 10 maio 2010.

Insaurralde, G.; Zaccato, C. La agenda joven en el marco del G20: el Youth 20 (Y20). Pensamiento Propio, n. 48, p. 161–184, 2018.
Loureiro, M. G20: Participation of Non-State Actors and Prospects for the Brazilian Presidency. Revista CEBRI, Centro Brasileiro de Relações Internacionais, n. 8, p. 8–35, 2023.

Poell, T. Social media and the transformation of activist communication: exploring the social media ecology of the 2010 Toronto G20 protests. Information, Communication & Society, v. 17, n. 6, p. 716–731, 3 jul. 2014.

Teivainen, T. The World Social Forum and global democratisation: Learning from Porto Alegre. Third World Quarterly, v. 23, n. 4, p. 621–632, ago. 2002.

Notas

[1] Doutoranda em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas (UnB) em cotutela com o Doutorado em Ciências Sociais da Universidade de Salamanca (USAL/Espanha). Pesquisadora do Grupo de Reflexão G20 no Brasil do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. giulia.barao@usal.es

[2] África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia

[3] Os Estados e organizações regionais membros do G20 e países convidados pelo Brasil: Angola, Egito, Nigéria, Espanha, Portugal, Noruega, Emirados Árabes Unidos e Singapura.

Referências imagéticas: Acervo pessoal da autora.

Escrito por

Giulia Ribeiro Barão

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Brasil, 2013), Mestre em Cultura de Paz pela Universidade de Cádiz (Espanha, 2019) com bolsa da Associação Ibero-Americana de Pós-Graduação (AUIP) e Mestre em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Salamanca (Espanha 2018) com bolsa da Fundação Carolina/Banco Santander. Possui especialização em Relações Culturais Internacionais (CAEU/OEI, 2015) e Epistemologias do Sul (CLACSO, 2017). É doutoranda em Ciências Sociais - Estudos Comparados sobre as Américas pela Universidade de Brasília, Brasil, em Cotutela com o Doutorado em Ciências Sociais da Universidade de Salamanca, Espanha. Membro do Núcleo de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Brasília e do Observatório do Regionalismo - ODR desde 2021. Possui experiência acadêmica e profissional na Espanha, Colômbia, República Dominicana e Brasil, principalmente em cooperação internacional, internacionalização de políticas públicas e organizações regionais na América Latina e Caribe, com ênfase nas áreas de comunicação, cultura e patrimônio cultural.