Jacqueline Gobbis Arantes

Ana Carolina Tinós

 Heloisa Cristina Malta

Em 2000, os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) se comprometeram em alcançar, até 2015, o que se convencionou chamar de ‘os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio’ (ODM). No entanto, esgotado este período, Wu Hongbo, Secretário-Geral Adjunto de Assuntos Econômicos e Sociais, afirmou que o momento era de uma encruzilhada histórica, pois após 15 anos de avanços com os ODMs não haveria outro caminho para um futuro sustentável e uma vida digna para todas as pessoas, em todas as partes do mundo, senão por essa via do desenvolvimento sustentável (ONU, 2015, p.11). 

Essa afirmação pode ser compreendida pela análise da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20, 2012), em que o cerne da discussão foi a incapacidade dos países de realizarem os compromissos que assumiram na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92, 1992). Mesmo que a ECO-92 tenha trazido como novidade um arranjo estabelecido entre desenvolvimento sustentável e aspectos sociais e econômicos (Menezes, 2019), era preciso garantir um consenso sobre a necessidade de ampliar essa agenda de políticas públicas, que ao final traduziram-se em um novo compromisso: os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com a meta de atingir esses objetivos até o ano de 2030 (Agenda 2030).

A  Agenda 2030 visa promover em todos os lugares a erradicação de todas as formas de pobreza, garantindo o acesso aos direitos e serviços básicos a todos (ODS n° 1); viabilizar o acesso à educação, bem como oportunidades de aprendizagem para todos, garantir a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, tanto no ensino primário quanto no ensino superior (ODS n° 4); atingir a igualdade de gênero e proporcionar o empoderamento feminino, buscando extinguir as formas de opressão às meninas e mulheres, como mutilações genitais e casamentos forçados, garantindo equidade de direitos (ODS n°5); propiciar o crescimento econômico sustentável e o emprego produtivo e decente para todos, com a proteção dos direitos trabalhistas (ODS n° 8); alavancar a redução da violência, da justiça e do Estado de Direito, com instituições eficazes, tendo a democracia como fator fundamental para a construção de sociedades pacíficas para garantir que o desenvolvimento seja efetivo (ODS nº 16). 

Um outro ponto de destaque dos ODS é a forma como foi elaborada sua implementação: há uma preocupação se, de fato, os compromissos serão cumpridos, uma vez que os objetivos tratam de parcerias entre os países desenvolvidos e os emergentes para serem realizados (Menezes, 2019). Essa nova agenda pressupõe que para garantir o desenvolvimento sustentável é preciso atender as necessidades sociais, políticas e econômicas sem violar os direitos humanos e, para isso, o poder público deve ser o principal ator para implementar e garantir o comprometimento de todos os outros atores sociais na busca pelos ODS (Silva, Adolfo, Carvalho, 2015; Roma, 2019). 

Conforme Pinto, Correa e Ashley (2018), uma das falhas encontradas é que não há conscientização e nem um programa educacional que tenha implementado ideologicamente o desenvolvimento sustentável. Além da necessidade deste conhecimento para alcançar um desenvolvimento equilibrado e saudável, há também alguns pontos que devem ser elencados como determinantes para que os objetivos sejam conquistados: fontes de energia; mobilidade urbana; e políticas de acessibilidade, tendo todas elas elementos necessários de sustento às políticas transversais de direitos humanos como gênero, raça, etnia, entre outras para a promoção da equidade social. 

Tendo este histórico e preocupações em vista, além dos ODS já apresentados, elencamos mais cinco que estão vinculados mais diretamente à agenda de processos regionais:os nº 8, nº 10, nº 11, nº 13 e nº 16, para expor as potencialidades e desafios de um desenvolvimento sustentável, essencial para a manutenção da paz e da estabilidade internacional, e para a condução ao progresso.

O ODS nº 8 “Trabalho decente e crescimento econômico” volta-se para a promoção do crescimento econômico sustentável e do emprego decente, incluindo o potencial de propiciar debates e negociações entre as partes, unindo a temática ambiental, social e econômica. Abordando a temática do emprego decente, que esteve negligenciada na versão passada das ODM, traça algumas metas para serem concluídas até 2020, como a redução do número de jovens sem emprego e educação, e a execução do Pacto Mundial para o Emprego da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Para 2030 espera-se melhorar a eficiência dos recursos de consumo e produção, dissociando crescimento econômico de degradação ambiental; alcançar o emprego decente para todos e remuneração igual na mesma função; promoção do turismo sustentável, gerando empregos e promovendo a cultura e produtos locais (ONU, 2015).

Denominado “Redução das desigualdades”, o ODS nº 10 expõe o problema da desigualdade caracterizando-a como fator importante na agenda internacional para o desenvolvimento econômico e social dos países, e das relações entre estes no mundo. A manutenção desse objetivo faz-se necessária para construir acordos e tratados que mantenham apoios e obrigações quanto a investimentos e incentivos de desenvolvimento econômico dos países ainda em desenvolvimento, os quais poderiam diminuir uma vez que houvesse uma aceleração e manutenção do crescimento dos países assistidos. 

Já o décimo primeiro objetivo, denominado “Cidades e Comunidades Sustentáveis”, busca tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis. Esse objetivo busca garantir habitação e transporte urbano seguros para todos, reduzir o impacto ambiental causado pelos seres humanos e preparar as cidades para os impactos das mudanças climáticas. Para tal, destaca a necessidade da  participação de todos os grupos sociais nos processos de decisão das áreas urbanas, visto a suposição de que uma cidade inclusiva proporciona participação política de todos os seus membros igualmente, e essa ação promoveria a redução e eliminação das desigualdades. 

O ODS nº 13, que tem como objetivo “Tomar Medidas Urgentes para Combater a Mudança Climática e seus Impactos” é elencado pela ONU como um dos maiores desafios da atualidade. Focado nas  alterações das condições do clima da Terra, decorrentes do acúmulo de gases de efeito estufa (GEE) a partir da Revolução Industrial, sua atenção volta-se para estabelecer medidas para mitigar essas mudanças climáticas e os  parâmetros sobre os limites planetários dentro dos quais a humanidade poderia operar de forma segura  (Moreira, 2019). 

Por último, o ODS nº 16, intitulado “Paz, Justiça e Instituições Fortes”, possui como objetivos promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável; proporcionar o acesso à justiça para todos; e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. As primeiras ações impostas por esse ODS estão alinhadas em reduzir significativamente todas as formas de violência e as taxas de mortalidade em todos os lugares, abordando temáticas caras para os direitos humanos como exploração sexual, abandono infantil, tráfico de pessoas, entre outros. 

Dada as crises em decorrência da pandemia de Covid-19 e dos conflitos no leste europeu que impactaram na execução da Agenda 2030, em meio a este cenário, Ministros da América Latina se reuniram no XIV Fórum Ministerial de Desenvolvimento na América Latina e Caribe, no Equador, que teve como foco a retomada do desenvolvimento sustentável. O evento destacou que é necessário recalcular e repensar o caminho dos ODS, já que o ambiente global não é mais aquele de 2015, a pobreza e a fome aumentaram e a educação regrediu (ONU, 2022).

Em busca da cooperação multilateral, a CEPAL organizou a mesa “Novos Desafios para a Institucionalidade Social e Cooperação Regional”, onde os ministros dos países latinos e caribenhos puderam discutir formas de cooperação entre os países para alcançar o desenvolvimento sustentável e a proteção social. Em um desdobramento do fórum, o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) assinou o acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em busca do fortalecimento do desenvolvimento dos países latinos e com o compromisso de fornecer apoio aos países para atingirem a Agenda 2030.

Na busca de uma resposta para a pergunta: “Os ODS, por si só, podem construir um mundo sustentável?” a narrativa econômica que impacta a centralidade, ou unipolaridade estadunidense da economia mundial desde a crise de 2008, vem sofrendo uma sequência de instabilidades que se traduziu nos últimos anos no próprio questionamento do sistema democrático e do conceito de multilateralismo (Brooks, 2016), refletindo inclusive nos compromissos internacionais como o Acordo de Paris. A escalada de uma nova extrema-direita atinge diversos países, e tem como parte de sua ideologia a negação da relevância das questões ambientais e climáticas, o que impacta diretamente nos ODS.

 De acordo com o Relatório “Situação e Perspectivas Mundiais” (2023) a alta da inflação e as crises energéticas e de alimentos como consequências da pandemia e da Guerra na Ucrânia, causam a menor taxa de crescimento econômico em décadas (ONU Brasil, 2023). Sendo assim, a pandemia de COVID-19, a Guerra na Ucrânia e as sucessivas crises econômicas desaceleraram a implementação da Agenda 2030, além da crise  energética, instaurando um desequilíbrio econômico global. No quadro mundial, todos os países se viram em situações econômicas de risco, em especial os países emergentes, como o Brasil, onde a insegurança alimentar atinge 58,7% da população (Agência 21, 2022). Com a população faminta, desempregada e ainda sofrendo reflexos da pandemia, os governos acabam suprimindo o cumprimento da meta sustentável.

O “Relatório Global de Desenvolvimento Sustentável” (2022) aponta a necessidade da retomada dos 17 ODS, como remédio para esses desafios globais (ONU Brasil, 2022). Contudo, para que os ODS possam surtir efeito, os governos precisam voltar a investir no cumprimento dos objetivos para um desenvolvimento sustentável e no fortalecimento do pacto multilateral, incorporando cada vez mais a Agenda 2030 também nos acordos regionais, portanto pelo menos na América Latina, com a vinda de governos mais preocupados com as mudanças climáticas e com iniciativas proativas no fortalecimento das relações de cooperação regional, esperamos que esse quadro melhore e que até 2030 seja possível expressar progressos quanto ao cuidado com o planeta e seus moradores .

 

Referências Bibliográficas:

Agenda 21. Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 1995.

Brooks, Stephen G.; WOHLFORTH, William C. The Rise and Fall of the Great Powers in the Twenty-first Century: China’s Rise and the Fate of America’s Global Position. International Security 2016; 40 (3): 7–53.

Freistein, K.; Mahlert, B. The potential for tackling inequality in the Sustainable Development Goals, Third World Quarterly, 2016.  DOI: 10.1080/01436597.2016.1166945

Cadernos ODS. Brasília: Ipea, 2019. Disponível em: 

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Menezes, H. Z. de. ODS 8 “Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos”. IN: Menezes, H.Z. (org.). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as Relações Internacionais. João Pessoa: Editora UFPB, 2019. p. 153-174.

Menezes, H. Z. de. ODS 10 “Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles”.  IN: Menezes, H.Z. (org) Os objetivos de desenvolvimento sustentável e as relações internacionais. João Pessoa: Editora UFPB, 2019.

Menezes, H. Z. de. ODS 11 “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”. In: Menezes, H.Z. (org.). Os objetivos de desenvolvimento sustentável e as relações internacionais. João Pessoa: Editora UFPB, 2019. p. 209-234.

Moreira, H. M. ODS 13 “Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos” (ODS 12, 0DS 14, ODS 15). In: MENEZES, H. Z de (org.). Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ciência e Cultura, v. 71, nº1, São Paulo, 2019. p. 235-254.

OIT. O que é Trabalho Decente. 2017. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>. Acesso em: 18 jan. 2023.

ONU. Nações Unidas Brasil. Crises múltiplas provocam menor resultado econômico das últimas décadas. 2023. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/216074-onu-crises-multiplas-provocam-menor-resultado-economico-das-ultimas-decadas>. Acesso em: 13 fev. 2023.

ONU. Nações Unidas Brasil. Mundo “pode e deve” retornar aos trilhos para alcançar os ODS, defende secretário-geral. 2021. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/136025-mundo-pode-e-deve-retornar-aos-trilhos-para-alcancar-os-ods-defende-secretario-geral>. Acesso em: 13 fev. 2023.

ONU. Nações Unidas Brasil. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs>. Acesso em: 13 fev. 2023. 

ONU. Objetivos de Desarrollo del Milenio: Informe de 2015. Naciones Unidas: Nova York, 2015. 

Roma, J. C. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e sua transição para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Ciência e Cultura, V..71, nº 1, São Paulo, 2019. 

Sen, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Tradução Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Servaes, Jan. Sustainable Development Goals in the Asian Context. 2. ed. Bangkok Thailand: Springer, 2017.

UOL NOTÍCIAS. De retrocessos na energia limpa à saída do Acordo de Paris, governo Trump foi modelo “antiambiental”, 2020. Disponível em:<https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/11/05/de-retrocessos-na-energia-limpa-a-saida-do-acordo-de-paris-governo-trump-foi-modelo-antiambiental.htm>. Acesso em: 15/02/2023. 


Nota:

  1. Este artigo foi produzido por membros do Grupo de Estudos Interdisciplinares sobre Cultura e Desenvolvimento (GEICD) da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”.

Escrito por

Jacqueline Gobbis Arantes

Bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP). Desde de 2019 é membro e pesquisadora do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD), associado à UNESP. Também é membro do Grupo Observatório de Regionalismo (ODR) desde de 2021. Desenvolveu dois Projetos de iniciação científica com bolsa CNPq nas áreas de regionalismo, integração regional e migração. Atualmente é bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa 1A no Projeto Regionalismo e a Agenda 2030 (ODS): Desenvolvimento sustentável, equidade e democracia na construção da governança regional.