Corredor Bioceânico Sul-americano. Fonte: ACRITICA (2020).
A Rota de Integração Latino-americana (RILA), também conhecida como Corredor Bioceânico ou Rota Bioceânica, tem como objetivo central o encurtamento do caminho para a exportação de produtos do Centro-Oeste do país, como, por exemplo, soja, milho e minério de ferro, destinados ao continente asiático e à América do Norte. Além disso, busca proporcionar uma maior integração de regiões centrais do Brasil com o noroeste da Argentina, o Chaco paraguaio e o norte do Chile.
A rota terá início no estado de Mato Grosso do Sul, saindo do município de Campo Grande/MS e chegando ao município de Porto Murtinho/MS, cidade gêmea de fronteira com Carmelo Peralta, no Paraguai, seguindo pelo norte da Argentina até os portos de Antofagasta e Iquique, no Chile. Com as mercadorias partindo de portos no Oceano Pacífico, estima-se o encurtamento das distâncias em cerca de 7.000 km, significando uma redução significativa na distância em relação aos portos voltados para o Oceano Atlântico e, consequentemente, do valor do transporte e de sua incidência nas mercadorias.
FIGURA 1 – Trajeto do Corredor Bioceânico
Fonte: VASCONCELOS (2021).
Segundo Barros et al. (2020), o projeto da rota, oficializado em 2015, foi pensado como uma alternativa para fomentar o desenvolvimento de regiões pontuais que não foram incluídas nos processos de integração nacional e regional, correspondendo ao Centro-Oeste brasileiro, o norte chileno, o Chaco paraguaio e o noroeste argentino. Por conseguinte, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) envolvendo os presidentes dos respectivos países contemplados pelo corredor. “A explicação dessa excepcionalidade passa por mudanças geoeconômicas globais, pelo dinamismo econômico de Mato Grosso do Sul e das regiões vizinhas e pelo compromisso de seus governos subnacionais” (BARROS et al., 2020, p. 10).
O GT da rota, segundo Barros et al. (2020, p. 16), “é o único projeto de infraestrutura que agrupa mais de dois países e que se reúne periodicamente apesar do movimento de fragmentação da região atualmente, mantendo uma agenda de trabalho e obras em execução”. É importante frisar que na esfera da cooperação internacional, a existência da Rede Universitária da Rota de Integração Latino-Americana (UniRila), criada no ano de 2016 e coordenada pelas universidades do estado de Mato Grosso do Sul e universidades da Argentina, Chile e Paraguai, é composta por pesquisadores de diversas áreas que promovem debates e discussões acerca dos impactos e diagnósticos envolvendo a implementação do corredor.
Ademais, em meados de 2020, o Governo Federal passou a atuar diretamente na consolidação da rota em conjunto com setores do agronegócio, da iniciativa privada, de governos subnacionais como o estado de Mato Grosso do Sul. Um exemplo dessa atuação corresponde às articulações de construção da ponte sobre o Rio Paraguai, entre os municípios de Porto Murtinho/MS e Carmelo Peralta/Paraguai, por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). As obras da Ponte Internacional, financiada pela Itaipu Binacional, foram iniciadas no ano passado e estão previstas para conclusão em dezembro de 2024. Com uma estrutura de aproximadamente 1.293 metros de extensão, a ponte é fundamental para conclusão do corredor e sua construção segue em andamento, com avanços significativos.
FIGURA 2 – Ilustração da Ponte Internacional em Porto Murtinho/MS sobre o Rio Paraguai
Fonte: SIQUEIRA (2021).
Além disso, os estudos de elaboração da rota projetam que outros setores industriais do Brasil podem ser beneficiados, prevendo a inserção de investimentos diretos e indiretos na região por meio das obras em infraestrutura; melhorias do setor logístico de escoamento de produção em âmbito local e regional; fortalecimento dos processos de cooperação e integração; geração de empregos e renda; intensificação das relações de fluxos comerciais bem como investimentos em novas capacidades produtivas no intuito de desenvolver economicamente setores estratégicos da região centro-oeste, como, por exemplo, o setor agroexportador, industrial, de logística e transportes. Segundo Barros et al. (2020) o corredor possibilitará a articulação de grandes cadeias produtivas, incorporando importantes regiões sul-americanas na rota comercial bioceânica e no caminho da integração e do desenvolvimento.
Outro ponto que merece destaque consiste na possibilidade de aumento do turismo regional entre países sul-americanos uma vez que, além de facilitar o escoamento de produtos primários e diminuir os custos em logística e transporte, o corredor possibilita o acesso a diferentes pontos turísticos existentes no decorrer da rota, entre eles: o Pantanal Sul-mato-grossense, a região do Chaco paraguaio, a Cordilheiras dos Andes em Jujuy, na Argentina e o deserto do Atacama, no Chile.
Em contrapartida, se faz necessário questionar o tipo de desenvolvimento baseado no fomento às obras de infraestrutura demandadas pelo corredor e em que medida esses impactos vão beneficiar ou afetar os diversos atores envolvidos, como as comunidades locais e regionais. De início, o que se tem observado é que a rota segue na mesma linha de outros projetos no âmbito da Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (IIRSA), com diversos riscos e impactos socioambientais. Um exemplo disso está na construção da ponte internacional em Porto Murtinho/MS, mencionada anteriormente.
Segundo Campos (2020), o empreendimento vai acabar afetando o rio Paraguai e seus afluentes; atingir as comunidades tradicionais que sobrevivem da pesca e lavouras de subsistência; provocar o aumento do desmatamento para expansão da agricultura e intensificar os riscos e danos ambientais a fauna e animais silvestres da região. Há ainda, a possibilidade de problemas sociais como a violência urbana, exploração sexual, saneamento básico e falta de acesso aos bens de serviços devem se intensificar no município de Porto Murtinho devido à ausência de políticas públicas que acompanhem o processo, o que demanda estudos aprofundados sobre os possíveis impactos no âmbito do corredor.
Por conseguinte, existem algumas iniciativas importantes que tentam dialogar com a iniciativa, no sentido de buscar soluções para esses problemas diversos, como é o caso do Fórum dos Territórios Subnacionais do Corredor Bioceânico de Capricórnio. Em sua segunda edição, que ocorreu entre os dias 23 a 25 de novembro de 2022, o encontro foi liderado pelo Governo Regional de Antofagasta, através de sua Unidade Regional de Assuntos Internacionais (URAI), em coordenação com o Comitê Corfo Antofagasta, ProChile e Invest Chile, e contou com a presença de diplomatas, autoridades empresariais dos países envolvidos na rota, além de pesquisadores e membros da sociedade (ANTOFAGASTANOTICIAS, 2022). Um dos principais pontos debatidos foi a necessidade de integrar as questões alfandegárias entre países membros, elaborar políticas nacionais no sentido de facilitar o processo de integração entre territórios nacionais e subnacionais, além de incluir a sociedade no debate da rota, incentivando a participação cidadã nos mais diversos temas que perpassam questões sociais, econômicas, ambientais, trabalho, segurança, sustentabilidade territorial, fortalecimento dos mercados produtivos, entre outras (ANTOFAGASTANOTICIAS, 2022).
É importante esclarecer que, embora a literatura geral considere o Corredor Bioceânico como sendo um projeto da IIRSA, dentro da carteira de projetos da IIRSA/COSIPLAN, existem poucas iniciativas institucionalizadas no que concerne o trajeto do Corredor, com destaque para o projeto de construção da ponte internacional entre Porto Murtinho/MS e Carmelo Peralta/Paraguai, sob código IOC77 e em fase perfil (UNASUR/COSIPLAN, 2016), e o projeto de pavimentação dos municípios paraguaios de Carmelo Peralta até Loma Plata, sob código IOC e em fase de pré-execução (UNASUR/COSIPLAN, 2016).
Não obstante, e retomando a importância da IIRSA idealizada como impulsionadora dos processos de integração física sul-americanos, ainda que muitos projetos tenham crescido exponencialmente desde seu surgimento acompanhados por discursos políticos otimistas em relação aos investimentos diretos ocasionados pelas obras de infraestrutura, a chamada “integração da infraestrutura regional” tem objetivos puramente econômicos e de mercado, com viés extrativista. O início do século XXI até meados de 2013 marcou um período de forte alta das commodities[1] no mercado internacional, impulsionado pela demanda chinesa, o que fez com que os países sul-americanos intensificaram a exploração de recursos primários, ampliando e diversificando os projetos (SVAMPA, 2019).
Nessa perspectiva, entende-se que a integração regional e o regionalismo adquirem relevância central no debate enquanto importante campo teórico de estudo dos processos de integração e aproximação entre os Estados nacionais, pois possibilita um olhar mais crítico em relação aos discursos de caráter integracionista por meio de projetos e obras em infraestrutura vislumbrando a conexão física regional, sem se aprofundar nos impactos advindos dessas iniciativas. Desde o surgimento da IIRSA e após sua anexação do COSIPLAN, muitos governos passaram a incorporar seus projetos, ao passo em que o tema da infraestrutura acabou adquirindo maior relevância que a própria iniciativa, transformando-se também em espaço aos governos de convergência em relação ao tema.
Por fim, observa-se que a articulação de múltiplos atores (estatais e não estatais) inseridos em torno da RILA a as razões que levam a proposição da cooperação/integração por meio da integração física regional, ao mesmo tempo em que tentam construir uma retórica favorável por meio da integração regional sul-americana entre povos, culturas e economias, atuam de forma interessada para consolidação e efetivação da iniciativa sem aprofundar nos impactos locais e regionais do empreendimentos, atrelado às questões ambientais, deslocamento de pessoas, aumento do fluxo de mercadorias e ilicitudes, crimes transfronteiriços, elevação do neoextrativismo na região, dentre muitos outros, evidenciando, portanto, que muitos atores se apropriam da integração regional enquanto retóricas e diretrizes para viabilizarem seus interesses domésticos individuais.
Referências Bibliográficas
ACRITICA. Impactos do Corredor Bioceânico serão discutidos em live no dia 20. 2020. Disponível em: Impactos do Corredor Bioceânico serão discutidos em live no dia 20 – A Crítica de Campo Grande (acritica.net). Acesso em: 14 fev. 2023.
ANTOFAGASTANOTICIAS. Los cuatro compromisos de los países por el Corredor Bioceánico de Capricornio. 2022. Disponível em: Los cuatro compromisos de los países por el Corredor Bioceánico de Capricornio – Antofagasta Noticias. Acesso em: 12 fev. 2023.
BARROS, Pedro Silva et al (org.). Corredor Bioceânico de Mato Grosso do Sul ao pacífico: produção e comércio na rota da integração sul-americana. Brasília: Uems, 2020. Disponível em: Repositório do Conhecimento do Ipea: Corredor bioceânico de Mato Grosso do Sul ao pacífico : produção e comércio na rota da integração sul-americana. Acesso em: 13 fev. 2023.
CAMPOS, Luana; FARIA, Alcides. Rota Bioceânica: o que é e seus impactos diretos e indiretos. O que é e seus impactos diretos e indiretos. 2020. Disponível em: Rota Bioceânica – O que é e seus impactos diretos e indiretos – Ecoa. Acesso em: 13 fev. 2023.
SIQUEIRA, Rosana. Licitação da ponte de Murtinho ocorre na sexta-feira. 2021. Disponível em: Licitação da ponte de Murtinho ocorre na sexta-feira | CBN Campo Grande | RCN 67. Acesso em: 19 fev. 2023.
SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019. Tradução de Lígia Azevedo.
UNASUR/COSIPLAN (org.). Projeto – detalhe individual-ponte. 2016. Disponível em: Ficha del Proyecto (iirsa.org). Acesso em: 12 fev. 2023.
VASCONCELOS, Igor. Outra vez, o Brasil busca uma saída para o Pacífico. 2021. Disponível em: Outra vez, o Brasil busca uma saída para o Pacífico – Outras Palavras. Acesso em: 14 fev. 2023.
[1] As commodities (trigo, milho, açúcar, soja, óleo minerais, minério de ferro, etc.) são produtos elaborados em larga escala em que a matéria-prima possui qualidades e características uniformes, não se diferenciando de local para local ou produtor para produtor. Seus preços são determinados de acordo com a oferta e demanda e vinculados ao mercado internacional.