Nos últimos meses o debate sobre os rumos e o futuro da integração do Mercado Comum do Sul (Mercosul) tem ganhado maior notoriedade na mídia, fato explicado muito mais pelas grandes mudanças ocorridas na política interna de seus países membros. Na Argentina, Maurício Macri assumiu a presidência em dezembro de 2015 e colocou fim aos governos Kirchner. No Brasil, Michel Temer, mesmo com uma das maiores impopularidades de chefes de Estado no continente americano, conseguiu chegar ao cargo mais elevado do poder executivo no país em meio a um processo de impeachment ora visto como legítimo e ora carente de justificativas. Por fim, na Venezuela, Nicolás Maduro enfrenta grande oposição e crise econômica explicada em grande medida pela dependência do país em relação ao mercado do petróleo.

A par das nuances domésticas supracitadas, na última semana destacou-se a visita realizada por Temer a Buenos Aires para conversar com Macri a respeito de suas relações bilaterais, cooperações e o tão falado futuro do Mercosul, conforme observado no Comunicado Conjunto publicado no último dia 03 de outubro no portal do Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Sobre este último ponto, qual seja a integração do bloco, destacam-se algumas questões importantes para o presente texto.

Ambos os presidentes relembraram o contexto de importância do surgimento do Mercosul no início da década de 1990, período em que Fernando Collor de Mello e Carlos Menem eram os então líderes brasileiro e argentino, respectivamente. Não por coincidência, tais governos instigaram à época uma política mais próxima do neoliberalismo e da abertura de mercados, fatos notadamente inseridos no debate sobre o “Regionalismo Aberto” da América do Sul no final do século XX, marcado por articulação entre os países para conseguir uma economia de escala e defesa dos regimes democráticos ocidentais (SARAIVA, 2012), pois vale lembrar que Brasil e Argentina passaram por momentos de redemocratização após períodos ditatoriais finalizados na década de 1980.

Em segundo lugar, mas não menos importante, Temer e Macri enfatizaram sobremaneira a agenda econômica e comercial do bloco, chegando a afirmar que a zona de livre comércio deve ser estimulada. A questão da união aduaneira, atual patamar integracionista do Mercosul, mesmo que de maneira imperfeita, também foi mérito de averiguação. Todavia, não há como refutar o foco dado à integração essencialmente comercial e à flexibilização do bloco regional. Argumenta-se, inclusive sob os auspícios de José Serra, atual ministro das Relações Exteriores do Brasil que vem causando mais problemas do que soluções – vide imbróglio envolvendo o chanceler do Uruguai–, que a Tarifa Externa Comum (TEC) no bloco acaba por bloquear anseios dos países membros, por isso se defende o argumento de um “Mercosul mais livre”. O problema é que essa tal liberdade comercial não parece ser uma variável que fortalecerá o bloco, propriamente dito, pois abrirá margem para parcerias bilaterais com terceiros sem a anuência de seus membros.

Outro ponto de destaque mencionado no Comunicado Conjunto é a aproximação entre Mercosul e Aliança do Pacífico, bloco criado em 2012 e composto por Chile, México, Colômbia e Peru. Representa uma “integração rasa”, sem grande comprometimento com sua institucionalização, bem como sua normatividade, e baseia-se na liberalização comercial, facilitação aduaneira e combate ao crime transnacional (CORAL; REGGIARDO, 2016). Se no discurso de Temer e Macri busca-se estreitar laços entre os blocos e a Aliança tem como características os pontos mencionados, torna-se mais do que evidente o que os presidentes almejam para o Mercosul: diminuir seu arcabouço institucional.

Foram reafirmados compromissos de dar prosseguimento com a parceria Mercosul-União Europeia, algo que vem caminhando a passos lentos há anos. Por fim, é salutar verificar a menção dada ao Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM), aqui sim algo que realmente deve ser estimulado no seio da integração para diminuir as disparidades entre os países membros.

Não restam dúvidas de que o diálogo entre Temer e Macri continuará no curto prazo em virtude da aproximação política e ideológica entre os dois. Reflexos serão sentidos no Mercosul principalmente em dois aspectos. O primeiro deles, que mesmo não sendo objeto de análise ao presente texto é mais do que necessário mencionar, é o embate com a Venezuela e sua presença no bloco. Imprescindível verificar o que se passa no país, mas sem adotar um tom combativo, porque não interessa ao Brasil e muito menos à Argentina gerar desavenças com vizinhos. Em segundo é a afinidade pelo estímulo a uma integração essencialmente comercial. Ressalta-se que a mesma é de extrema importância ao Mercosul, mas não se pode perder iniciativas em outras áreas como a cultural, social, educacional e afins.

Estamos presenciando um retorno ao “Regionalismo Aberto” da década de 1990? Ainda é cedo para responder afirmativamente tal pergunta. O “pretérito-perfeito”, tempo verbal que expressa um fato que ocorreu no passado e pode se prolongar até a atualidade, do Mercosul está em construção. Por vezes, aos governos não interessa o aprofundamento da integração e quem realmente perde são outros atores tão necessários ao bloco. Organizações não governamentais, atores subnacionais, universidades, associações civis e outros são imprescindíveis num momento como o presente para não haver regressos em outras agendas do Mercosul construídas na última década.

 

PARA MAIS INFORMAÇÃO (REFERÊNCIAS)

CORAL, Michel Leví; REGGIARDO, Giulliana. La Alianza del Pacífico en el regionalismo sudamericano actual. Revista Mexicana de Política Exterior, n. 106, ene-abri 2016, pp. 187-204.

SARAIVA, Miriam Gomes. Encontros e Desencontros. O lugar da Argentina na política externa brasileira. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2012.

BBC – http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37558895

ITAMARATY – http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/14819-comunicado-conjunto-brasil-argentinatemermacri

G1 – http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/08/itamaraty-protesta-contra-critica-de-chanceler-uruguaio-jose-serra.html

Escrito por

Cairo Junqueira

Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (DRI/UFS). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Mestre em Relações Internacionais, com ênfase em Política Internacional e Comparada, pela Universidade de Brasília - Instituto de Relações Internacionais (UnB/IREL). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (UNESP/FCHS). Foi Pesquisador Visitante junto à Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA) - PPCP/Mercosul/CAPES. Atualmente é membro do Observatório de Regionalismo (ODR) vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPPs), além de ser colaborador do Projeto de Extensão "Internacionalização Descentralizada em Foco" (IDeF). Por fim, é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional e Sul-Americana (GP-SUL) com as seguintes linhas de interesse: Instituições Internacionais, Integração Regional e Paradiplomacia.