Imagem por O Globo.
Texto por Marcus Maurer de Salles
Advogado, Doutor em Relações Internacionais, Professor da Universidade Federal de São Paulo, Ex-Consultor Jurídico do Mercosul
Este artigo foi publicado previamente em Março/2021 no jornal A Tribuna em decorrência do aniversário de 30 anos do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Devido o início da presidência pró-tempore do Brasil no Mercosul (julho/2021), o Observatório traz este texto para refletir sobre alguns pontos importantes para o momento atual do bloco.
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O Mercosul completou 30 anos neste março de 2021. No entanto, apesar de ser um dos pilares mais importantes da política externa brasileira, o nível de conhecimento público a respeito do bloco está muito aquém da relevância que o mesmo representa para o Brasil, em termos de estratégia de desenvolvimento econômico, de integração regional e de inserção internacional.
Ao longo dos 30 anos, o Mercosul consolidou uma agenda de integração com uma clara natureza multidimensional, que vem avançando na consecução dos diversos objetivos atuais do bloco, que já superaram os limitados objetivos econômico-comerciais do Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991.
Em termos de agenda econômica e comercial, há um amplo e profundo processo de renovação do marco regulatório de direito econômico, notoriamente desfasado, e que com esse processo de renovação, passou a habilitar juridicamente o Mercosul em suas frentes de inserção regional e internacional, com as múltiplas frentes de negociação que estão em andamento.
Nesse sentido, a agenda de relacionamento externo seja talvez a frente mais debatida do Mercosul. O bloco chega aos 30 anos com uma agenda de relacionamento externo extremamente diversificada, com acordos e negociações comerciais com mais de 90 países de todos os continentes. No entanto, a complexa engenharia institucional do Mercosul para conduzir as negociações externas faz com que essa agenda avance com a devida cautela que exige um processo de negociação de acordo comercial, em razão do enorme impacto (econômico, social e ambiental) que o mesmo provoca no desenvolvimento dos Estados-Partes. O debate a respeito do Acordo do Mercosul com a União Europeia é um caso paradigmático nesse sentido.
A agenda social e cidadã do Mercosul também vive um momento de consolidação, com a recente publicação do Estatuto da Cidadania. Ao longo dos últimos 30 anos, houve uma grande profusão de normas que visaram assegurar direitos fundamentais aos nacionais dos Estados-Partes, mas que nunca havia sido recompilado de maneira sistematizada com a finalidade de criar um rol de direitos fundamentais consolidados, como pretende ser o Estatuto.
Por fim, a agenda de reforma institucional do Mercosul que busca enfrentar problemas históricos da organização internacional: por um lado, a grande proliferação de órgãos e foros, que gera descoordenação e falta de transparência nos processos decisórios do bloco; por outro, o grande atraso tecnológico que vive a região, pela falta de uma ampla agenda de transformação digital. Ambos os desafios vem sendo enfrentados de maneira sistemática nos anos recentes e começam a apresentar resultados pontuais e discretos, mas inovadores para os parâmetros do Mercosul.
Essa capacidade de renovação e ampliação dos seus objetivos, de construir agendas multidimensionais de integração regional, e de avançar gradual e constantemente ao longo dos últimos 30 anos nas mais variadas frentes de trabalho, são atualmente as grandes fortalezas do Mercosul e, ao mesmo tempo, as fontes dos seus maiores críticas e desafios.