Porto de Assunção, Paraguai (Foto: André Leite Araujo, 2016)

Porto de Assunção, Paraguai (Foto: André Leite Araujo, 2016)
No marco das recentes conclusões de acordos comerciais entre o Mercosul e os blocos da União Europeia (UE) e da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), a presente discussão busca estimular o debate e avaliar os ganhos comerciais que os tratados de livre comércio produzem. Tendo como referência quatro parcerias existentes com o Mercosul, os casos referem-se a sócios comerciais fora da América Latina. Nomeadamente, Índia, Israel, Egito e União Aduaneira da África Austral (SACU). Entre estes, o único que também é um arranjo comercial multilateral é a SACU, pois os demais são Estados individuais que negociaram com o bloco do Mercosul.
Usualmente, há um consenso a respeito da importância dos acordos de livre comércio, sendo suas assinaturas celebradas por determinados setores econômicos e políticos como conquistas na política internacional. Isso posto, brevemente, a hipótese testada aqui é a de que os acontecimentos-chave das negociações de tratados internacionais (assinatura e entrada em vigor) são eventos que ocasionam o aumento do intercâmbio comercial entre as partes firmantes. Entretanto, a partir da análise dos casos abordados aqui, entende-se que a mera formalização das parcerias econômicas não resulta imediatamente no incremento do comércio entre as partes. No contexto de novos tratados inter-bloco estarem sendo realizados, a análise não se pretende exaustiva, mas intenciona contribuir para estudar os resultados de tais dinâmicas internacionais e provocar a reflexão sobre quais outras variáveis, políticas, sociais e culturais, afetam esses processos.
Em termos de marcos temporais, selecionamos o período de 2007 a 2019, destacando as assinaturas e entradas em vigor como fatos que podem ou não ter desencadeado o incremento no intercâmbio comercial. A escolha para esse recorte se dá pela base de dados disponível no Sistema de Estatísticas de Comércio Exterior do Mercosul (SECEM), empregado para mensurar as exportações e importações de bens. Por esse motivo, há uma limitação para analisar as relações com a Índia, pois teve a parceria com o Mercosul firmada antes de 2007. Ademais, para os propósitos deste estudo, entende-se Mercosul como Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, na medida em que a Venezuela não foi membro pleno do bloco durante todo o recorte temporal.
Assinado em 2004 em Nova Déli, o Acordo de Comércio Preferencial com a Índia entrou em vigor em 2009. No que se refere às exportações, há um aumento a partir de 2009 que apresenta oscilações posteriormente, mas que não retrocedem a antes da validação do tratado. Já as importações também variam, mas antes do acordo estar em vigor. Além disso, um saldo positivo para o Mercosul se consolida apenas a partir de 2015, dado o recorrente desequilíbrio entre importações e exportações, que favoreceram cada parte em seu momento.

india
Mercosul-Índia

O Tratado de Livre Comércio com Israel está em vigor desde 2010, tendo sido assinado em 2007. De fato, a partir de 2010, há um aumento no valor das exportações, que se mantém razoavelmente estáveis até 2018. Por outro lado, as importações tem fluxos que não correspondem precisamente aos anos chave analisados. Ademais, a balança comercial entre Mercosul e Israel é desfavorável aos sul-americanos na maior parte do período, salvo o ano de 2016.
israel
Mercosul-Israel

Em vigor desde 2017, o Tratado de Livre Comércio com o Egito foi firmado em 2010 e se destaca pelo saldo positivo para o Mercosul desde antes da assinatura do acordo. De igual maneira, exportações eram substancialmente maiores que as importações antes da oficialização da parceria. Contudo, convém assinalar que a assinatura do tratado é acompanhada de um aumento de tais valores, mas que a sua entrada em vigor é seguida de descréscimo, explicado pela conjuntura econômica desfavorável nos anos recentes. Já as importações mantém um valor comparativamente baixo, apesar de ter picos em 2011 e 2018.
egypt
Mercosul-Egito

Por fim, o Acordo de Comércio Preferencial com a SACU foi firmado em 2008, em Salvador, e passou a estar em vigor a partir de 2016. No tocante às exportações, esses episódios são acompanhados de quedas, tendo os valores mais altos da série histórica em outros períodos. Tampouco as importações encontram seus valores mais altos ao redor desses acontecimentos. Como um todo, o saldo da balança comercial é sempre positivo, mas com o seu maior valor antes da assinatura do tratado, indicando que a formalização da parceria não implica necessariamente em ganhos comerciais no curto prazo.
sacu
Mercosul-SACU

De modo geral, as interações comerciais reduziram nos últimos 3 anos, reflexo de uma situação econômica menos favorável. Entretanto, assim como no passado também são detectadas baixas, estima-se que haja ciclos de crescimento no futuro, como parte das dinâmicas de ajuste da reprodução do capital. Estas são favorecidas pelos acordos de livre comércio que institucionalizam as relações para que sejam fortalecidas mesmo após cenários de crise. Paralelamente, consolidar as relações entre os atores internacionais tem impactos não apenas econômicos, mas com potencial para se desdobrar também em aspectos políticos, sociais e culturais.
Frente ao exposto, com a preliminar análise feita, desconfirmamos a hipótese ao perceber que não há uma relação direta e imediata entre a institucionalização das associações comerciais e o valor de bens trocados, na medida em que são fenômenos mais amplos do comércio mundial. As interações econômicas apresentam ser processos de longa duração afetados por múltiplas variáveis além dos acordos formais. Contudo, estes são relevantes para estruturar as parcerias a longo prazo e ampliar as relações multilaterais entre diferentes áreas do globo.


Referência
MERCOSUL. Sistema de Estatísticas de Comércio Exterior do Mercosul. Disponível em: <https://estadisticas.mercosur.int/>. Acesso em: 17 set. 2019.


O autor agradece a Lucas Bispo dos Santos, com quem teve a ideia de analisar o impacto comercial dos acordos extrarregionais do Mercosul.

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.