De acordo com o modelo de integração econômica do autor Bela A. Balassa, o Mercado Comum se caracteriza pela redução e/ou eliminação das barreiras alfandegárias, além de possibilitar a livre circulação de pessoas (trabalho) e capitais. Nesta etapa, a união aduaneira já está consolidada através de uma política comercial comum entre os países, com a totalidade de suas pautas comerciais (bens e serviços) incluída no acordo de desgravação tarifária.

O Tratado de Assunção foi firmado em 1991 com a finalidade de convergir esforços para a constituição de um mercado comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Entretanto, mesmo após o estabelecimento de uma tarifa externa comum e adoção de uma política comercial própria em relação a terceiros Estados, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) ainda não logrou atingir seu objetivo institucional.

Consensualmente, entre os pesquisadores de integração regional, o Mercosul hoje é classificado como uma união aduaneira imperfeita. Muitos bens e serviços considerados sensíveis para suas economias nacionais compõem a extensa lista de exceções à TEC que impede que 100% da pauta comercial de todos os membros esteja completamente livre de tarifação. Sem este requisito, não há implementação exitosa da união aduaneira.

Os impasses institucionais do Mercosul são discutidos há, pelo menos, uma década: a partir do momento em que o bloco se aprofundou por meio da criação de novas instituições de caráter social e incluiu a Venezuela como membro-permanente; sem, entretanto, avançar efetivamente nas etapas comerciais e econômicas.

Neste cenário, sabidamente diferentes caminhos institucionais tornam-se possíveis para o Mercosul: a ruptura do acordo com a extinção gradual do bloco; a manutenção de seu status quo por meio da flexibilização cada vez maior de suas políticas; o retrocesso do processo de integração para uma zona de livre comércio; ou, enfim, o aprofundamento institucional com a consolidação da união aduaneira e, quiçá, do próprio mercado comum.

Diante da complexidade do processo de formação interno do Mercosul, torna-se um desafio para o bloco encaminhar, de maneira consistente, as negociações com a União Europeia – ao que tudo indica – para a formação de uma área de livre comércio extra regional.

As tratativas entre os blocos ocorrem há quase duas décadas sem uma finalização satisfatória. A tentativa de estabelecer um acordo de associação se iniciou em 2000 e, desde então, 30 rodadas de negociação já foram realizadas, revelando um processo longo e complexo, que inclusive já sofreu bloqueios de muitos anos. De maneira geral, os mesmos elementos que impedem o aprofundamento do Mercosul, também prejudicam o acordo com a União Europeia: protecionismo e exceções tarifárias.

As dificuldades para avançar rumo à eliminação dos obstáculos ao comércio intrazona e alcançar acordos com sócios extra regionais significativos, por um lado, resultam de pressões exercidas pelos membros mais frágeis do Mercosul, Paraguai e Uruguai. Porém, a busca de proteção de setores sensíveis não é exclusividade dessas economias.

Após a entrada em vigor do Tratado de Roma, as políticas agrícolas europeias foram substituídas por mecanismos de intervenção a nível comunitário, resultando na criação da Política Agrícola Comum (PAC). A União Europeia sempre demonstrou clara tendência de apoiar os rendimentos dos produtores europeus através da regulação conjunta de seus mercados agrícolas. França, Polônia, Irlanda e Bélgica[1] manifestaram preocupação à Comissão Europeia, nas últimas semanas, em relação aos efeitos que as negociações recentes possam ter na agricultura.

Sob o viés institucional, a variável política é de grande relevância para o avanço do processo de integração. Em momentos de maior alinhamento político entre os Estados envolvidos, os encontros entre os Executivos tornam-se mais frequentes, colocando em foco a disponibilidade de intermediação das negociações neste nível. Entretanto, não se deve esquecer que o processo decisório se inicia no nível nacional através de um complexo e intenso jogo de barganhas entre grupos de interesse e o setor governamental. Além disso, barreiras técnicas e fitossanitárias também geram dificuldades que devem ser superadas, antes mesmo de os produtos e serviços serem vendidos, caso não sigam as exigências mínimas para o ingresso no mercado dos outros países-membros.

A esta complexidade natural do processo decisório, somam-se assimetrias relevantes em termos de desenvolvimento relativo de cada um dos blocos e fortes interesses comerciais divergentes. Torna-se compreensível, assim, a existência de tantos impasses que prologam as negociações sem previsão de resultados efetivos no curto prazo.

Todo este cenário, inevitavelmente, leva ao questionamento do próprio processo de integração: é evidente que para alcançar bons resultados em acordos com parceiros importantes o Mercosul precisa, antes de tudo, efetivar a reforma institucional do bloco, prevista para 2004, que também nunca logrou frutos. Se retroceder o processo para uma zona de livre comércio não parece, econômica e politicamente, viável pelos altos custos de se desfazer de um processo em andamento há quase 30 anos, o bloco deve decidir-se por quais caminhos seguir rumo ao aprofundamento sério e comprometido para concretização de sua união aduaneira.

Qualquer um dos caminhos afetará o futuro do acordo com a União Europeia. No entanto, permanecer à deriva, sem saber para onde ir, mantém as negociações extra regionais exclusivamente dependentes de políticas de governo dos países envolvidos em cada período. E este resultado nós já acompanhamos desde 2000.

[1]EFE. UE e Mercosul seguem em conversas para dar impulso político a acordo. 23 jun. 2019. Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/ue-e-mercosul-seguem-em-conversas-para-dar-impulso-politico-a-acordo-23062019>. Acesso em: 25 jun. 2019.

Escrito por

Ana Elisa Thomazella Gazzola

Professora de Relações Internacionais na UNIP. Doutoranda e mestra do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP, desde 2015, com foco em processos de Integração Regional na América do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR) e da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (2013). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009).