Fonte de Imagem: Leopoldo Silva – Agência Senado

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O diálogo social é um importante mecanismo para a resolução de conflitos, promover a cooperação entre os atores interessados e fomentar a construção de políticas comuns. O conceito foi fortemente impulsionado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), para definir os processos de negociação, consulta e troca de informações em espaços bipartidos ou tripartidos (entre representantes dos governos, empregadores e trabalhadores). Na compreensão da Organização, o diálogo social, quando garantido, possibilita aportes para resolução de conflitos econômico, sociais e trabalhistas.

O fomento à construção de espaços de diálogo social tripartirdes garantiu para as organizações de trabalhadores (sindicatos e centrais sindicais) um protagonismo frente as discussões nacionais, regionais e globais em distintos processos e períodos. Nesse sentido, a coordenação e articulação da ação sindical é essencial para maior efetividade de participação da sociedade civil na construção de legislações e políticas públicas.

Diante deste cenário em 1986, é fundada a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS) que possibilitou a troca de experiências e uma construção coletiva para os problemas apresentados pela conjuntura de intensificação de políticas neoliberais em âmbito regional (MARIANO, 2011). Em 1991, com a criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), a CCSCS orientou sua participação para incidir nos debates do bloco, representando um importante foro de debate e articulação das centrais para potencializar suas ações frente as negociações do bloco regional.

A agenda econômica e comercial que o Mercosul apresentava nos debates fundacionais, estimularam as centrais sindicais a reivindicarem participação efetiva nas negociações desde o princípio do bloco (MARIANO, 2011; BUDINI, 2015). Pois, participar das negociações do Mercosul possibilitava às centrais sindicais a fortalecerem suas posições nos diferentes contextos nacionais (BARBIERO & CHALOULT, 2003).

O primeiro espaço institucional de diálogo social no Mercosul foram os Subgrupos de Trabalho (SGTs). As centrais sindicais se mobilizaram e conseguiram, junto aos governos, a criação do no SGT-11, não previsto inicialmente no Tratado de Assunção. E após o Protocolo de Ouro Preto, referenciado como SGT-10 sobre “Relações Trabalhistas, Emprego e Seguridade Social”. Esse subgrupo possibilitou a participação sindical como negociadores, e não apenas como nos demais subgrupos como ouvintes.

Posteriormente, as reformas institucionais do Mercosul criaram outros espaços para participação social, tais quais: o Fórum Consultivo Econômico-Social (FCES), que possibilitou a ampliação da participação social para outros atores econômicos e sociais não contemplados pelo tripartismo; as Cúpulas Sociais do Mercosul que pretendia ser um espaço de diálogo contínuo entre a sociedade civil e os governos; e a Unidade de Apoio a Participação Social (UPS), canal de diálogo com a sociedade civil e responsável por financiar e organizar a participação social no bloco.

Da mesma forma que os avanços institucionais mencionados, a atuação das centrais sindicais logrou outras contribuições para o Mercosul com a aprovação do Acordo de Previdência Social em 1998, da Declaração Socio-laboral (DSL) em 1998 (texto revisto em 2015) e a criação da Comissão Socio laboral do Mercosul (CSL) em 1999. A DSL possibilitou a construção de princípios sobre direitos individuais (não-discriminação, livre circulação de trabalhadores, eliminação do trabalho forçado e infantil e outras), direitos coletivos (liberdade sindical, direito de greve, negociação coletiva e outros mecanismos de diálogo social) e versou sobre outros temas (seguridade social, saúde e segurança, formação profissional e debates sobre o emprego e desemprego).

A inflexão do Mercosul com a eleição de Mauricio Macri, na Argentina, e o recente processo político no Brasil – desde a ruptura democrática que possibilitou à Michel Temer governar o país até a recente eleição de Jair Bolsonaro – ressignificaram os espaços de participação social do bloco e a forma de atuação da sociedade civil. Esse processo político transformou a DSL e o Acordo de Previdência Social em letras mortas com as recentes proposições de “reformas” pelos governos de Brasil e Argentina.

Em artigo deste observatório[i], Lira (2017) expõe as contradições entre a Reforma Trabalhista aprovada durante o governo Michel Temer no Brasil e a DSL. Dentre as alterações da legislação trabalhista brasileira, há ataques diretos a liberdade sindical e ao diálogo social, como a tentativa de desarticulação e enfraquecimento dos sindicatos com as alterações na fonte de financiamento sindical e a prevalência do negociado sobre o legislado, o que impacta no papel das negociações coletivas e na importância dos sindicatos para garantir melhores condições de trabalho.

Na Argentina, o governo Macri tenta emplacar uma série de reformas econômicas liberalizantes, dentre elas, uma reforma trabalhista que sofre com forte resistência do sindicalismo argentino, sendo uma das poucas reformas de sua agenda política que não foi parcial ou integralmente implementada. Essas alterações na legislação trabalhista gerariam modificações no conceito de trabalho, no contrato de trabalho, no recolhimento de impostos por parte dos empregadores, nas indenizações em caso de demissões e na Justiça do Trabalho.

Na temática da previdência, Brasil e Argentina estão em estágios inversos em comparação à pauta da legislação trabalhista. A Argentina logrou aprovar, em 2017, a reforma da previdência que alterou o cálculo de reajuste das aposentadorias e pensões que gera reajustes com maior periodicidade, mas com menores valores do que no sistema anterior. No Brasil, a Reforma da Previdência é a principal bandeira política do recém-eleito Jair Bolsonaro, que encontra forte resistência em sua base aliada para tramitar no Congresso. A nova legislação promove alterações drásticas na seguridade brasileira, como a privatização do sistema previdenciário para o mercado financeiro por meio do modelo de capitalização.

A condução das mudanças nas legislações de ambos países mostra o desprezo desses governos pelo diálogo social e a legitimação de suas políticas públicas junto a sociedade civil. Sob o ponto de vista mais amplo, na Argentina, o governo Macri não reconhece e discrimina a participação de algumas representações, bem como esvazia os espaços de diálogo social, utilizando-se com frequência de decretos presidenciais para se sobrepor a decisões de conselhos setoriais.

Em consonância, o governo Bolsonaro, por meio de decretos presidenciais, suprimiu a existência de centenas de conselhos, sem participação ou diálogo com os outros poderes da República ou a sociedade civil. Dentre os conselhos extintos estão: o Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência, o Conselho Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e o Conselho Nacional de Segurança Pública. Este decreto intensifica o processo de esvaziamento dos conselhos setoriais iniciado pelo governo Temer, uma opção política que têm levado esses espaços a irrelevância. Decisão questionada provisoriamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na última semana, que considerou ilegal a extinção, por decreto, de conselhos criados por lei.

Nos espaços do Mercosul, o processo é semelhante aos panoramas nacionais. As Cúpulas Sociais, os SGTs e o FCES perderam relevância no processo de integração regional, e diante disso a participação de atores relevantes para a história do bloco, como as centrais sindicais, reduziu drasticamente. No caso argentino, a CTA-T acusa o governo de manipular as delegações e representações da sociedade civil argentina para que essas tenham concordância com as pautas do governo; em linha similar, a CUT Brasil crítica a falta de transparência das ações e negociações do Mercosul (BAPTISTA & BERTOLUCCI, 2019).

As alterações da institucionalidade do Mercosul não lograram alterar o processo decisório do bloco, que se mantiveram pouco flexíveis (MARIANO, 2015). Os espaços tripartirdes no Mercosul nunca alcançaram a relevância necessária para a democratização do processo de integração, e atualmente caminham para serem inutilizados. Além disso, as poucas conquistas desses espaços são desconsideradas pelos governos em suas recentes alterações de legislação.

Os ataques aos movimentos sociais e ao sindicalismo no Brasil, com inúmeras tentativas de estrangular financeiramente e politicamente essas organizações sintetiza o desprezo pela participação social do novo governo. Na Argentina, desde o início do governo Macri, perseguições a lideranças políticas e a movimentos sociais são recorrentemente denunciadas por organizações do país.

Os outros Estados-membros do Mercosul pouco podem alterar essa realidade. O Paraguai, devido ao alinhamento político aos dois sócios maiores, pouco interesse teria em reverter a lógica que opera o bloco. A Venezuela, diante da suspensão e a crise política interna não possui capacidade de influenciar os debates no cone sul. E o Uruguai, único país com governo remanescente do ciclo progressista, pouco pode fazer longe da presidência pro-tempore para equilibrar as forças com os sócios maiores, além de ter suas energias orientadas para o processo eleitoral de Outubro deste ano.

Diante do cenário exposto, o diálogo social no Mercosul que nos últimos anos entrou em coma e não apresenta sinais de vitalidade ou quaisquer esperanças de reversão de quadro. A conjuntura nacional dos principais sócios do bloco sinaliza para um aprofundamento do cenário de irrelevância dessa esfera do Mercosul e de outras dimensões do processo de integração. Nesse sentido, o diálogo social permanecerá em coma esperando por mais um relançamento do bloco para lhe dar sobrevida ou possibilitar a construção de mecanismos institucionais relevantes que efetivem a participação social.

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Notas

[i] https://observatorio.repri.org/artigos/a-dimensao-regional-da-reforma-trabalhista/

Referências

BAPTISTA, J.V.M; BERTOLUCCI, A. C. Guinada à direita e futuro do Mercosul: velhos atores e novos blocos de poder, 2019 (no prelo).

BARBIERO, Alan & CHALOULT. Poder e Déficit Democrático do Mercosul. Porto Alegre: Edipucrs, 2003.

BUDINI, Terra. Encontros com o Mercosul: a atuação de organizações da sociedade civil brasileira na integração regional. 2015. 162 f. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de são Paulo, São Paulo, 2015.

LIRA, A. A Dimensão Regional da Reforma Trabalhista do Governo Temer. Disponível em <https://observatorio.repri.org/artigos/a-dimensao-regional-da-reforma-trabalhista/>. Acesso em 02 de junho de 2019.

MARIANO, K.L.P. A participação das Centrais Sindicais no Mercosul (1991-2001). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.

MARIANO, K.L.P. Regionalismo na América do Sul: um novo esquema de análise e a experiência do Mercosul. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015.

 

Escrito por

João Victor Motta

Doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC-SP), bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2016). Trabalha Diretor do Departamento de Políticas de Trabalho para Juventude do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Integra o grupo de pesquisa Observatório do Regionalismo (vinculados à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo - REPRI). Atua com os seguintes temas: regionalismo e integração regional, participação social, partidos políticos e sindicatos.
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