Em meados dos anos 2000 muito se discutiu sobre o desenvolvimento da integração regional na América do Sul e a necessidade de um paymaster para que o projeto integracionista pudesse se concretizar no continente. Desenvolvido por Walter Mattli (1999), o conceito de paymaster se refere ao Estado membro dominante de um agrupamento regional que ameniza as tensões distributivas e facilita o caminho rumo à integração, servindo não somente como um polo para coordenação de regulações e políticas regionais, mas também arcando com custos institucionais, financeiros, políticos e outros no projeto regional conformado.

Diante do conceito é notável que na América do Sul nunca houve a presença de um paymaster. Dessa maneira, como configurar a atuação brasileira no regionalismo sul-americano? Alguns autores como Mariano (2013) e Desiderá Neto (et al, 2014) apontam que ao longo de meados anos 2000 o governo brasileiro assumiu um caráter de paymaster parcial dos mecanismos e espaços regionais desenvolvidos. Por outro lado, autores como Vigevani e Ramanzini Jr. (2014) discutem que o governo brasileiro nunca se apresentou formalmente como o Estado que arcaria com custos institucionais e distributivos dos esforços regionais sul-americanos, portanto, nunca tendo a intenção de sê-lo.

Ainda assim, ao final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso no Brasil, o foco regional dado às ações e políticas externas do país teve um destaque sem precedentes, tendo o governo brasileiro se colocado à frente e dado grande apoio e importância aos mecanismos regionais a serem conformados a partir da convocação da I Reunião de Presidentes da América do Sul no ano de 2000. Nesse sentido, a lógica da ação do Estado brasileiro dialoga diretamente com a cronologia da criação e evolução dos mecanismos regionais os quais o país integrou, como a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA) e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).

O questionamento aqui se dá, como já discutido anteriormente em artigo do Observatório de regionalismo[1], no papel que a autonomia tem para o desenvolvimento da cooperação e integração regional no caso sul-americano. É no cenário atual de 2019 com a crise econômica e política regional, no qual o novo governo brasileiro se afasta, ou pelo menos discursa se afastar de seus vizinhos, que é demonstrada a vulnerabilidade dos mecanismos regionais diante de mudanças, uma vez que não há um projeto de integração assumido pelos países dentro das suas diretrizes nacionais e a lógica nacional se sobrepõe às ações dos Estados no âmbito regional.

A questão central não é problematizar a priorização que os países dão às questões nacionais, visto que essa é a lógica presente na formulação das políticas exteriores dos países. Entretanto, é necessário dar luz e compreender os interesses dos atores nacionais que influenciam a formulação da política externa ao buscar participar das dinâmicas internacionais e regionais, para assim poder entender os porquês do cenário atual, como também vislumbrar possíveis caminhos futuros a partir das lacunas deixadas pela crescente ausência e afastamento do Brasil nas inciativas presentes.

Em um estudo teórico sobre a integração, Leuffen, Rittberger e Schimmelfenning (2012) apresentam um novo foco de análise a partir das políticas domésticas, incorporando os temas políticos de modo individual como novas unidades de análise. Na visão dos autores a demanda por integração surge das necessidades e preferências dos atores, baseado em diferentes fatores, como: seus interesses; suas ideias; o direcionamento do governo e de seus partidos políticos; assim como do interesse de grupos econômicos; e influências exógenas ao país. Nesse sentido, a integração não é vista somente como um processo cíclico a ser analisado como demanda inicial > processo > resultados alcançados, mas sim como um emaranhado de diversos atores que atuam em diferentes frentes de acordo com o tema trabalhado e que têm acesso ao poder, ou meio para influenciar a formulação da política. Esses atores veem a integração “as a solution to their policy problems, as a way to increase their welfare, others as a desirable way of ordering regional international relations” (LEUFFEN; RITTBERGER; SCHIMMELFENNING, 2012, p. 34), ou, em outros casos, temem à integração, entendendo-a como uma fonte política de problemas, “fearing losing their power, wealth, or identity from policy integration; others regard integration as an undemocratic or otherwise problematic political order” (idem).

Sendo assim, entender a crise regional sul-americana implica compreender as preferências que estiveram presentes no processo de criação e desenvolvimento dos mecanismos regionais dos anos 2000. Apesar de curta, esta reflexão busca instigar questionamentos frente aos processos regionais na América do Sul, considerando que os avanços ou o refreamento dos esforços em integração e cooperação regional das instituições criadas nos últimos anos são resultantes dos interesses dos atores envolvidos e de suas ações. Ademais, o destaque aqui é compreender e assumir que para cada tema de cooperação e integração, seja na arena política, social ou econômica, a dinâmica de ação dos atores em conjunto com seus interesses são diferenciados, e, para entendê-los de modo mais aprofundado não podem ser generalizados. Por exemplo, os atores envolvidos no desenvolvimento dos projetos regionais na área da saúde não são os mesmos dos esforços em infraestrutura, e devem ser analisados e compreendidos cada qual com suas peculiaridades.

Ademais, desde 2013 com a crescente crise política no Brasil e consequente diminuição de sua atuação dentro dos mecanismos sul-americanos, é possível afirmar que se abriu espaço para a maior influência e atuação de outros países, atores e instituições internacionais nas dinâmicas sul-americanas, em especial, da China. Porém, a lacuna deixada pelo governo brasileiro será assumida pela China? Ou por outros atores internacionais? Essa questão ainda não está respondida, e é por essa e outras razões que, compreender o processo de integração regional a partir dos atores e interesses envolvidos se torna importante para compreender o momento atual e os possíveis desdobramentos futuros para o regionalismo sul-americano.

Notas de Rodapé

[1] Artigo disponível em: https://observatorio.repri.org/artigos/integracao-o-papel-da-autonomia-nas-iniciativas-regionais-sul-americanas/.

Referências Bibliográficas

DESIDERÁ NETO, W. A. et. al. Relações do Brasil com a América do Sul Após a Guerra Fria: Política Externa, Integração, Segurança e Energia. IN: DESIDERÁ NETO (org.). O Brasil e as novas dimensões da integração Regional. Rio de Janeiro: IPEA, 2014, 508 p.

LEUFFEN, D.; RITTMERGER, B.; SCHIMMELFENNING, F.. Differentiated Integration: Explaining Variation in the European Union. Palgrave, Macmillan, 2012.

MARIANO, M. P. O Papel do Brasil na Integração da Infraestrutura da América do Sul: limites institucionais e possibilidades de mudança. IN: DESIDERÁ NETO (org.). O Brasil e as novas dimensões da integração Regional. Rio de Janeiro: IPEA, 2014, 508 p.

VIGEVANI, T.; RAMANZINI JR, H. Autonomia, Integração Regional e Política Externa Brasileira: Mercosul e Unasul. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 57, n. 2, p.517-552, 2014.

Imagem Utilizada. Disponível em: <http://voxmagister.com.br/2016/01/13/hegemonia-e-pos-hegemonia-na-integracao-regional-latino-americana-parte-2-o-modelo-pos-hegemonico/>

Escrito por

Bárbara Carvalho Neves

Doutora e Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais - San Tiago Dantas. Bolsista FAPESP (20/04348-5).
Colaboradora do Laboratório de Novas Tecnologias de Pesquisa em Relações Internacionais (LANTRI), do Grupo Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Grupo de Reflexión sobre Desarrollo y Integración en América Latina y Europa (GRIDALE).
Áreas de Interesse: Política Externa Brasileira, Regionalismo Sul-Americano, Instituições Regionais, Integração em Infraestrutura, IIRSA e COSIPLAN.
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