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Nessa edição do ODR Entrevista, conversamos com a Professora Dra. Janina Onuki sobre os desdobramentos do Acordo Mercosul-União Europeia. Janina é Professora Titular e Diretora do Instituto de Relações Internacionais da USP. Atualmente é coordenadora da área de pesquisa de Relações Internacionais da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP) e da Área Temática Política Internacional da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). É também membro do board do Research Committee International Political Economy da International Political Studies Association (IPSA), pesquisadora do Centro de Estudos das Negociações Internacionais e coordenadora do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (NAP-Neci).

ODR: Após a vitória de Jair Bolsonaro, o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o Mercosul não seria prioridade nas relações externas do novo governo e que o bloco teria inclinações ideológicas. Seis meses depois, a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia foi celebrada com otimismo pelo presidente e por Guedes. Essas manifestações positivas podem significar maior relevância do Mercosul na agenda do governo e impulsionar uma reforma do bloco?
Onuki: Não vejo um investimento direto no Mercosul. Parece-me mais uma instrumentalização do bloco para fechar a parceria comercial com a União Europeia que é considerado um parceiro importante na agenda da política externa brasileira, assim como são os Estados Unidos. Mercosul não é prioridade na agenda da PEB.
ODR: Enquanto o texto definitivo do acordo não é divulgado, pairam muitas dúvidas sobre seu impacto para a indústria brasileira. Ainda assim, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) comemoraram o resultado positivo das negociações entre os dois blocos. A indústria brasileira será beneficiada no geral ou apenas em alguns setores? Teremos condições de nos adaptarmos às exigências técnicas e competir no mercado europeu?
Onuki: Apenas alguns setores serão beneficiados, principalmente no setor de agrobusiness. Mas o setor industrial ainda carecerá de adaptação. A comemoração refere-se a uma espera de muitos anos pelo fechamento de um acordo com um parceiro comercial e político importante, e também por conta de uma sinalização positiva no que se refere à perspectiva de novos acordos comerciais e atração de investimentos. Mas o acordo não será tão fácil de ser implementado.
ODR: O governo Bolsonaro tem sido criticado por sua postura em relação às questões ambientais. O recente afastamento de Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) como punição pela divulgação de informações sobre o aumento do desmatamento na Amazônia repercutiu negativamente no exterior. Esse cenário pode afetar a ratificação do acordo por parte dos países europeus?
Onuki: A repercussão tem sido negativa, e a questão ambiental é central no contexto das relações Mercosul-União Europeia. O impacto maior é se o Brasil não cumprir com os acordos internacionais já assinados. Isso representará um retrocesso e poderá aumentar o nível de desconfiança de alguns países europeus.
ODR: Recentemente, agricultores franceses protestaram contra os últimos acordos comerciais firmados pela União Europeia com o Mercosul e com o Canadá. Qual é o impacto da oposição do setor agrícola europeu na ratificação do acordo?
Onuki: Esta é a principal oposição europeia ao acordo EU-Mercosul. Desde o início do processo, os franceses são os principais opositores, dadas as restrições e obstáculos que o acordo impõe aos agricultores. Certamente poderão representar alguma dificuldade para a ratificação do acordo.
ODR: O Brexit influenciará a tramitação e ratificação do acordo?
Onuki: Não vejo uma influência direta no processo de ratificação. Mas há uma influência política, de imagem. O Brexit representa um processo de “desintegração”
ODR: A possível vitória do candidato kirchnerista, Alberto Fernández, nas próximas eleições presidenciais da Argentina poderá afetar o engajamento do Brasil no Mercosul?
Onuki: Certamente a vitória do candidato de oposição afetará o interesse do Brasil em relação ao Mercosul. O presidente Bolsonaro tem sinalizado que se afastará do vizinho, caso a oposição vença as eleições. Isso afetará qualquer possibilidade de retomada do investimento no Mercosul.
ODR: O acordo impactará de maneira desigual os países do Mercosul? Será benéfico para o Paraguai e o Uruguai?
Onuki: Não tenho condições de avaliar o impacto econômico sobre cada país. Mas certamente o acordo afeta de maneira desigual porque os países têm tamanhos distintos e os países menores sempre sofrem mais. Além disso, o Mercosul nunca avançou em políticas para redução das desigualdades.

Escrito por

Flavia Loss

Doutoranda pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP) e mestra pelo Programa de Pós-Graduação Interunidades em Integração da América Latina (PROLAM-USP). É professora no curso de Relações Internacionais da Universidade Cruzeiro do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo e do Grupo Rede de Investigação em Política Exterior e Regionalismo (REPRI). Integra o Grupo de Reflexión sobre Integración y Desarollo en América Latina y Europa (GRIDALE) e o centro de estudos CiGlo (Ciudades Globales). Possui experiência no desenvolvimento de projetos acadêmicos nas áreas de Política Internacional e Relações Internacionais, atuando principalmente com os temas de análise de política externa e integração regional.