Imagem por Agência Brasil.

Texto por Aline Contti Castro

Profa. Dra. do Departamento de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Gestão Pública e Cooperação Internacional (PGPCI) – UFPB. Pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) – UnB. Agradecimentos ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) por financiar a pesquisa que deu origem a esse artigo. Email: castroalinec@gmail.com.

 

A Floresta Amazônica há muito reside no imaginário internacional e é longa a trajetória de cooperação na região. Na porção brasileira da floresta, as grandes linhas da cooperação internacional acompanharam os direcionamentos das políticas exterior e de “ocupação” do espaço amazônico.

Os paradigmas da política externa brasileira condicionaram maior aproximação ou afastamento do país em relação aos EUA e aos vizinhos. Ao longo do século XX, o foco central da atuação do Brasil na Amazônia esteve condicionado por questões geopolíticas voltadas à defesa da soberania territorial e pelo reforço do discurso nacionalista. A ocupação e uso da terra foram instrumentos utilizados para combater as ameaças de internacionalização da região. Nesse contexto, a proposta do Instituto Internacional da Hileia Amazônica (apresentada na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, em 1946) não foi ratificada pelo Brasil. Anos depois, no contexto do Governo Geisel, o país propôs aos vizinhos o Tratado de Cooperação Amazônia (TCA, 1978) no intuito de articular as relações regionais e promover a soberania brasileira e dos outros países amazônicos sobre os seus territórios.

Já o processo de “colonização” foi marcado pelo incentivo à migração interna, pela “ocupação” do espaço amazônico e pela realização de grandes obras de infraestrutura (em especial, estradas e telecomunicações) voltadas a conectar esse território ao resto do país, assim como a escoar sua produção para as economias centrais. Tal processo esteve largamente associado aos grandes investimentos do capital estrangeiro. Segundo Becker (2019), essa ocupação esteve historicamente vinculada a demandas externas, com a região sendo provedora de recursos primários para o mercado internacional, e funcionou como elemento de “depredação”. Furtado (1988) acrescenta que foi criada uma ilusão de ascensão social por meio das migrações internas, do deslocamento da fronteira agrícola e da depredação florestal, e ressalta que esses foram elementos do subdesenvolvimento nacional.

Em síntese, o modelo de inserção internacional periférica e de ocupação do território amazônico, ainda que tenham assegurado a soberania nacional, foram vetores do desmatamento e da “depredação” ambiental e trouxeram pouco (ou nenhum) retorno às populações locais, que se mantiveram “marginalizadas”.

No caso da cooperação internacional, em alguns casos, houve problemas que ainda merecem maior atenção nacional, como o reconhecimento estrangeiro de patentes de produtos amazônicos e casos graves de violações de direitos humanos, como no caso dos Yanomami. Por outro lado e em outros casos, a cooperação internacional significou um apoio aos povos anteriormente excluídos. Becker (2019, p. 143, tradução própria) reconhece que “há uma forte presença internacional que se estabeleceu na Amazônia devido também aos impactos do projeto anterior, que excluiu populações regionais, expulsou pequenos produtores e ameaçou índios, e esses grupos obtiveram apoio internacional”.

A partir dos anos 1970-1980, o vertiginoso aumento do desmatamento passou a preocupar a comunidade internacional. O Brasil, acuado em meio a crises políticas e econômicas e à pressão externa, manteve o discurso soberanista e o modelo tradicional de ocupação e uso da terra. A virada de posição do país ocorreu a partir do processo de redemocratização, no contexto internacional de ascensão das novas agendas, em especial a ambiental e a de Direitos Humanos. Ademais, os direitos indígenas foram consagrados na Constituição Federal de 1988, como fruto da luta desses povos e também das pressões de grupos indigenistas.

Nos anos 1990, a projeção do Brasil na Conferência Rio-92 abriu os caminhos para o estabelecimento do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7), grande iniciativa de proteção da floresta amazônica no âmbito dos debates climáticos, operada pelo Banco Mundial. A postura proativa do Brasil na área internacional e suas iniciativas de liderança regional abriram novos caminhos para a Cooperação Sul-Sul e Norte-Sul.

O antigo TCA se conformou, em 1995, na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ganhando estrutura institucional. Outros foros também foram sendo criados para melhor articular as relações regionais, como a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), lançada em 2000 e incorporada à União de Nações Sul-Americanas (Unasul) em 2009.

A IIRSA, em seu eixo amazônico, representou a continuidade do projeto de dotar a região de grandes infraestruturas de transportes, em especial estradas, e também investiu nas hidrelétricas do Rio Madeira. Como legado, ficaram anos de planejamento territorial, coordenação política, articulação das burocracias nacionais e um sistema mais transparente de informações sobre os projetos implementados (SIP). Recentemente, foi concluído o corredor bioceânico ligando o Atlântico ao Pacífico. Contudo, a iniciativa não conseguiu promover uma infraestrutura voltada ao desenvolvimento regional sustentável e deixou muitas lacunas em questões de licenciamento ambiental e participação social, além de não ter avançado na construção de marcos regulatórios comuns, nem no estabelecimento de mecanismos inovadores de financiamento.

No contexto da Cooperação Norte-Sul, o avanço em relação a um modelo mais sustentável de cooperação internacional ocorreu com o estabelecimento do Fundo Amazônia (FA) em 2008, um fundo de grande volume, não-reembolsável, cujas doações totalizaram R$ 3,4 bilhões até 2018 (BNDES, 2019). Este se constituiu no maior fundo de REDD+[1] do mundo, estabelecendo uma experiência central e pioneira na política climática global, com a gestão do Fundo realizada inteiramente pelo país receptor e contando com um arranjo de governança dotado de caráter democrático e participativo. Conforme o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), órgão gestor do Fundo, destacaram-se alguns resultados alcançados pelo FA, em especial o apoio a 190 unidades de conservação e a 65% da área das terras indígenas da Amazônia brasileira; aos Governos Estaduais com 746 mil imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR); e ao Governo Federal com a realização de 687 missões de fiscalização ambiental. Esse avanço da cooperação na região ocorreu em paralelo ao aumento da emergência climática global.

No entanto, esse legado de ampliação na cooperação internacional foi completamente abandonado pelo governo do Presidente Bolsonaro, reconhecidamente negacionista e antiambientalista. Todas as iniciativas de cooperação na Amazônia brasileira estão atualmente em ritmo lento ou paralisadas.

Em termos institucionais, a OTCA continuou a padecer de falta de recursos e as tensões com os vizinhos aumentaram com agressões públicas do governo a diversos países e Presidentes sul-americanos. Além disso, o governo Bolsonaro decretou a saída do Brasil da Unasul e não estabeleceu foro adequado para as relações regionais. A crise do regionalismo sul-americano revelou uma situação grave de “desgovernança” na América do Sul, deixando o território mais vulnerável ao estabelecimento de interesses alheios e escusos.

No caso do Fundo Amazônia, a suspensão de suas atividades esteve oficialmente vinculada à extinção dos Comitês de gestão do Fundo e de suas instâncias participativas. Outros vetores destacados dessa crise foram o negacionismo do governo, a insatisfação com a alocação de seus recursos bilionários, a contrariedade com os processos de fiscalização ambiental e as tensões constantes com as organizações do terceiro setor e com os povos e lideranças indígenas.

Nesse contexto, as pressões internacionais sobre o Brasil se ampliaram, com possibilidades de retaliações econômico-comerciais e renovadas propostas de internacionalização da Amazônia, como a feita pelo Presidente Macron na reunião do G7 em 2019. Com Bolsonaro foi reforçado o modelo econômico depredatório e houve grande aumento da taxa de desmatamento na região, que havia sido reduzido drasticamente entre 2004 e 2012. O chamada “Trump dos trópicos” protagonizou um retrocesso de décadas na política exterior do Brasil para a Amazônia que, somado ao agravamento das tensões socioambientais, configura uma conjuntura atual insustentável.

Ainda assim, a partir do pressuposto democrático de alternância de poder, há que se ter esperança. O estabelecimento de novos parâmetros para a implementação de políticas de desenvolvimento, baseadas em um novo modelo sustentável, da floresta em pé, depende do governo brasileiro e de sua parceria com a sociedade civil. A cooperação internacional tem o potencial de aportar quantidade significativa de recursos econômicos, no quadro cada vez mais urgente de ação climática e da necessidade de proteção da biodiversidade. Tais instrumentos deveriam ser implementados por meio da atuação nacional e multinível, envolvendo Estados, municípios e setores diversos da sociedade civil.

Por fim, é fundamental uma inflexão na atuação externa brasileira para a região, que ressalte legados importantes, como a atuação brasileira nas questões ambientais e indigenistas, mas que estabeleça uma proposta renovada de desenvolvimento sustentável da Amazônia, ampliando a cooperação e a integração regional, e definindo-a como uma política prioritária, liderada pelo Brasil e coordenada por meio das instituições regionais.

É necessário também repensar os sentidos e lógicas do desenvolvimento infraestrutural, reforçando seu papel como vetor de transformação estrutural, seu foco em pequenos projetos e sua vinculação com Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos na Agenda 2030.

 

NOTAS:

[1] “REDD+ é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados relacionados a atividades de: (i) redução das emissões provenientes de desmatamento; (ii) redução das emissões provenientes de degradação florestal; (iii) conservação dos estoques de carbono florestal; (iv) manejo sustentável de florestas; e (v) aumento dos estoques de carbono florestal.” (BNDES, 2020, p. 07).

 

REFERÊNCIAS:

ABRAMOVAY, Ricardo (2022), Infraestrutura para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia. SP: Ed. Elefante.

ANTIQUERA, Daniel de C. (2006). A Amazônia e a política externa brasileira: análise do Tratado de Cooperação Amazônia (TCA) e sua transformação em organização internacional (1978-2002). Dissertação. Unicamp, Programa de Pós-graduação San Thiago Dantas.

BECKER, B. Koiffmann (2019), Geopolítica de la Amazonia. Geopolítica(s). Revista De Estudios Sobre Espacio Y Poder10(1), 135-151.

BNDES (2019), Fundo Amazônia – 10 anos. Relatórios de Atividades, 2008-2018. Brasília: BNDES.

_______ (2020), Fundo Amazônia. Relatórios de Atividades, 2020. Brasília: BNDES

CARVALHO (2012). The Brazilian position on forests and climate change from 1997 to 2012: from veto to proposition. Rev. Bras. Polít. Int. 55 (special edition): 144-169.

CASTRO, Aline Contti; CIMINI, Fernanda (2020). El financiamiento de la integración infraestructural sudamericana: las dificultades institucionales de constitución de um nuevo arreglo financeiro regional. REVISTA TEMPO NO MUNDO, v. 1, p. 123-148.

CASTRO, Aline Contti (2022). A Governança do Fundo Amazônia – REDD+, participação democrática e os desafios da ação climática no Brasil. No prelo.

FURTADO, Celso (1988). O Capitalismo Global. São Paulo: Paz e Terra.

IPEA (2021).  Corredor Bioceânico de Mato Grosso do Sul ao Pacífico: produção e comércio na rota da integração sul-americana. Brasília: IPEA.

PADILHA, J. (2010) (Diretor). Documentário: Segredos da Tribo. Produtora:  Zazen

UNCTAD (2018). Bridging gaps or widening divides: infrastructure development and structural transformation. In: Trade and Development Report 2018: Power, Platforms and the Free Trade Delusion. Geneva: UN.

 

Escrito por

Observatório de Regionalismo

O ODR (Observatório de Regionalismo) realiza entrevistas com autoridades em suas áreas de conhecimento e/ou atuação, lançando mão de diversas mídias à divulgação do material elaborado.