Imagem por Agência Brasil.
Texto por Isabela Garbin
Professora de Graduação e Pós-graduação em Relações Internacionais na Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais/Brasil. Concluiu Doutorado em Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP), em 2014, e Pós-Doutorado no Carr Center for Human Rights Policy – Harvard Kennedy School, em 2019. Atualmente, realiza período de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Entre 22 e 27 de agosto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reuniu em Brasília para a realização do 150º Período Ordinário de Sessões. O evento combinou a realização de um seminário internacional e quatro audiências públicas referentes a casos de violações de direitos humanos envolvendo Equador, Argentina, Peru e México.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial autônoma, criada a partir da aprovação da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Instalada na Costa Rica desde 1979, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o tribunal regional de direitos humanos responsável por aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos aos 20 Estados que reconhecem a sua competência para julgar casos de violações de direitos humanos nas Américas.
Em sua composição, a Corte Interamericana de Direitos Humanos é composta por sete juízes e juízas, nacionais dos Estados membros da OEA, que são eleitos a título pessoal pelos Estados partes, em votação secreta e por maioria absoluta de votos na Assembleia Geral dessa organização regional.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos é um tribunal permanente, embora sua rotina de trabalhos esteja organizada em períodos de sessões ordinárias e extraordinárias, quando os juízes-membros se reúnem na sede instalada na Costa Rica ou em outros Estados.
Uma Corte Itinerante nas Américas
Uma das singularidades da Corte Interamericana de Direitos Humanos é se movimentar por entre Estados para a realização dos períodos de sessões. Nenhuma outra Corte regional de direitos humanos, seja na Europa ou na África, conta com dinâmica similar, sendo esta uma das marcas distintivas do trabalho dessa corte regional nas Américas. Segundo os dados da própria Corte, entre 2005-2019, foram realizados 31 períodos fora da sede, em 16 diferentes Estados, somando-se 114 audiências e 42 seminários difundidos na região.
A movimentação da Corte Interamericana de Direitos Humanos pela região é uma dinâmica importante para consolidar os valores, as ideias e as institucionalidades de direitos humanos no continente americano.
A aproximação dos juízes-membros das vítimas, das autoridades governamentais e das organizações e movimentos sociais in loco é uma oportunidade singular para que entrem em ação uma série de mobilizações e pressões estratégicas para fazer valer o compromisso dos governos com os direitos humanos.
Esta não foi a primeira vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos se reuniu no Brasil. Antes disso, em 2006 (27º Período Extraordinário de Sessões) e em 2013 (49º Período Extraordinário de Sessões), a Corte realizou seus trabalhos no país.
Esse ano, de acordo com o Programa Oficial, distribuído durante o evento, o 150º Período de Sessões foi realizado “graças a convite feito pelo Governo do Brasil ao Tribunal”. A iniciativa, contudo, contou com a assinatura coordenada entre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, com o apoio da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), e, como de habitual no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, pelos órgãos de Cooperação Internacional da Alemanha, da Noruega e da Suécia.
Entre Homenagens e Confrontação às Violações de Direitos Humanos
Na agenda de trabalhos no Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou o Seminário Internacional “Controle de Convencionalidade e Grupos em Situação de Vulnerabilidade”, em homenagem ao professor Antônio Augusto Cançado Trindade, renomado jurista brasileiro, eleito para exercer mandato e, posteriormente, presidência da Corte, entre os anos de 1994 a 2006.
No que se refere às audiências transcorridas no auditório do STJ, os quatro casos selecionados trataram de contenciosos envolvendo questões de povos indígenas isolados (Caso Povos Indígenas Tagaeri e Taromenane vs. Equador), discriminação sexual (Caso Olivera Fuentes vs. Peru), violação dos princípios do contraditório (Caso Álvarez vs. Argentina) e torturas e privação da liberdade (Caso García Rodríguez e Reyes Alzipar vs. México).
Dentre esses casos de violações de direitos humanos, destaca-se a audiência relativa ao Caso Povos Indígenas Tagaeri e Taromenane vs. Equador, que se refere à responsabilidade internacional do Estado por uma série de violações aos direitos de povos indígenas em isolamento voluntário. A instalação de projetos de governo e empreendimentos privados dentro de comunidades indígenas naquele país têm afetado seus territórios, recursos naturais e modo de vida ecossistêmico, cuja principal característica é a relação de estrita dependência desses povos com seu ambiente ecológico.
Esse é um caso importante para a Corte Interamericana de Direitos Humanos reafirmar a indissociabilidade entre os direitos humanos e o meio ambiente limpo, saudável e sustentável. Trata-se de uma oportunidade única para dar aplicação ao vasto arcabouço normativo interamericano em associação à recente Resolução 48/13, do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, que reconhece os direitos ambientais como direitos humanos.
Essa conexão entre sistema regional e universal de direitos humanos consolidaria não apenas um reforço em termos de produção jurisprudencial, mas, sobretudo, a importância da construção de redes e apoios entre atores para elevar o status normativo da afirmação do meio ambiente como direito humanos em outras arenas políticas, como na Assembleia Geral da ONU e nos demais sistemas regionais de direitos humanos.
Balanço final
A recepção de uma Corte regional de direitos humanos, em razão de visita ou instalação interina em um país, nunca pode ser um fato subestimado. Os efeitos da presença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil ultrapassam a esfera de discussão particular dos casos listados na agenda de trabalhos, repercutindo para além do tempo e do espaço dedicados ao 150º Período Ordinário de Sessões, em Brasília.
O conhecimento mais próximo das rotinas institucionais da Corte, a conscientização sobre o respeito aos direitos humanos internacionalmente protegidos e a reflexão sobre a situação atual dos direitos humanos no Brasil são estímulos que decorrem e se renovam com a presença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, mais uma vez, no país.
Não obstante, é preciso reconhecer que o ambiente alinhavado para o trabalho da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil pareceu morno demais frente ao momento e às circunstâncias políticas ardentes em Brasília, onde os alertas de “fumaça e fogo” têm sido emitidos em larga frequência, inclusive, por Cortes Superiores e Constitucionais.