O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, cumprimenta Joe Biden durante a Nona Cúpula das Américas, em Los Angeles; ao fundo, Iván Duque, presidente da Colômbia  e, à esquerda, Alberto Fernandez, presidente da Argentina – Jim Watson – 10.jun.2022/AFP

 

Construir um futuro equitativo, resiliente e sustentável: eis o tema da Nona Cúpula das Américas, ocorrida em Los Angeles, entre os dias 6 e 10 de junho deste ano. A reunião teve seis frentes temáticas: aceleração da transição para energia limpa; futuro verde; governança democrática; resiliência nas Américas; saúde; e transformação digital.  

Presidida pelos Estados Unidos, a cujo governo coube escolher os participantes do evento, a Cúpula gerou atritos diplomáticos, pois Cuba, Nicarágua e Venezuela não foram convidadas, sob a justificativa de que suas presenças violariam os princípios da Carta Democrática Interamericana (CDI).

Segundo o artigo 20 da CDI, quando um Estado membro alterar o seu sistema constitucional, e essa mudança gerar prejuízos à democracia, qualquer Estado membro ou o Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) poderá, após uma avaliação coletiva dos países integrantes do órgão, tomar as providências que entender necessárias. O artigo tem sido invocado pelos americanos como instrumento de boicote e isolamento desde 1959, quando da Revolução Cubana [1].

A iniciativa americana gerou descontentamento nos líderes de alguns países da região. O presidente Andrés Manuel Lopes Obrador, do México, recusou-se a participar da Cúpula sem a participação dos três países excluídos. A represália foi adotada pelos mandatários boliviano e hondurenho, que enviaram seus ministros das Relações Exteriores. Os 20 países da Comunidade de Estados do Caribe (Caricom), bem como os governos de Argentina e Chile expressaram sua insatisfação. Os chefes de Estado de El Salvador, Guatemala e Uruguai também não compareceram, por diferentes circunstâncias.

A agenda do fórum regional americano estruturou-se a partir da realização da reunião ministerial do grupo de revisão e implementação da cúpula, liderada pelo Secretário de Estado dos EUA, Antony J. Blinken. Ao grupo de revisão compete reportar aos ministros de relações exteriores dos países os avanços alcançados nas medidas estipuladas e revisar decisões estabelecidas pelas Cúpulas anteriores. Em seguida, teve lugar a cerimônia inaugural do evento, oferecida pelo presidente e primeira-dama dos Estados Unidos, Joe e Jill Biden (8 de junho).

No dia seguinte, o plenário dos líderes — sede oficial das principais discussões entre os líderes dos países participantes, de acordo com as pautas da Cúpula — recebeu a sessão de abertura. Houve o jantar dos líderes, ofertado pelo presidente americano e sua esposa, no qual os líderes têm a chance de conversar sem pautas pré-definidas, seguida da recepção dos ministros pelo Secretário de Estado americano, e pela recepção dos delegados por autoridades de Los Angeles. No último dia, tiveram lugar as segunda e terceira sessões do plenário dos líderes.

Concomitantes aos principais painéis da Cúpula, ocorreram o Nono Fórum da Sociedade Civil, encontro de líderes comunitários, redes de organizações não governamentais (ONG) e atores sociais, que ocorre desde 1999 (6 a 8 de junho); a Quarta Cúpula dos CEOs das Américas, que promove encontros entre os principais representantes do setor privado dos países convidados, e empresas de pequeno, médio e grande porte (7 a 9 de junho); e o Fórum da Juventude das Américas, no qual jovens dos países presentes participam de mesas e reuniões com lideranças diplomáticas e governamentais para discutir propostas para as futuras gerações e podem também receber treinamentos e assistir palestras (8 e 9 de junho).

Imigração foi o único tema sobre o qual produziu-se um documento formal, a saber, “Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção”, cujas preocupações são assistir e oferecer estabilidade às comunidades; ampliar os recursos legais migratórios e proteção internacional; aperfeiçoar a gestão humana dos serviços de migração; e estabelecer estruturas de respostas coordenadas à situações de emergência. Nem todos os países integrantes da Cúpula aderiram à Declaração de Los Angeles, assinando o documento: Argentina, Barbados, Belize, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai.

No âmbito econômico, pode-se caracterizar a Cúpula das Américas deste ano como uma tentativa dos Estados Unidos em se oporem às ações da China na América Latina, que nos últimos anos se transformou no principal parceiro econômico de muitos países da região, destacando-se Argentina, Brasil, Chile e Peru. Mais que isso, 20 nações da América Latina e Caribe assinaram memorandos de entendimento com a China por conta da Iniciativa do Cinturão e Rota. Ainda assim, países que não integram a iniciativa (Brasil e Colômbia, por exemplo) recebem dos chineses expressivos investimentos em infraestrutura, principalmente no setor de energia [2].

O governo estadunidense não alcançou sua meta de enfrentar os chineses. Ao final da Cúpula, o presidente Joe Biden declarou de forma imprecisa a criação de uma “Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica”. Segundo Biden, a parceria possui três objetivos: desenvolvimento econômico; fomento à inovação; e o combate à crise climática.

Para ele, “a [Parceria] representa um compromisso mútuo de investir em soluções regionais que melhorem a estabilidade, aumentem as oportunidades de migração segura e ordenada pela região, e reprimam o tráfico criminoso e humano que preocupa pessoas desesperadas”. De modo concreto, esses objetivos serão alcançados a partir de cinco medidas, elencadas pelo fact sheet publicado pela Casa Branca no dia 8 de junho:

  •       Atualização da “Barganha Básica”: “Investimentos públicos e inovações na administração pública podem tornar a vida melhor e mais justa para nossos respectivos cidadãos. Exploraremos como ampliar a participação na economia formal, incluindo medidas fiscais e anticorrupção, bem como cooperação e investimentos em infraestrutura em áreas como migração, educação, saúde, desemprego e aposentadoria, creche e empoderamento econômico das mulheres”;
  •     Revitalização das Instituições Econômicas Regionais e Mobilização do Investimento: “Para cumprir nossas aspirações, trabalharemos para dinamizar nossas instituições públicas e mecanismos de financiamento para alavancar níveis muito maiores de investimento privado. Juntos, revigoramos as instituições econômicas regionais do hemisfério, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, inclusive por meio de reformas para impulsionar a ambição climática, a inclusão social e o desenvolvimento do setor privado com a possibilidade de [aporte de] capital futuro para o BID Invest, e garantir que as instituições financeiras e econômicas internacionais priorizem adequadamente a região. Também trabalharemos para apoiar os países que acolhem muitos migrantes, ou de refugiados, ou que desejam realizar reformas ambiciosas de acordo com os objetivos da Parceria”;
  • Criação de empregos na área de energia limpa e incentivo à descarbonização e à biodiversidade: “Em linha com nossos objetivos climáticos e para apoiar bons empregos, trabalharemos juntos para acelerar a tecnologia de energia limpa, conservação e manejo florestal mais sustentável e práticas agrícolas resilientes e de baixa emissão. Trabalharemos para descarbonizar nossas economias, aumentar a biodiversidade e construir resiliência aos impactos climáticos. Aprofundaremos a cooperação em tecnologias e melhores práticas, mecanismos para aumentar o investimento público e privado e exploraremos a assistência técnica para promover infraestrutura e programação de qualidade”;
  • Promoção do comércio sustentável e inclusivo: “A pandemia apenas ressaltou a importância de fluxos comerciais regionais seguros e resilientes, bem como o papel crescente que as tecnologias e serviços digitais desempenham em nossas economias. Vamos nos concentrar em como cooperar melhor na facilitação alfandegária, promover a transparência e as boas práticas regulatórias, buscar altos padrões na economia digital, apoiar tecnologias emergentes de forma responsável, construir resiliência em nossas cadeias de fornecimento de energia e alimentos, promover fortes padrões trabalhistas e ambientais e incentivar a responsabilidade corporativa e uma corrida ao topo para promover o desenvolvimento econômico regional”;
  •     Produzir Cadeias de Suprimentos Mais Resilientes. “Nossa segurança econômica se baseia em cadeias de suprimentos diversificadas, seguras, transparentes e sustentáveis. Reconhecemos a importância de diversificar e reequilibrar nossas cadeias de suprimentos para minimizar os riscos de interrupção. À medida que trabalhamos para criar cadeias de suprimentos resilientes, priorizaremos o desenvolvimento de nossa força de trabalho e tomaremos medidas para garantir que as cadeias de suprimentos sejam transparentes e que as condições de trabalho sejam livres de práticas exploratórias”.

Atente-se ao seguinte: as medidas insertas na Parceria das Américas para a Prosperidade Econômica são mera reprodução da Iniciativa Build Back Better World (B3W), parceria entre os EUA e os países do G7 criada em junho de 2021, “de cunho transparente, de alto nível e orientada por valores”, focada no investimento em fontes de energia renovável, empreendimentos liderados por mulheres, saúde e tecnologia digital. Além disso, a Parceria das Américas aparenta ser tão impraticável quanto o América Cresce, a Aliança para o Progresso e a ALCA.

Encarando-se as conjunturas econômica, política e social da América Latina e Caribe com senso de realidade, é possível afirmar que a Nona Cúpula das Américas não surtirá qualquer efeito prático de melhora aos países da região, visto que os Estados Unidos continuarão a defender seus interesses na região sem a menor disposição de rever seus mecanismos de inserção cultural, econômica e financeira na região.

Referências

[1] https://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/06/actualidad/1462493633_042185.html

[2] https://www.opeu.org.br/2022/06/14/cupula-das-americas-e-a-agenda-dos-eua-para-america-latina-e-caribe/

 

Escrito por

Breno Silva Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP. Suas pesquisas se dedicam à relação trilateral entre América Latina, China e Estados Unidos; e à diplomacia do futebol.