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A China ambiciona se tornar uma grande potência futebolística até 2050. O alcance deste objetivo tem como fundamento a concretização de três planos governamentais. O primeiro, formulado em outubro de 2014, intitulado “Parecer do Conselho de Estado Sobre Como Acelerar o Desenvolvimento da Indústria Esportiva para Promover o Consumo”, reconhece a importância deste setor para exportar a cultura chinesa, fomentar o senso de nacionalismo, e melhorar os índices de qualidade de vida, principalmente na área da saúde e propõe ações no sentido de oferecer incentivos fiscais à empresas do setor, facilitar a prática de esportes nas cidades e investir em jovens talentos. 

O segundo, publicado em março de 2015 como “O Programa Geral de Reforma e Desenvolvimento do Futebol Chinês”, tem como principal objetivo integrar o desenvolvimento do futebol ao desenvolvimento socioeconômico chinês, implementando uma estratégia de três etapas. Num futuro breve, pretende-se criar um ambiente propício ao crescimento da indústria futebolística e da prática do futebol profissional competitivo. No médio prazo, a meta é transformar a seleção nacional feminina na melhor do mundo, a masculina como melhor da Ásia, reorganizar a Associação de Futebol da China (AFC) e fazer com que o seu campeonato seja um dos mais competitivos do continente asiático. A longo prazo, a China pretende sediar uma Copa do Mundo de futebol masculino, e ter estabelecido o futebol como um esporte praticado por grande parte da sociedade e de competitividade reconhecida mundialmente.

Em abril de 2016 foi anunciado o “Plano de Médio e Longo Prazos do Futebol Chinês (2016-2050)”, que é dividido em três fases. A primeira se refere ao período 2016-2020, e se dedicou à construção em massa de campos de futebol, ao ensino do esporte para crianças e adolescentes, e à parceria com a iniciativa privada. Entre 2021-2030 pretende-se criar leis e realizar políticas públicas que atraiam investimentos, e permitam que haja um campo de futebol para cada 10.000 habitantes. O último período (2031-2030) tem como objetivo central organizar uma Copa do Mundo masculina; no mais, os objetivos são vagos e incertos, traduzidos numa das frases do Plano: “o sonho futebolístico comum dos filhos e filhas da nação chinesa é contribuir para o futebol mundial”.

Este sonho tem se tornado realidade por meio da atuação de empresas chinesas, que nos últimos anos têm investido maciçamente na infraestrutura e no patrocínio de grandes eventos futebolísticos, bem como na aquisição de clubes de futebol. No contexto do peculiar socialismo de mercado chinês, as empresas atuam como agências publicitárias dos valores culturais e interesses políticos do governo (LEITE JÚNIOR; RODRIGUES, 2018). África, América Latina e Europa são os principais alvos dos empreendimentos chineses, que se realizam em três frentes: a partir da compra de jogadores e técnicos e clubes estrangeiros (os chineses também fazem parcerias e intercâmbios de jovens jogadores com clubes internacionais), como estratégias de aprendizado; por meio da chamada diplomacia dos estádios; e mais recentemente, com o patrocínio de grandes eventos futebolísticos.

Com relação ao investimento e à realização de parcerias entre clubes chineses e de outros países, a título de ilustração, destaca-se que, em 2011 a corporação chinesa Dalian Wanda Group e o Club Atlético de Madrid assinaram um acordo de cooperação a fim de criar escolas de futebol na China com a marca do clube madrilenho e de selecionar jogadores para as categorias de base do time espanhol.1)Em janeiro de 2015, o grupo Wanda adquiriu 20% do Atlético de Madrid, dando nome ao estádio do clube e firmando contrato de patrocínio por cinco anos. Em 2018, devido a crises financeiras, a empresa decidiu vender suas ações.  Em 2012, o Shandong Luneng Taishan FC e São Paulo Futebol Clube acordaram um intercâmbio profissional para que o clube brasileiro recebesse atletas chineses, e com a inauguração de uma escola licenciada pelo São Paulo na ilha chinesa de Taipa.2)Em fevereiro de 2021, a Confederação Asiática de Futebol suspendeu a licença do Shandong Luneng para participar da Liga Asiática de Futebol, por atrasos de pagamento do clube chinês. Em 2017, a ZTE, empresa de tecnologia da informação e telecomunicações da China tornou-se patrocinadora do clube de futebol argentino Vélez Sarsfield, tendo sua logomarca estampada nas camisas dos jogadores e no estádio do time (SCHATZ, 2020).

Entre 2015 e 2017, os clubes chineses, em sua grande maioria, propriedades de empresas chinesas, atraíram jogadores e técnicos estrangeiros pagando salários vultosos. Os valores eram tamanhos que o governo chinês impôs a tributação nas transações e instituiu um teto aos salários pagos. Isso não evitou, entretanto, a bancarrota de alguns desses clubes, catalisada pelos efeitos econômicos da pandemia da COVID-19, e até o início de 2021 mais de 16 faliram.

Outro vetor do sonho futebolístico chinês desenvolve-se na diplomacia dos estádios (não só de futebol), iniciada em 19583)A diplomacia dos estádios foi inaugurada com a construção do Estádio Nacional de Esportes em Ulã Bator, capital da Mongólia., e caracterizada pelo investimento na infraestrutura essencial à realização do futebol como espetáculo comercial, seja a construção de estádios, como de aeroportos, ruas, malhas ferroviárias, hospitais e outros estabelecimentos. Esta iniciativa está solidificada no continente africano, no qual 37 países foram agraciados; envolve 6 países na Ásia e no Oriente Médio, 1 país europeu, 10 nações caribenhas e 6 na Oceania. Na América Latina, a estratégia se desenvolve lentamente. Entre 2008 e 2011, após o governo da Costa Rica romper com Taiwan, foi construído o Estádio Nacional, na capital San José. A China também construiu estádios nas Bahamas, Granada e Nicarágua. Em 2019 firmou-se uma parceria neste sentido com El Salvador. Em 11 de fevereiro passado, o time argentino Boca Juniors anunciou que o governo chinês investirá 80 milhões de dólares na ampliação e revitalização do seu estádio, La Bambonera. Ainda que sejam oficialmente individualizadas pelo governo chinês, é quase inevitável não relacionar a diplomacia dos estádios com a iniciativa Cinturão e Rota.

Verifica-se a concretização do tal sonho futebolístico chinês a partir do patrocínio de grandes eventos esportivos. Em 2014, na Copa do Mundo realizada no Brasil, dos 21 patrocinadores apenas 1 era chinês; em 2018, na Copa da Rússia, a China era representada por 7 das 16 empresas. As empresas chinesas dominam as aparições publicitárias nas competições Eurocopa 2020 e Copa América 2020, ambas transmitidas em junho de 2021 por conta da pandemia da COVID-19. Das 6 empresas patrocinadoras do evento europeu, 2 são chinesas (Alipay e Hisense), 1 é alemã (Volkswagen), 1 é americana (Fedex), 1 é holandesa (Booking.com) e 1 é russa (Gazprom). O site oficial da CONMEBOL Copa América não informa, mas sabe-se que o torneio tem como principal investidor a empresa chinesa TCL. Além disso, a organizadora do evento recebeu a doação de 50.000 doses da vacina contra a COVID-19 da fabricante chinesa Sinovac Biotech.

A diplomacia do futebol desenvolvida pela China evidencia sua capacidade de aliar poder brando com táticas de marketing, criando uma imagem positiva no cenário internacional e potencializando o seu nation branding – diplomacia do futebol com características chinesas (KRZYZANIAK, 2016). No instante em que assistimos movimentações na relação trilateral entre América Latina, China e Estados Unidos, vale considerarmos que o futebol, somado à demografia e aos desenvolvimentos econômico, tecnológico e dos aparatos militares, é um dos aspectos considerados na avaliação de poder internacional, e que futebol e geopolítica constituem um só universo (SCUTTI; WENDT, 2016). O futebol, como um dos esportes mais populares do mundo, não pode ter a sua capacidade de servir como instrumento de promoção diplomática subestimada, o que justifica a necessidade da realização de mais investigações científicas neste sentido.

Referências

KRZYZANIAK, John S. The Soft Power Strategy of Soccer Sponsorships. Soccer & Society, v. 970, n. January, p. 0, 2016.

LEITE JÚNIOR, Emanuel; RODRIGUES, Carlos. A geopolítica do futebol em transformação: o caso chinês. FuLia/UFMG (Online), v. 3, n. 02, p. 28-50, 2018.

SCHATZ, P. V. Estratégias chinesas no mercado do futebol mundial. Formação (Online), v. 27, n. 51, p. 3-32, 2020.

SCUTTI, Giuseppe; WENDT, Jan A. Football and Geopolitics. GeoSport for Society, v. 5, n. 2, p. 100-106, 2016.

Notas   [ + ]

1. Em janeiro de 2015, o grupo Wanda adquiriu 20% do Atlético de Madrid, dando nome ao estádio do clube e firmando contrato de patrocínio por cinco anos. Em 2018, devido a crises financeiras, a empresa decidiu vender suas ações. 
2. Em fevereiro de 2021, a Confederação Asiática de Futebol suspendeu a licença do Shandong Luneng para participar da Liga Asiática de Futebol, por atrasos de pagamento do clube chinês.
3. A diplomacia dos estádios foi inaugurada com a construção do Estádio Nacional de Esportes em Ulã Bator, capital da Mongólia.
Breno Silva Oliveira

Escrito por

Breno Silva Oliveira

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestrando em do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP. Suas pesquisas se dedicam à relação trilateral entre América Latina, China e Estados Unidos; e à diplomacia do futebol.