Em um período no qual o Parlamento do Mercosul vem reduzindo suas atividades, o Parlamento Sul-Americano (vinculado à Unasul) não vê sua concretização em um futuro próximo e órgãos como o Parlamento Andino (integrante da Comunidade Andina) e o Parlamento Latino-Americano não apresentam avanços, uma boa notícia emerge. O Parlamento Amazônico (Parlamaz) deve ser reativado em 21 de maio deste ano.
O Parlamento Amazônico não integra formalmente a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA)[1], sediada no DF[2] e derivada do Tratado de Cooperação Amazônica de 1978, mas mantém diálogo. Ambas são organizações multilaterais sub-regionais, na medida em que não cobrem toda a região sul-americana, mas também agindo em territórios específicos dentro dos Estados-membro, favorecendo diretamente quase 40 milhões de pessoas. No caso brasileiro, por exemplo, envolve estados como Pará, Maranhão, Rondônia e Roraima, entre outros.
 

Figura 1. Amazônia

amazônia

Fonte: Piedra-Calderón (2007)

 
Desde 1989, é constituído por parlamentares de 8 países ocupados pela floresta amazônica, isto é, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Dado o seu atributo de integração da América do Sul, o Parlamento não inclui a França, país que detém mais de 80 mil km2 no continente como herança da dominação colonial. Esse dado é relevante na medida em que o presidente Emmanuel Macron capitaneou a oposição à (falta de) política ambiental no Brasil, como parte da estratégia de ratificação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
Em Brasília, o movimento é impulsionado pelo senador Nelson Trad Filho (PSD-MS), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE). Com a medida, ele propõe trabalhar na imagem internacional da região, especialmente no âmbito da polêmica de 2019 sobre a floresta. O relato do senador aponta que ele foi estimulado pelos diplomatas em dos demais países, particularmente o Equador, a conduzir esse processo, desde dezembro do ano passado. O contexto também é de pressão internacional de outros países que colocaram critérios de preservação como condicionantes para negociações de acordos com o Brasil e demais países sul-americanos.
A ação ocorre em paralelo às medidas do Executivo a respeito da Amazônia, tornando-a uma estratégia de competição entre ambos os Poderes. Isso posto, é um episódio que exemplifica as competências legislativas em relações exteriores, comumente chamada de diplomacia parlamentar, tanto nas legislaturas nacionais quanto nas internacionais. Neste caso, um fórum de coordenação de parlamentares de diversos países pode influenciar os Executivos de cada Estado-membro, operando em uma lógica intergovernamental. Portanto, para além da política externa, tais decisões se incorporam no quadro da política doméstica e de sua disputa partidária.
Paralelamente, em uma audiência pública no Senado no início de março, Trad informou que pretende trabalhar para incluir o Pantanal – bioma de seu estado de origem, Mato Grosso do Sul – nos trabalhos do Parlamento Amazônico. Ele argumentou que há semelhanças entre as duas áreas, inclusive a respeito dos problemas sofridos no tema de preservação ambiental.
No entanto, a natureza de parlamentos regionais não se restringe a temas específicos. Sendo assim, outros tópicos podem ser trabalhados na esfera legislativa, como construção de infraestrutura, cooperação cultural e abertura de fronteiras, entre outros.
Frente ao exposto, nos próximos meses, poderemos acompanhar os avanços do trabalho legislativo, quais medidas serão tomadas pelo Parlamento Amazônico e quais os alcances de seu poder decisório – já que parlamentos supranacionais usualmente carecem de capacidades concretas para além da esfera consultiva.
 
[1] Discutida no ODR: https://observatorio.repri.org/artigos/odr-aberto-a-possibilidade-da-gestao-integrada-dos-recursos-hidricos-amazonicos-no-ambito-da-organizacao-do-tratado-de-cooperacao-amazonico-otca-como-nao-ir-por-agua-abaixo/
[2] A OTCA é a única organização internacional sedida em território brasileiro, após a remoção do Parlamento Latino-Americano de São Paulo.
 
Referências
https://www12.senado.leg.br/tv/programas/argumento/2020/02/reativado-parlamento-amazonico-para-evitar-desmatamentos-e-queimadas
https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/13083/000636987.pdf?sequence=1&isAllowed=y
https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/tratado-de-cooperacao-amazonica-1978
http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/integracao-regional/691-organizacao-do-tratado-de-cooperacao-amazonica-otca

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.