As negociações para a realização de um acordo entre a União Europeia e o Mercosul surgiram um mês após a criação do bloco sul-americano em abril de 1991, a partir de uma iniciativa dos chanceleres dos quatro países para estabelecer um acordo de cooperação institucional com a integração europeia, tendo ao longo de seu trajeto de quase três décadas passado por distintas agendas, contextos e finalidades até chegar à sua concretização em junho de 2019. Não é possível ainda avaliar os reais impactos desse acordo porque há muitos aspectos em aberto – que serão negociados nos próximos anos – e tudo dependerá de como os governos vão agir a partir do momento em que este for ratificado e implementado, o que pode demorar ainda de dois a três anos.

Existem basicamente dois posicionamentos em relação a esse acordo: os favoráveis e os críticos. No primeiro grupo encontra-se dos dois lados do Atlântico seus defensores, que apontam as vantagens econômicas e comerciais advindas dessa parceria entre os dois blocos. Em geral, estão fundamentados em visões econômicas mais liberais, defendendo uma maior abertura comercial como forma de aumentar a competitividade das economias, estimular o desenvolvimento e o crescimento.

Em oposição a estes, estão os críticos que olham com desconfiança essas possíveis vantagens. Também este grupo apresenta uma forte convergência entre europeus e mercosulinos, na percepção de que esse acordo contraria interesses de setores importantes (sejam eles econômicos ou políticos), infringindo pesados custos às sociedades. Neste caso, por exemplo, encontramos boa parte dos agricultores europeus questionando os impactos da maior competição dos produtos agrícolas do Mercosul, ou setores industriais do Cone Sul temendo os efeitos da concorrência europeia.

Ainda que os setores econômicos possam ser distintos, ambos partem do mesmo princípio: medidas de proteção econômica até o momento aplicadas deverão ser colocadas de lado, para permitir uma maior competição e isso afetará significativamente estes produtores. Os reais efeitos dessa situação contudo, dependerão das estratégias adotadas pelos governos e blocos para amenizar os efeitos negativos que ocorrerão em decorrência dessa nova conjuntura. O que implica, por sua vez, na capacidade desses atores em dar respostas adequadas aos desafios que surgirão com a maior abertura comercial.

Um aspecto importante neste debate é que essas posições – favoráveis e críticos – na verdade se fundamentam em expectativas e percepções, mas não em fatos concretos porque os termos do acordo eram desconhecidos, e só recentemente os governos publicaram o documento. Diante desse desconhecimento, acabou prevalecendo a percepção otimista do acordo, mesmo porque na atual conjuntura política mundial, as posições contrárias mostram-se fracas diante do posicionamento favorável dos principais meios de comunicação e atores políticos relevantes, que defendem maior abertura econômica.

 Mas como apontei no início deste artigo, isso tudo depende da efetiva implementação do acordo que, por sua vez, está sujeita a um complexo processo de aprovação e incorporação, o que significa dizer que para alguns setores isso pode levar mais de uma década para entrar em vigor. Desta forma, ainda que os céticos estejam corretos em sua percepção sobre o assunto, os efeitos não serão imediatos e nem inevitáveis, pois é possível pensar medidas e instrumentos para lidar com esses reveses.

Assim, fugindo à tentação de querer fazer futurologia sobre o assunto, o ponto principal que quero destacar neste momento refere-se aos impactos imediatos que o acordo gerou nos países e blocos regionais envolvidos, focando nos seus aspectos políticos e simbólicos dentro do atual contexto mundial. Temos dois efeitos imediatos que chamarei de domésticos para me referir aqueles relacionados às conjunturas internas dos países, e regionais que estão vinculados aos aspectos ligados à dinâmica dos próprios blocos integracionistas.

Impactos Domésticos: eleições e apoios

Como apontei anteriormente, encontramos em todos os países envolvidos no referido acordo os dois posicionamentos – favoráveis e céticos – numa situação pendular: em certos momentos, a opinião pública tende a ser mais influenciada por um, para depois mostrar-se mais propensa ao outro. Essa oscilação é influenciada pela conjuntura político-econômica do país e pela percepção que acaba predominando na sociedade sobre o futuro imediato.

Podemos dizer que em todos os países europeus e sul-americanos envolvidos há uma situação de instabilidade, ainda que diferenciada. Em casos como o da Alemanha, por exemplo, no qual a economia ainda apresenta bons resultados, encontramos a ampliação de forças políticas de extrema-direita que desestabilizam o sistema político desse país, influenciando a agenda e questionando as ações do governo. Em outros casos, como na França, é a crise econômica que leva a uma crescente crítica e pressão sobre o governo nacional, questionando sua efetividade para atender às demandas e problemas da população.

Nesse sentido, o Acordo Mercosul-União Europeia é uma sinalização de que o governo está buscando ampliar as possibilidades econômicas e estimular o crescimento. Podemos generalizar de certa forma, ao dizer que os governos buscam aplacar as críticas indicando que o acordo abrirá novas oportunidades de negócios, estimulando as exportações e o fortalecimento de alguns setores produtivos. Essa perspectiva encontra boa acolhida na opinião pública dos países, hoje muito tencionada pelos problemas do desemprego, e no caso europeu especificamente pela questão migratória.

Ao mesmo tempo, esses governos devem lidar com os efeitos negativos sobre os setores que possivelmente serão negativamente afetados e que possuem grande capacidade de mobilização política, como os agricultores franceses. Por isso mesmo, o presidente Emmanuel Macron (França) mostrou-se resistente até o último momento em assinar o referido acordo. No seu caso, a opinião pública do país está dividida e muito influenciada pela ação dos Coletes Amarelos, um movimento voluntário de protesto que organiza manifestações regulares aos sábados no país desde outubro de 2018, numa lógica semelhante às das manifestações que ocorreram no Brasil a partir de 2013.

Desde a assinatura do Acordo Mercosul- União Europeia em junho, diversos grupos políticos e econômicos têm se manifestado contrariamente nos países dos dois blocos: parlamentares irlandeses indicaram que não ratificarão o acordo; agricultores franceses, belgas e italianos já se manifestaram contrariamente; setores industriais argentinos se mostraram desconfiados sobre os efeitos do acordo forçando o presidente a realizar reuniões para explicar o acordo e as medidas que serão adotadas, o que não é distinto no caso brasileiro, entre outros.

Diante desse contexto tão incerto, afinal, o quê levou os países a concordarem com o acordo? Parte da resposta está na lógica política-eleitoral. Os governos precisavam de resultados concretos que pudessem atestar seu empenho em superar os atuais problemas econômicos e sociais, apresentando uma perspectiva positiva para o curto e médio prazo, ainda que esta possa afetar negativamente alguns setores.

Para os europeus, o acordo representa uma perspectiva de ampliar mercados e amenizar os efeitos da crise econômica, retomando os objetivos que deram início às negociações comerciais em 1994. Enquanto a primeira aproximação entre os dois blocos (1991) buscava legitimar a integração no Mercosul e fortalecer sua posição diante das pressões do governo norte-americano, ao final de 1994, o tema comércio entra na agenda das relações UE-Mercosul, simultaneamente ao início das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

O acordo quadro de cooperação inter-regional UE-Mercosul foi assinado em 1995, sendo o primeiro acordo entre os dois blocos com o objetivo de estabelecer uma área de livre comércio até 2005. As negociações, no entanto, foram iniciadas apenas a partir de 1999. Nesse momento, a Europa buscava aumentar a competitividade do bloco nos mercados externos, e um acordo com os países do Mercosul representava a possibilidade de obter matérias-primas, produtos intermediários e de componentes para suas indústrias a custos menores.

Devemos lembrar que nesse momento, predominava a percepção de uma forte ampliação do mercado regional do Cone Sul em decorrência da integração, o que representava uma oportunidade para fortalecer a posição das empresas europeias na região, assim como novas oportunidades de negócios com outras empresas europeias atuando e se instalando na região, especialmente no setor de serviços. Portanto, havia evidente foco no setor industrial, de serviços e compras governamentais.

No caso dos países do Mercosul, o estímulo à assinatura do acordo responde de forma mais intensa às lógicas eleitorais. Essa situação é mais evidente no caso da Argentina e Uruguai, mas também no Brasil. Nos dois primeiros, a aproximação das eleições que devem ocorrer em outubro deste ano força seus governos a apresentarem resultados concretos na área comercial, especialmente porque a oposição mostra-se ameaçadora e com reais possibilidades de vencer.

No caso argentino especificamente, o Acordo Mercosul-União Europeia representa um trunfo do governo de Maurício Macri diante de seus rivais peronistas, a dupla Alberto Fernández – Cristina Kirchner. Os governos kirchneristas na Argentina (2003-2015) foram recorrentemente identificados como resistentes e críticos ao referido acordo. Esse posicionamento encontrava suporte do outro lado da fronteira, pois a partir de 2005 o foco da política externa dos países do Mercosul – sob a liderança do governo brasileiro – foi a cooperação Sul-Sul, fundamentada numa parceria com Rússia, Índia, China e África do Sul (conhecida pelo acrônimo BRICS) e a criação da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

Especificamente no caso da ex-Presidente Cristina Kirchner, sua reeleição em 2010 foi marcada por um discurso que reafirmava a lógica nacional-protecionista, mostrando-se reticente às negociações econômicas com países desenvolvidos. Esse posicionamento é identificado como uma das principais causas da estagnação das negociações do Mercosul com a União Europeia (UE), apesar do governo brasileiro sob o comando de Dilma Rousseff ter buscado retomar as conversas, mas a presidente brasileira não possuía o carisma e liderança política de seu antecessor para levar adiante as negociações.

Por isso, o atual presidente argentino buscou incansavelmente concretizar esse acordo antes das eleições de outubro, para poder apresentá-lo como uma contraposição concreta à sua rival e apresentar resultados condizentes com sua primeira campanha presidencial (2015) vitoriosa na qual apresentou um discurso altamente favorável à liberalização comercial e defendeu a retomada das negociações com a UE como prioridade.

O caso uruguaio é um pouco distinto porque desde 2005, a presidência da república é controlada pelo mesmo partido, Frente Ampla (Frente Amplio). Embora este seja de centro-esquerda, seu posicionamento é bastante liberal no que se refere às questões comerciais, sendo favorável a uma maior abertura comercial. Neste caso, portanto, o Acordo Mercosul-União Europeia reforça essa postura econômica do governo e busca ampliar o apoio eleitoral diante de um contexto de fortes críticas.

Em princípio, poderíamos dizer que o Brasil seria a exceção dessa lógica eleitoral porque a eleição presidencial acabou de ocorrer. Essa percepção é parcialmente verdadeira. A liderança das negociações com a UE ficou de fato sob o comando do presidente argentino Macri, mas é inegável que encontramos na região posturas por parte dos governos do Mercosul mais propensas em aceitar o acordo, diferentemente de períodos anteriores, em que as hesitações por parte dos Executivos eram maiores.

Além disso, o presidente Jair Bolsonaro apresenta um forte interesse em demarcar sua distinção em relação aos governos anteriores, especialmente os petistas (2003-2016), no que chama de promoção de uma política externa não-ideológica e anti-comunista (sic) como a realizada até então. Não há por parte deste governo uma clareza sobre qual seria exatamente a estratégia central da sua política externa, prevalecendo apenas a lógica de negação do passado. Nesse sentido, a realização de acordos comerciais que haviam sido protelados por seus antecessores, mostra-se importante em sua estratégia de atuação internacional, sem haver clareza sobre os desdobramentos e efeitos possíveis desses acordos.

Desta forma, percebe-se que as conjunturas internas dos países explicam em boa medida a realização desse acordo, numa perspectiva de efeitos políticos imediatos: ampliação da base de apoio dos governos junto à opinião pública. Contudo, as reações dos setores que se sentem ameaçados podem ser um elemento importante para a efetivação do acordo, que ainda precisa ser ratificado por todos os países para entrar em vigor. Esse aspecto é uma questão central nos efeitos regionais para a integração, como veremos na próxima seção.

Impactos Regionais: fortalecimento ou fragmentação?

Em termos regionais, ambos os lados do acordo enfrentam fortes críticas ao processo integracionista. A Europa sofre o desgaste do processo do Brexit (saída do Reino Unido da UE) e dos efeitos de sucessivas crises econômicas na região que são importante combustível para seus críticos, situação esta expressa na última eleição para o Parlamento Europeu (em maio de 2019), cujo resultado levou a um crescimento da participação de parlamentares eurocéticos e membros pertencentes aos grupos de direita no espectro político dentro do legislativo regional. Desta forma, a realização do acordo sinaliza que o bloco não está estagnado e é capaz de concretizar projetos de grande interesse para seus membros.

A questão agora é o difícil processo de ratificação, já que no caso europeu o acordo deve ser aprovado tanto pelo Parlamento Europeu, como pelos países. Esta dupla aprovação torna o processo muito mais complexo do que no caso do Mercosul, em primeiro lugar porque o Parlamento Europeu é um ator importante no processo decisório do bloco e a influência de grupos nacionalistas/protecionistas é relevante. Especificamente no caso deste acordo, os eurodeputados ambientalistas ou verdes também mostram-se críticos em razão das declarações do governo brasileiro e suas ações na área ambiental, que claramente contrariam posturas favoráveis à preservação e sustentabilidade do meio ambiente.

Além disso, alguns governos podem usar a estratégia de buscar transferir para o âmbito regional os custos da aprovação do acordo. Isto é, para aplacar o desgaste produzido por setores econômicos contrários ao acordo mas minoritários politicamente, podem se acomodar às resistências dentro do Parlamento Europeu, fazendo com que o processo de ratificação se arraste por mais tempo do que o previsto (2 a 3 anos). Outros ainda podem usar uma eventual aprovação do Parlamento Europeu como desculpa para defender a ratificação no âmbito nacional, argumentando que poderia ser prejudicial ficar de fora e destacar a necessidade de acompanhar o posicionamento da maioria, mas ao mesmo tempo, isentando-se parcialmente da responsabilidade pelos efeitos negativos que por ventura venham a ocorrer em decorrência da efetiva implantação do acordo.

Independentemente do processo de ratificação que ocorrerá, o fato é que o acordo com o Mercosul reforça o papel do bloco europeu como um importante instrumento para intervir num mundo globalizado e viabilizar os interesses das suas populações. As lideranças europeias estão preocupadas em enfatizar as potencialidades que o acordo poderá trazer para a região, mostrando sua preocupação também em enfrentar os problemas que também surgirão com sua implementação. Um aspecto bastante destacado pelos líderes europeus é o fato de que o acordo não representará uma redução nos padrões e exigências comerciais hoje existentes na Europa, indicando que os países do Mercosul deverão se adaptar a estes para poder competir no mercado europeu.

Esse é um ponto positivo para o Mercosul, se considerarmos que em muitos aspectos os padrões europeus mostram-se mais evoluídos, como no caso da Lei de Proteção de Dados. O mesmo se aplica para a exigência do cumprimento de normas trabalhistas e ambientais, que podem servir como um constrangimento para as atuais iniciativas governamentais no Mercosul de flexibilização ainda maior das legislações trabalhistas, de direitos humanos e ambientais na região. Um bom exemplo disso, é a atual postura do governo brasileiro de intensificar a liberalização de agrotóxicos no país. Boa parte desses defensivos agrícolas está proibida na Europa, o que significa que produtores brasileiros que queiram exportar para esse continente não poderão utilizar esses produtos. Contudo, isso não isentará que os produtores voltados para o mercado nacional e regional, os utilizem intensamente.

Outro ponto importante do acordo é que, em princípio, este acabou fortalecendo o processo de integração do Mercosul. O atual presidente brasileiro manifestou desde a sua campanha eleitoral, forte crítica aos processos integracionistas promovidos pelos governos do PT (Partidos dos Trabalhadores), aos quais acusa de terem colocado interesses ideológicos acima dos interesses nacionais. Sendo coerente com seu discurso, o novo governo formalizou seu pedido de retirada da Unasul e indicou a necessidade de reformar profundamente o Mercosul, considerando inclusive a possibilidade de torná-lo apenas uma área de livre-comércio (o que significa acabar com a tarifa externa comum).

Esse discurso de desmonte do Mercosul por parte do governo brasileiro passou a se amenizar com a possibilidade concreta de consumar o acordo com o bloco europeu. A parceria com a Argentina voltou a se mostrar estratégica para a política externa brasileira, numa postura bem distinta da adotada logo após as eleições, quando o futuro ministro da economia brasileiro, Sr. Paulo Guedes, disse durante uma entrevista a um jornalista argentino que o Mercosul não seria prioridade para o Brasil. Recentemente, o mesmo ministro retornou de uma viagem à Argentina defendendo a ideia de criação de uma moeda única no bloco, numa perceptiva de médio e longo prazo, demonstrando um total descompasso e desinformação sobre dinâmica de um processo integracionista: ao mesmo tempo em que se prega uma desburocratização do bloco e sua flexibilização, se propõe uma medida que pressupõe maior aprofundamento, compromisso e institucionalização.

Esse reposicionamento brasileiro é importante porque a integração no Cone Sul está fundamentada na parceria Argentina-Brasil, também é significativo porque diferentemente do que ocorreu no caso da Unasul, demonstra uma disposição em resgatar o processo ainda que realizando mudanças. O governo brasileiro percebeu as potencialidades que a integração regional representa para uma melhor inserção no cenário global, e isso fortalece o bloco ainda que este não seja o objetivo almejado.

Contudo, um aspecto problemático neste novo entusiasmo brasileiro pela integração está nas condicionalidades que aparecem nos discursos do presidente Bolsonaro em relação às eleições argentinas e à própria implementação do acordo. No primeiro caso, o governo brasileiro não demonstra pudor em tentar influenciar os eleitores argentinos ao defender explicitamente a candidatura do atual presidente, Maurício Macri. A manifestação política não seria tão grave, se ela se restringisse apenas à expressão de uma predileção. O problema é que esta foi acompanhada por um posicionamento bastante contundente, indicando que no caso da vitória do candidato kirchnerista, Alberto Fernández, haveria uma impossibilidade de diálogo.

Para além das ameaças discursivas, o governo brasileiro buscou na última reunião de Cúpula do Mercosul (quando assumiu a presidência pró-tempore do bloco) implementar uma medida que contradiz a lógica integracionista: a possibilidade de implementação bilateral do acordo com a UE. Esta medida significa que uma vez que o acordo esteja aprovado pelos europeus, poderia ser automaticamente implementado pelos países do Mercosul que já tivessem  ratificado o documento.

Essa posição justifica-se porque o governo brasileiro acredita que será o primeiro a ratificar o acordo na região, e que Uruguai e Paraguai não devem encontrar fortes resistências nesse processo. O maior problema é a Argentina. Uma possível vitória kirchnerista representaria uma mudança no posicionamento desse país em relação ao acordo, especialmente porque o candidato Alberto Fernández declarou que seria necessário revisar o que foi acordado. Assim, existe a possibilidade de um processo ratificador muito mais demorado do que o inicialmente planejado.

Embora o governo brasileiro tenha pressa em implementar o acordo porque calcula que isso poderia ocorrer ainda antes da próxima eleição presidencial (sendo um importante cabo eleitoral), isso não pode ocorrer colocando em xeque a base da lógica da integração regional: coordenar as ações e posições, para fortalecer o bloco diante do cenário internacional.

Os processos de integração regional são pensados como instrumentos de articulação entre Estados para lidar com contextos e realidades adversas, a partir do pressuposto de que a cooperação entre eles propicia melhores condições e aumenta sua possibilidade de atingir suas finalidades. Nesse sentido, o Mercosul foi pensado desde o início como uma estratégia para melhorar a inserção dos países na globalização e amenizar os seus efeitos negativos. Desde sua criação, um princípio central do bloco foi a articulação e participação de todos os seus membros nas negociações comerciais com terceiros (sejam eles países ou blocos).

Esse princípio muitas vezes foi criticado por limitar a autonomia negociadora dos países-membros, inclusive no que se refere às negociações com a União Europeia em torno de um acordo comercial, porque o descompasso de interesses impediu a conclusão desse processo muitas vezes, frustrando os interesses daqueles predispostos a aceitar os termos propostos pelos europeus. Prevaleceu nessas ocasiões a percepção de que a participação deveria ser conjunta e articulada, porque essa seria a melhor estratégia para competir e negociar no sistema internacional.

Neste momento em que finalmente se chegou à conclusão de um acordo entre os dois blocos, o governo brasileiro sinaliza que pretende implementá-lo com ou sem seus parceiros do Mercosul, pois é isso que significa sua proposta de implementação bilateral. Isso contradiz a lógica da integração, baseada no princípio da coordenação. Esse posicionamento pode ser um resquício dos discursos de campanha que enfatizavam a unilateralidade e autonomia como princípios centrais da nova política externa, ou pode ser a expressão dos limites do significado da integração para o governo brasileiro. Uma coisa é certa, o Mercosul ganhou uma sobrevida importante com a assinatura do acordo com a UE, sua continuidade dependerá de como o processo de ratificação se desenvolverá.

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Escrito por

Karina Lilia Pasquariello Mariano

Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1992), mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1996) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na qual participa do Laboratório de Política e Governo e coordena o Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD), que integra a Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Integra o Grupo de Reflexión sobre Integración y Desarrollo en América Latina y Europa (GRIDALE). É bolsista Produtividade do CNPq e desde 1992 é pesquisadora da Equipe de Relações Internacionais do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC), a qual coordena desde 2016. Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Integração Regional, atuando principalmente nos seguintes temas: Mercosul, teorias de integração, União Europeia, relações internacionais, sindicatos, parlamentos regionais e democracia.