Em 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas definiu, por meio do documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, por meio da resolução A/RES/70/1, que fixou 17 objetivos e 169 metas comuns, com o intuito de reverter o cenário de crises mundiais nas mais diversas áreas, sendo esse documento um sucessor ampliado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), carregando consigo seu legado dos 8 objetivos originais (AGNU, 2015). A maior parte das necessidades mundiais previstas nos ODMs estão presentes hoje nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): o ODM 1 encontra-se disposto nos ODSs 1 e 2; o ODM 2 pode ser observado no ODS 4, e o ODM 3 no ODS 5, entre outros. Portanto, há uma semelhança forte no que se refere à presença dos objetivos empregados nas duas agendas globais, e que nas questões ambientais apresenta-se uma reformulação que amplia as preocupações presentes no ODM 7 “Qualidade de vida e respeito ao Meio Ambiente”, que na Agenda 2030 assumiu perfil abrangente, diversificado e interseccionado, incluso nos ODSs 6, 7, 12, 13, 14 e 15.
O mundo sente hoje os efeitos das mudanças climáticas causadas pela ação antopogênica em decorrência da exploração intensa e inconsciente do meio ambiente, produzindo resultados catastróficos que observamos e sentimos em todas as partes do globo. Podemos considerar como marco inicial para a contribuição do homem para o aquecimento global a Revolução Industrial, justamente por ser a partir desse momento da história em que as ações econômicas humanas começaram a produzir de maneira significante os gases do efeito estufa. Isso por si só não resume as causas das mudanças climáticas, havendo também outros dois fatores centrais: o desmatamento na terra e a poluição das águas. Os países, compreendendo a necessidade de reverter esse cenário de maneira urgente para evitar a chamada Ebulição Global, centraram principalmente as ações que devem ser tomadas no ODS 13 “Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos” que visa, principalmente, em suas metas: “(13.1) reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais em todos os países” e “(13.2) integrar medidas da mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais” (AGNU, 2015). Conforme Amorim Abreu (2023), essas duas metas foram as mais primordialmente implementadas pela União Europeia (UE), bloco que se encontra em estágio avançado de integração por conta da união econômica e monetária, encontrando-se assim em melhor situação e capacidade para atingir coletivamente as metas do ODS 13.
A UE tem a massa crítica, tem os meios financeiros, tem o conhecimento científico, tem a opinião pública do seu lado – o seu dever é liderar as transformações econômicas e existenciais que poderão moldar o futuro não apenas dos europeus, mas de todos no planeta (Amorim Abreu, 2023, p. 101)
A Agência Europeia do Ambiente (AEA) é a organização institucional técnica responsável por coletar, analisar e disseminar dados de maneira a contribuir de forma informativa para reverter o cenário das mudanças climáticas (AEA ,2024a). Ela atua no âmbito do bloco europeu, tendo como integrantes os 27 países membros da União Europeia, além da Albânia e da Suíça, indo além de suas estruturas fundamentais com a chamada Rede Europeia de Informação e Observação do Ambiente (Eionet), grupo que reúne países membros da AEA e não-membros, totalizando 38 países europeus. A AEA, por si só, congrega consigo por volta de 400 instituições nacionais, que são responsáveis diretos por coletar os dados em seus Estados. Analisando a frente de atuação referente às águas, essas instituições nacionais disponibilizam para a AEA dados de cerca de 22 mil zonas balneares, sejam costeiras (água salgada) ou interiores (geralmente, água doce); pouco mais de dois terços são praias marítimas e o restante, rios e lagos, principalmente nos países que não possuem costa, caso de Áustria, Eslováquia, Hungria, Luxemburgo e Tchéquia (AEA, 2024b). A AEA e a Eionet atuam conjuntamente nos Estados-nações para a formulação de políticas, desempenhando atividades técnicas e ações que podem ser tomadas para reverter cenários evidenciados pela crise climática.
Na avaliação das águas balneares -, isto é, as concentrações de águas doces ou salgadas, interiores ou costeiras, que são utilizadas para atividades de banhistas – objetiva-se checar principalmente a qualidade, avaliando-se a quantidade de microorganismos infecciosos que advém de esgotos e que podem estar presentes nesses espaços; e se há a presença de poluição prejudicial a este meio natural. A agência então divide a qualidade das águas avaliadas em 5 classificações, “excelente”, “boa”, “suficiente”, “pobre” e “não classificada”. O que estabeleceu os padrões de análise e as divisões classificatórias foi uma legislação de 2006, sugerida e aprovada pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, intitulada “Diretivas das Águas Balneares” (2006/7/CE), visando principalmente a monitorização, gestão e indicação das águas; nesse último caso, apontar ao Estado-nação onde se fazem necessárias intervenções, principalmente nas águas classificadas como “pobre”, com o intuito de reverter esse cenário. Por fim, ocupa-se também da divulgação dessas informações ao público geral, por meio de seu site oficial, onde disponibiliza matérias com dados e gráficos simplificados (AEA, 2024a).
A União Europeia apresenta resultados significativamente altos no aspecto do monitoramento da qualidade das águas balneares, principalmente no que se refere aos países que têm uma quantidade de amostras analisadas maiores, o que, de maneira proporcional, eleva as taxas de qualidade superior para esta questão em um quadro geral da União Europeia. Observando os dados extraídos dos relatórios de 2009 até 2023 sobre a qualidade das águas balneares qualificadas no mais alto padrão dentre as 5 categorias, ou seja, o “excelente”, pode-se concluir que houve uma melhora significativa da porcentagem proporcional das amostras com essa classificação nos Estados-nações com a atuação visando o ODS 13. Para essa conclusão, dividimos esses números em duas categorias para a análise, quais sejam, os referentes a 2009 até 2015, representando o período anterior à implementação da Agenda 2030, e de 2016 até 2023, representando o período posterior. Dos 27 atuais países membros (Figura 1), 8 concentraram uma classificação “excelente” maior no primeiro período mencionado e 19 obtiveram resultados superiores no segundo momento (AEA, 2024c).
Figura 1: qualidade superior das águas balneares antes e depois da Agenda 2030. Fonte: elaboração própria, com base em AEA (2024d)
Entre os países que obtiveram resultado superior entre 2009 e 2015, Bulgária, Chipre, Croácia, Estônia e Malta apresentam variação que se mantém a menos de 1,5%. E.g. de 2009 até 2015, a média croata era de 96,09%; de 2016 até 2023, a quantidade observada foi de 95,09%, uma queda de 1% na média geral das águas classificadas pela agência enquanto “excelente”. No caso da Eslováquia e da Irlanda, uma variação de 2,35% e 4,8%, respectivamente. O caso mais grave ocorreu na Polônia, que no primeiro momento marcava 55,34% de suas águas na melhor categoria e, de 2016 até 2023, uma média de 45%, marcando uma queda de mais de 10%, tendo como principal responsável os maus resultados dos anos 2018-2021. Partindo da análise técnica da AEA no caso polonês, pode-se constatar uma queda na maior classificação e um crescimento nas categorias “bom” e “não classificadas”. A agência europeia aponta que uma das principais causas dessa situação partiu do fato que as agências nacionais polonesas não repassaram as amostras de maneira devida para adequar as zonas balneares em suas respectivas categorias conforme os níveis de microorganismos e poluição, o que automaticamente coloca essas zonas na categoria “não classificada”. O pior resultado foi no ano de 2020, onde apenas 22,1% de um total de 602 zonas balneares estavam na maior classificação, enquanto 401 zonas não tinham classificação, totalizando 66,6% (AEA, 2024d).
No relatório de 2020 sobre os ODS nos países membros da Einot, a AEA aponta que 90% dos Estados-membros têm ações voltadas especificamente ao ODS 13, ou seja, possuem ações voltadas a combater a mitigação do clima, principalmente no que se refere às metas 13.1 e 13.2. Neste mesmo relatório, a agência utilizou o levantamento da Sustainable Development Report, – um relatório produzido por uma iniciativa das Nações Unidas em parceria com pesquisadores da Universidade de Dublin – cujos dados partem do monitoramento da implementação de todos os ODSs. Em 2019, a Polônia e.g. era o 29° país no ranking global; em 2024, entre 167 países, é o 10°, com uma nota total de 81,7 (AEA, 2020e). No entanto, ao observar especificamente o ODS 13, o país encontra-se na segunda pior categoria de implementação dentre as cinco utilizadas pelo relatório, o que indica resultados baixos se comparado ao quadro geral. Em outro caso, o Chipre, que possui águas balneares relativamente melhores, encontra-se na 58ª posição no ranking atual; no ODS 13 está na pior categoria, com “grandes desafios”. Um ponto em comum entre estes dois países é que seus problemas relativos à mitigação do clima estão relacionados à emissão de gases do efeito estufa que, ao provocar aumento no fenômeno das mudanças climáticas, acaba por afetar as águas balneares, seja em períodos de secas, com a proliferação de microorganismos, seja nos períodos chuvosos, quando esgotos e estações de tratamento transbordam e contaminam águas limpas, afetando ecossistemas inteiros e colocando em risco a saúde dos usuários das zonas balneares (AEA, 2020e; Sachs et al., 2024).
Portanto, é notável que a AEA, assim como a Eionet e a própria UE, por meio de suas instituições deliberativas, consultivas e agências técnicas, desempenharam um trabalho majoritariamente exitoso na maioria dos países que compõem o bloco, tanto no alto desempenho de classificação das águas balneares, quanto na progressão do ODS 13. No entanto, vale notar que esses resultados não foram homogêneamente distribuídos, e que as capacidades materiais dos Estados-nação e a disposição governamental também desempenham papel fundamental para se alcançar resultados. A União Europeia, enquanto instituição regional, demonstrou sucesso promissor no alcance das propostas ambientais incluídas no ODS 13, mas também deve desempenhar liderança e cooperação com os países-membros mais vulneráveis para a superação de suas dificuldades mais fundamentais, de modo que se cumpra o “Princípio das Responsabilidades Comuns, porém Diferenciadas” conforme previsto na resolução A/RES/70/1.
Referências Bibliográficas
Agência Europeia Ambiental [AEA] (2024a). About us. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/en/about. Acesso em: 06/10/2024
AEA (2024b). Assessing policies. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/policy-documents#c0=10&c5=all&b_start=0. Acesso em: 08/10/2024
AEA (2024c). Monitoring and reporting. Disponível em: https://www.eea.europa.eu/en/analysis. Acesso em: 06/10/2024
AEA (2024d). Dados dos Relatórios Anuais de Águas Balneares (2009-2023). Disponível em: https://www.eea.europa.eu/en/advanced-search. Acesso em: 22/10/2024
AEA (2020e). SDG and the Environment a cross-country analysis. Disponível em: file:///C:/Users/Unesp/Downloads/SDGs%20and%20the%20Environment_A%20cross-country%20analysis%20(1).pdf. Acessado em 06/11/2024
Assembleia Geral das Nações Unidas [AGNU] (2015). Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development. A/RES/70/1, 25 set [on-line]. https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/generalassembly/docs/globalcompact/A_RES_70_1_E.pdf. Acesso em: 12/10/2024
Amorim Abreu, C. (2023). ODS n.º 13 – o número da sorte para o clima: a estratégia europeia no combate às alterações climáticas – European Green Deal e Lei Climática Europeia. In: Anais do Congresso Luso-Brasileiro de Direito e Desenvolvimento Sustentável. ISBN 978-989-35054-3-4, pp. 97-103
Sachs, J. D.; Lafortune, G; Fuller, G. (2024) Sustainable Development Report. ISBN 978-0-903200-19-6. Disponível em: https://sdgindex.org. Acesso em: 18/11/2024
Texto por Pedro Iarley Lins da Silva¹ e João Roberto Fava Junior²
¹Graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr), da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD). E-mail: pedro.lins@unesp.br.
²Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação “San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP). Bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr), da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares em Cultura e Desenvolvimento (GEICD) e do Observatório de Regionalismo (ODR). E-mail: joao.fava@unesp.br.