A Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), fundada em 2011 e que atualmente engloba todos os 33 países da região da América Latina e do Caribe (ALC), é um importante fórum internacional de debates de alto-nível diplomático e de cooperação para a integração regional. Trata-se, no entanto, de um organismo de baixo nível de institucionalidade, o que significa que possui baixa capacidade de enforcement: não é uma organização capaz de executar com força soberana ou supranacional suas metas declaradas e normas, dependendo, deste modo, do comprometimento dos membros para que atinja seus objetivos. Suas regras são simples e se resumem, basicamente, em uma presidência pro tempore rotativa com duração de um ano, na qual o país que detém esta função deve organizar a Cúpula anual de Chefes de Estado e Governo e propor um plano de trabalho em que estabeleça uma agenda, contendo os principais objetivos e desafios a serem discutidos nessa reunião; os governantes presentes, então, levam consigo outros temas que consideram relevantes para a discussão, votam e consolidam em comum acordo as promessas para suas políticas internas e os objetivos de cooperação com os outros Estados-membros a serem seguidos naquele ano de trabalho.
Entre os mais diversos propósitos do grupo, a CELAC adotou os objetivos comuns de desenvolvimento e direitos humanos como meta consolidada, conforme projetados pelos programas de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU), tendo designado fundos coletivos para sanar problemas comuns na região, principalmente em países mais pobres que mais sofrem com crises humanitárias e catástrofes naturais (México, 2021). Desde 2011, o bloco assumiu uma responsabilidade com os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) por meio de sua cúpula constitutiva, prometendo aprofundar a cooperação e a implementação de políticas econômicas e sociais, para: alcançar a igualdade a nível regional, superar o subdesenvolvimento, aumentar a capacidade de ação coletiva do grupo, a representação internacional e enfrentar os desafios globais comuns da contemporaneidade (CELAC, 2011).
A partir de 2015, o prazo para a conclusão dos ODMs foi encerrado e as Nações Unidas optaram por uma agenda mais ambiciosa e abrangente, o que ficou conhecido como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, incluindo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), 169 metas e 255 indicadores que permitem acompanhar o progresso de cada país por meio de estatísticas relativas, implicando maiores responsabilidades aos países mais desenvolvidos, principalmente por meio do ODS 17 [Parcerias e Meios de Implementação] (AGNU, 2015). A CELAC, prontamente a partir de sua cúpula de 2016, declarou a Agenda 2030 e seus 17 ODSs como prioritários para o bloco, sendo que todos os seus membros concordaram em expandir as parcerias e a atuação conjunta em busca de financiamentos internacionais justos para concluir as metas de desenvolvimento sustentável (CELAC, 2016).
No entanto, várias questões surgem à tona ao observarmos as declarações do bloco e a possibilidade de conclusão das metas estipuladas, principalmente ao se levar em consideração o baixo nível de institucionalidade e subsequente baixa capacidade de enforcement. Desde 2016 até 2023, a CELAC produz documentos relacionados direta ou indiretamente aos ODSs, posteriormente confirmados como compromissos pelos líderes nas assembleias anuais, ressaltando alguns temas particularmente mais sensíveis na ALC, como: a questão do tráfico internacional de mercadorias ilícitas, de armas e de drogas, a do combate à corrupção e a do estabelecimento da América Latina como uma zona internacional de paz, inclusas no ODS 16 [Paz, Justiça e Instituições Eficazes]; a questão da fome e da segurança alimentar, inclusas no ODS 2 [Erradicação da Fome]; a questão das desigualdades sociais, inclusa nos ODSs 1 [Erradicação da Pobreza], 5 [Igualdade de Gênero] e 10 [Redução das Desigualdades]; e a questão do desenvolvimento sustentável, inclusa nos ODSs 7 [Energias Renováveis], 8 [Emprego Digno e Crescimento Econômico], 11 [Cidades e Comunidades Sustentáveis] e 13 [Combate às Mudanças Climáticas] (CELAC, 2016, 2017, 2021, 2023).
A ALC é uma região particularmente afetada por crises globais relacionadas às mudanças climáticas, à pobreza, à desigualdade e à violência. Além disso, enfrenta costumeiramente crises políticas, econômicas, transições ideológicas e dicotomias acentuadas que dificultam o alcance da Agenda 2030; ao mesmo tempo, a possibilidade de cooperação para concluir a Agenda torna a região um cenário propício para se verificar a eficácia das metas ao passo das transformações no âmbito do desenvolvimento que propõe; além disso, a resiliência da integração latino-americana é colocada à prova diante dos objetivos estabelecidos pelas Nações Unidas, pelo qual podemos observar pontos de maior facilidade de convergência, de divergências ou de dificuldades na hora de cumprir com as metas dos ODSs.
Com o intuito de observar o andamento da cooperação latino-americana e seus resultados nos últimos anos, selecionamos 3 objetivos em particular, destacados como prioridades pela CELAC no período 2017-2023, conforme os últimos relatórios especiais e declarações políticas: os ODSs 10, com relação à variação do índice de Gini, em que 0 representa igualdade absoluta e 100 representa desigualdade absoluta; 13, com relação à emissão de toneladas de CO2 per capita; e 16, com relação aos índices de corrupção, sendo 0 o pior e 100 o melhor, e de exportação de armas. Todas essas metas aglutinam algumas das principais preocupações do bloco, como desenvolvimento sustentável, redução das desigualdades sociais e cooperação econômica. Selecionamos 4 países para essa análise: Brasil, pois é a maior economia latino-americana e que esteve fora do bloco no período 2020-2022; México, segunda maior economia do bloco que reativou as cúpulas anuais da CELAC durante sua presidência pro tempore em 2021, paralisadas no período 2018-2020; Cuba, que sofre com um embargo econômico internacional e com catástrofes climáticas, mas apresenta relativo nível de desempenho social; e Haiti, uma economia pobre e um dos maiores destinos de pacotes de ajuda e atenção do bloco. (Sachs et al., 2017; Sachs et al., 2023)
O Brasil se destaca como maior economia da ALC, o que o coloca numa posição de liderança na CELAC, com exceção do período 2020-2022 em que se retirou do bloco em decorrência de uma decisão da administração Bolsonaro em desacordo com relação à participação da Venezuela, em uma crise democrática. O país assume uma posição de doador ou de credor para o desenvolvimento latino-americano, como parte de sua estratégia de liderança, principalmente partindo dos governos mais voltados à esquerda no país. Em 2017, o Brasil ocupava a 56ª posição no índice global dos ODSs, saltando para a 50ª no boletim de 2023. No ODS 10, o país avançou modestamente: o índice de Gini passou de 51,5 em 2017 para 48,9 em 2020. Com relação ao ODS 13, o país reduziu as toneladas de CO2 per capita de 2,5 em 2017 para 2,1 em 2021; esse dado, no entanto, pode não refletir diminuição específica de carbono, e sim queda na produção doméstica. No ODS 16, o Brasil piorou ligeiramente no índice de corrupção, regredindo de 40 em 2017 para 38 em 2022; e diminuiu a transferência de armas ao exterior, de U$1,3 milhões para cada 100.000 habitantes em 2017 para 0 em 2021. (Sachs et al., 2017; Sachs et al., 2023)
Em segundo lugar, o México, que desempenhou um papel significativo na revitalização da CELAC, paralisada desde 2018 sem realizar cúpulas periódicas nem encontros de grupos técnicos para discutir os problemas regionais. O México se encontrava na 58ª posição no ranking dos ODSs e declinou para a 80ª. No ODS 10, o índice de Gini melhorou de 48,2 em 2017 para 45,4 em 2020. No ODS 13, melhorou as emissões de carbono, de 3,9 toneladas de CO2 per capita para 3,2 em 2021. No ODS 16, melhorou um pouco no índice de percepção de corrupção, saltando de 30 em 2017 para 31 em 2022; com relação à transferência de armas ao exterior, se manteve em 0 nos dois períodos. (Sachs et al., 2017; Sachs et al., 2023)
Cuba se destaca enquanto um país de contrastes econômicos e pobreza relativa, sofrendo um embargo comercial e isolamento diplomático por potências estrangeiras. O país se encontrava na 29ª posição em 2017 e caiu para a 46ª em 2023, o que pode ter influência da crise pandêmica de 2019-2021, isolamento e subsequentes dificuldades econômicas. No ODS 10, não há dados disponíveis com relação ao índice de Gini e nem outros indicadores, impedindo uma comparação empírica. No ODS 13, a produção de CO2 per capita despencou de 3,5 toneladas para 2,0 em 2021; neste caso, a queda no índice também não significa maior contenção de carbono, podendo também significar menor produtividade em decorrência da crise econômica pós-pandêmica. No ODS 16, o país recuou no índice de percepção de corrupção, de 47 em 2017 para 45 em 2022; na exportação de armas, permaneceu em 0. (Sachs et al., 2017; Sachs et al., 2023)
Por fim, o Haiti aparece como um dos países mais pobres da ALC, sofrendo de altos índices de desigualdade, pobreza e desastres naturais e ambientais com relativa frequência que prejudicam seu desenvolvimento. No ranking dos ODSs, figurou na 152ª posição, de um total de 157 países em 2017, e apareceu na 152ª posição numa lista de 166 países em 2023. No ODS 10, teve uma única medição do índice Gini em 2012, de 41,1. No ODS 13, o país aumentou sua produção per capita de CO2 em toneladas de 0,2 em 2017, para 0,3 em 2021; nota-se que o Haiti é marcado, nas duas ocasiões, como tendo alcançado e concluído o ODS 13, mas ao mesmo tempo trata-se de um país pouco industrializado e que implica pouco resultado de carbono em sua produção doméstica. No ODS 16, o índice de corrupção piorou de 20 em 2017, para 13 em 2022; e a exportação de armas se manteve em 0 em ambos os ciclos. (Sachs et al., 2017; Sachs et al., 2023)
Essas informações foram coletadas para tentar traçar a ação da CELAC nos últimos anos diante de suas metas acordadas. Nas cúpulas de 2016, 2017, 2021 e 2022, as declarações finais apontaram o interesse coletivo dos países de avançar, entre outras, nas pautas de: redução das desigualdades sociais (ODS 10), redução das emissões de carbono em conformidade com o Acordo de Paris (ODS 13), redução da corrupção e aumento da transparência (ODS 16), diminuição da exportação e transferência de armas ao exterior e combate ao tráfico de armas (ODS 16). A partir dos dados coletados, observamos que pouco se avançou nos países selecionados, sendo os maiores destaques a redução das emissões de carbono em Cuba, o melhoramento da questão da desigualdade social no México e o corte na exportação de armas de maior impacto do Brasil ao exterior.
Não é possível concluir que a CELAC teve papel decisivo nos avanços ou nos retrocessos relacionados à conclusão da Agenda 2030 nesses países latino-americanos com base nos dados estatísticos destes relatório. No entanto, outros documentos dão pistas sobre o alcance do bloco. No que tange os ODSs 1 e 2, por exemplo, um boletim de 2020 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) mostra que a subnutrição esteve em queda na ALC desde o ano 2000 até 2011, e desde esse ano até 2018 se manteve estável; o impacto coletivo da pandemia de COVID-19 postulou um desafio à segurança alimentar na ALC, levando vários países que haviam superado a fome a sofrerem novamente com esse mal. Entre 2019 e 2020, a taxa de pobreza regional subiu de 30,3% para 34,7%, e a de pobreza extrema subiu de 11% para 13,5%. A pandemia, segundo a FAO, impactou os empregos, a produção e a distribuição de alimentos principalmente em países pobres e em desenvolvimento, como os latino-americanos. A CELAC, nesse quesito, não conseguiu desempenhar uma função de cooperação no âmbito alimentar, prevenção, contenção e reparação de danos da pandemia, pois houve regresso coletivo e pouca cooperação intrarregional diante as crises sanitária e econômica da pandemia; outrossim, conseguiu captar recursos coletivos para doar suprimentos de combate à pandemia para Cuba (México, 2021). Em um outro exemplo, no que tange o ODS 16, segundo um relatório sobre o tráfico internacional de armas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) de 2020, a ALC permanece como uma das maiores zonas internacionais de tráfico de armas, sendo o México, o Brasil e a Colômbia alguns dos maiores exportadores e importadores de armas ilegais em números absolutos conforme dados de apreensão realizados pelas polícias nacionais; alguns países como Argentina, Brasil, Equador e República Dominicana viram cair suas apreensões de armas no biênio 2016-2017, enquanto outros como Peru e El Salvador cresceram significativamente. (ONU, 2020)
Apesar das falhas ou da incapacidade de manter alguns dos acordos mais emblemáticos da CELAC, houveram conquistas. Em 2024, por exemplo, o Secretário-Geral das Nações Unidas parabenizou o bloco e seus esforços políticos pela consolidação da paz na Colômbia, o que pode ser incluído, sem um índice específico, nos ODSs 16 e 17. Ademais, na mesma declaração, celebrou a criação do Fundo Internacional da CELAC para as Mudanças Climáticas, que conta com apoio das Nações Unidas e de fundos de países desenvolvidos, e têm como destino a proteção, contenção e reparação de danos oriundos das mudanças climáticas; isso pode ser incluído nos ODSs 7, 13 e 17, sem um índice específico (ONU, 2024). Além disso, nos últimos anos, a CELAC também tem desempenhado uma função política coletiva ao instigar e pressionar os países mais desenvolvidos pela liberação de fundos justos para o combate às mudanças climáticas e à transição energética nos países latino-americanos, o que também contempla os ODSs 13 e 17. (CELAC, 2021, 2023)
Mesmo com a inconclusibilidade a partir dos índices, a CELAC possui um desempenho diplomático e político útil para a conclusão da Agenda 2030. Podemos observar que o bloco tem maiores contendas no caso dos países mais pobres e com mais dificuldades econômicas, como Cuba, Haiti e a maioria dos países caribenhos, que não se beneficiaram majoritariamente nos últimos anos de uma cooperação com a CELAC; isso indica limitações para a integração latino-americana, que não foi capaz de agir em conjunto para sanar problemas mais significativos, como a fome no Haiti (ODS 2). No entanto, é preciso ater-se a informações que não estão nos índices relatoriais e que marcam uma atuação expressiva do bloco na esfera política internacional e mesmo na cooperação regional, cujos indicadores não contemplam a totalidade. A pressão pelos processos de paz na Colômbia marcam um resultado prático. A fixação e reafirmação constante da América Latina como uma zona internacional de paz desempenhou um papel relativamente útil, como se nota na ausência de grandes conflitos na região, mas ao mesmo tempo há a presença de violências múltiplas, nacionais e transnacionais.
Há um potencial de que o bloco seja representante pragmático do desenvolvimento sustentável na ALC, mas ao mesmo tempo seria necessário avançar na institucionalização organizacional para garantir o poder de enforcement da CELAC: que estruturas técnicas sejam estabelecidas com função de monitoramento, que compromissos sejam instituídos com características de tratados ou então fundos e agências sejam criados com compromissos vinculantes que englobem trocas tecnológicas e de experiências sociais, políticas, culturais, diplomáticas, ambientais e econômicas para se alcançar resultados tanto na integração regional quanto na conclusão da Agenda 2030.
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