“Os desafios do regionalismo em um mundo em mudanças” foi o tema do Terceiro Congresso Latino-americano de Integração Regional do Grupo de Reflexão sobre Integração e Desenvolvimento na América Latina e Europa (GRIDALE) que ocorreu em São Paulo nos dias 14, 15 e 16 de junho de 2023. Dando início ao evento, na Abertura no dia 14, o coordenador do GRIDALE, Prof. Dr. Edgar Vieira Posada (Universidad Cooperativa de Colombia), apontou em sua fala que são enormes os desafios a serem resolvidos para retomar a integração na América Latina, que se encontra “parada e sem direção”. De acordo com o Prof. Vieira Posada, 

“A falta de institucionalização dos processos continua afetando seriamente sua governabilidade e eficiência, diante de um presidencialismo forte na maioria dos países, que não alcança compromissos consensuais de integração multidimensional em soberania compartilhada; que, sem ideologizar a integração, tenham apoio e respaldo com políticas estatais estáveis e permanentes, em vez de políticas governamentais de curto prazo e sem continuidade.

Imagem 1 – Coordenador do GRIDALE, Edgar Vieira Posada na Abertura do Congresso.

Fonte: Assessoria de Imprensa da UNESP.

Da mesma forma, a decisão política de finalmente fazer convergir os diferentes programas de liberalização comercial acordados nos variados processos de integração na América Latina em um único espaço comercial latino-americano, que ajudaria na recuperação econômica da região, continua sendo uma tarefa que precisa ser resolvida.”

Durante o evento, um dos pontos centrais debatidos pelos mais de 50 acadêmicos latino-americanos e europeus presentes foi o da perenidade dos esforços regionais no mundo, tendo como fator crítico o discurso de ideologização do regionalismo pelos governos globais.

Em primeiro lugar, e como bem lembrou em sua fala a Prof. Dra. Miriam Gomes Saraiva (UERJ) durante o painel de abertura, o regionalismo não é um projeto exclusivo dos governos de esquerda, destacando que foi a gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC), no Brasil, que deu início aos processos de aproximação entre os países sul-americanos em meados dos anos 1990. Inclusive, levando em consideração a atuação de Lula da Silva no Brasil em convocar a retomada das reuniões de Presidentes Sul-Americanos em Brasília no final de maio deste ano, lembrou-se que tal espaço de diálogo foi pela primeira vez convocado por FHC no ano 2000. 

Em segundo lugar, reforçou-se, pelos inúmeros estudos e trabalhos apresentados, que o regionalismo, como instrumento para o desenvolvimento, não somente econômico, como cultural e sócio-ambiental, não deve ser ferramenta de ideologias nem de partidos, mas sim do povo! 

Entre os aspectos nos quais o regionalismo pode e deve contribuir estão os problemas das mudanças climáticas, e, pensando a América Latina, a proteção e preservação da Amazônia. Frente a esse tema tivemos o Painel “Brasil, Amazônia e a nova política de integração”, composto por: Adriana Abdenur (Assessora Especial do Presidente da República) e Karina L. P. Mariano (UNESP), presidido por Janina Onuki (USP) e com comentários de Miriam Gomes Saraiva (UERJ).

Imagem 2 – Composição do Painel 1 “Brasil, Amazônia e a nova política de integração”.

Fonte: Assessoria de Imprensa da UNESP.
Descrição da Imagem (da esquerda para a direita): Profa Dra. Miriam Gomes Saraiva (UERJ), Dra. Adriana Abdenur (AESPPR), Profa. Dra. Karina L. P. Mariano (UNESP), e Profa. Dra. Janina Onuki (USP).

Durante este primeiro painel, a convidada Adriana Abdenur apresentou as prioridades do atual governo brasileiro de Lula para com o regionalismo, a América Latina e o meio ambiente. Segundo Adriana, o Brasil não busca liderar o processo regional sozinho, mas sim auxiliar na reaproximação dos países do continente, em uma “liderança compartilhada” para retomar os espaços de diálogo e cooperação sul e latino-americanos.

Diante das dificuldades recentes na ausência de espaços regionais ativos e efetivos para conformar esforços conjuntos para problemas comuns, como ocorreu durante a pandemia da Covid-19, as Profas. Dras. presentes no Painel destacaram a importância da institucionalidade e da legitimidade desses espaços para atuar e promover consensos. 

Nesse sentido, é interessante destacar que um dos eixos que o GRIDALE vem trabalhando, desde sua criação em 2018, é o da institucionalidade. Retomando as palavras do Prof. Dr. Vieira Posada durante a abertura, um dos principais desafios para reconfigurar a integração latino-americana na atualidade é o de “organizá-la institucionalmente como um bloco, dar-lhe maiores condições de negociação para melhorar sua inserção internacional em um mundo cada vez mais multipolar e complexo”. Para isso, novamente, destacou que é necessária “uma ação efetiva e sustentada dos governos latino-americanos, que, ao se livrarem de tanta ideologização e de tanta desunião, assumirão compromissos fundamentais para que a integração volte a contribuir para o nosso desenvolvimento e para a nossa melhor inserção no mundo”. 

Durante os 3 dias de congresso, os cinco (5) Grupos de Trabalho (GTs) do GRIDALE estiveram em intenso debate e troca de conhecimentos, sendo esses: GT1 – Instituições e mudanças nos acordos de integração regional latino-americana; GT2 – Harmonização de políticas para integração multidimensional e desenvolvimento sustentável; GT3 – Melhorar a governança global e aprofundar a governança multinível; GT4 – O marco multilateral como ferramenta para a integração da ALC em um sistema multipolar; e GT5 – O futuro da União Europeia: potencialidades e desafios.

  Imagem 3 – Composição dos Grupos de Trabalho do GRIDALE.

Fonte: Website do GRIDALE.

Vale apontar que o GT5 foi instituído recentemente para propiciar também um espaço para refletir e discutir sobre os atuais desafios do processo de integração europeu, levando em consideração as diferentes crises e tensões que a União Europeia enfrentou nos últimos anos: as crises migratórias, o processo do BREXIT, o enfrentamento da Covid-19, a guerra na Ucrânia e a ascensão da extrema direita em diferentes governos europeus.

Através desses grupos de trabalho, busca-se refletir sobre diversos temas e necessidades da região e do mundo, e qual o papel do regionalismo para superar os atuais desafios da humanidade, entre eles: 1. o desenvolvimento sustentável por meio de políticas públicas de saúde e educação; 2. a promoção de empregos com mecanismos de segurança social e políticas migratórias comuns; 3. o compromisso com o meio ambiente, a mudança climática e a renovação energética; 4. uma integração multidimensional apoiada em uma institucionalidade renovada para a integração latino-americana; 5. a promoção do desenvolvimento e incorporação das novas tecnologias digitais nas cadeias produtivas regionais; 6. defesa da democracia nos governos latino-americanos e 7. a inclusividade – no intento de se criar uma cultura integracionista e uma identidade latino-americana para além das diferenças existentes no continente. 

Dessa forma, e de acordo com o coordenador do GRIDALE, já durante o painel de encerramento, o trabalho do grupo “se estende aos diferentes continentes e cumpre sua responsabilidade central como um

think tank acadêmico”. Além de já ter publicado mais de dezoito (18) livros em seus seis anos de existência, o GRIDALE promove diversos canais intrarregionais e birregionais para o diálogo e cooperação científica.

Imagem 4 – Coleção de Livros GRIDALE 

Fonte: Para saber mais acesse o site do GRIDALE.

Uma vez mais, apesar dos atuais desafios do regionalismo no mundo, seja pelas mudanças governamentais, por crises nacionais, entre outros, é importante incentivar um processo de aproximação de baixo para cima, que inclua a sociedade latino-americana. Afinal o regionalismo não é dos governos, mas sim de e para o povo!

Escrito por

Bárbara Carvalho Neves

Doutora e Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais - San Tiago Dantas. Bolsista FAPESP (20/04348-5).
Colaboradora do Laboratório de Novas Tecnologias de Pesquisa em Relações Internacionais (LANTRI), do Grupo Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Grupo de Reflexión sobre Desarrollo y Integración en América Latina y Europa (GRIDALE).
Áreas de Interesse: Política Externa Brasileira, Regionalismo Sul-Americano, Instituições Regionais, Integração em Infraestrutura, IIRSA e COSIPLAN.
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