No último dia 07 de outubro ocorreu o primeiro turno para as eleições presidenciais no Brasil. Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), e Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), farão parte de um novo pleito nos próximos dias, pois foram os dois candidatos mais votados com 29 e 46% dos votos válidos, respectivamente.

Com o intuito de continuar analisando este momento crucial para o futuro do país e dando seguimento à análise do Observatório de Regionalismo (ODR) através da publicação do “Dossiê – Política Externa e Regionalismo nas Eleições 2018”, o objetivo do presente texto é apontar as características da agenda internacional dos dois candidatos procurando verificar brevemente quais serão possíveis mudanças nas diretrizes brasileiras para suas políticas integracionistas e regionais, dependendo dos resultados das urnas.

O Plano de Governo de Haddad intitulado “O Povo Feliz de Novo” traz logo no seu início a seção “Soberania nacional e popular na refundação democrática do Brasil” com uma parte voltada ao debate sobre soberania nacional e política externa altiva e ativa. Este último termo foi a marca do ex chanceler Celso Amorim durante os governos Lula, o que já demonstra que Haddad pretende dar continuidade às diretrizes anteriores. E quais são elas? Fortalecimento da integração em suas vertentes latino e sul-americanas, havendo menção à CELAC, UNASUL e MERCOSUL. Fortalecimento do multilateralismo, enfatizando-se o IBAS, BRICS, G-8, G-20 e ONU, além do estímulo ao diálogo com os países africanos e à cooperação sul-sul. Por fim, estímulo às políticas de defesa de forma autônoma e com menos dependência, havendo referência ao Conselho de Defesa da UNASUL.

Em termos específicos, no plano de Haddad há uma crítica direta ao governo de Donald Trump nos Estados Unidos dizendo que este “esvazia” os organismos multilaterais. China, Cuba e Venezuela passam em branco e não são mencionadas. Sobre Nicolás Maduro e o governo da Nicarágua, Haddad chegou a afirmar publicamente não serem democracias plenas, mas nada muito contundente.

Por sua vez, o Plano de Governo de Bolsonaro intitulado “O Caminho da Prosperidade” não apresenta um debate direto às questões internacionais e regionais, mas certas diretrizes encontram-se descentralizadas pelo documento e merecem ser mencionadas aqui. Em primeiro lugar, há uma crítica permanente à “esquerda”, ao comunismo e ao legado do PT no geral e, especificamente, no trato das relações internacionais e regionais, o que fica muito visível nas alusões ao Foro de São Paulo. Ademais, Bolsonaro defende o fortalecimento das forças armadas para assegurar e aumentar a soberania nacional, não se sabendo ao certo como isso deverá ser feito. Em seção denominada “O Novo Itamaraty”, é demonstrada preferência liberal no estímulo ao comércio exterior e internacional através da redução de tarifas e barreiras não-tarifárias, bem como a busca pelo aprofundamento da integração com “todos os irmãos latino-americanos” livres de ditaduras. Por fim, o que parece bem evidente é a busca por laços bilaterais, havendo menção direta a Estados Unidos, Israel e Itália.

             Realizados os apontamentos, temos mais semelhanças ou divergências em termos de relações internacionais do Brasil entre Haddad e Bolsonaro? Evidentemente, mais diferenças, sendo a principal delas a seguinte: enquanto o candidato do PT tem clara preferência pelo multilateralismo, o do PSL enfatiza as relações bilaterais. O maior exemplo dessa afirmação está na seguinte frase de Bolsonaro: “Se eu for presidente, eu saio da ONU, não serve para nada esta instituição.”, pois as Nações Unidas representam a maior organização internacional com mais de 190 países. Sobre esse ponto, é factível observar que a ênfase majoritária em acordos bilaterais vai de encontro com as diretrizes propostas no Artigo 4º, Parágrafo Único, da Constituição Brasileira de 1988, na qual consta: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”. A palavra “comunidade” já nos dá a ideia de relação multilateral e não somente bilateral.

            Há relativa e distante consonância entre as duas propostas governamentais em termos de aumento e fortalecimento da soberania nacional. Haddad mostra preferência pelo discurso em torno da autonomia brasileira em busca de maior projeção internacional e regional, enquanto Bolsonaro foca nas forças armadas e no controle de fronteiras. Como já temos a experiência prévia do governo Lula, sabe-se com maior precisão o que esperar do PT. Já de Bolsonaro, só incertezas.

Mesmo prevalecendo as dúvidas, quais serão as possíveis mudanças nas diretrizes brasileiras para suas políticas integracionistas e regionais? Com Haddad haverá um maior acumulado histórico da diplomacia brasileira com multilateralismo, ação regional cooperativa e estímulo a parcerias estratégicas. Com Bolsonaro haverá uma quebra nessa ótica, pelo menos em tese. Na prática ambos os candidatos terão que transformar certas diretrizes internacionais e regionais. Ao PT cabe verificar o papel chinês e mexicano, como também dialogar com a Aliança do Pacífico sem deixar em segundo plano o MERCOSUL. Ao PSL cabe esperar com bastante parcimônia, pois o Brasil perderá barganha se quebrar canais de diálogo historicamente consolidados por meio de política de Estado e não de governo.

Não há inserção internacional brasileira sem o olhar atento e em conjunto aos outros países da região. A Argentina já demonstra certa preocupação com o futuro político brasileiro, não sabendo ao certo qual posição adotar. No Uruguai, o presidente Tabaré Vázquez pediu cautela e disse para sua equipe não adentrar em assuntos internos do Brasil. Já no Paraguai, analistas divergem sobre as distintas possibilidades após o segundo turno das eleições, mas há preocupação, porque o Brasil é seu principal sócio comercial e uma política mais protecionista seria prejudicial ao vizinho.

Por fim, destacam-se os compromissos que o novo presidente brasileiro terá já em 2019: participar do Fórum Econômico Mundial, da cúpula anual do G-20 e da Conferência da ONU sobre o Clima (COP-25), além de assumir a presidência dos BRICS, do MERCOSUL e da UNASUL. Com Haddad isso será mantido. Com Bolsonaro haverá espaço majoritário para as relações bilaterais em detrimento das multilaterais? Improvável, mas nos resta esperar.

Escrito por

Cairo Junqueira

Professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sergipe (DRI/UFS). Doutor em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Mestre em Relações Internacionais, com ênfase em Política Internacional e Comparada, pela Universidade de Brasília - Instituto de Relações Internacionais (UnB/IREL). Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista - Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Franca (UNESP/FCHS). Foi Pesquisador Visitante junto à Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de Buenos Aires (UBA) - PPCP/Mercosul/CAPES. Atualmente é membro do Observatório de Regionalismo (ODR) vinculado à Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI) e do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPPs), além de ser colaborador do Projeto de Extensão "Internacionalização Descentralizada em Foco" (IDeF). Por fim, é coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional e Sul-Americana (GP-SUL) com as seguintes linhas de interesse: Instituições Internacionais, Integração Regional e Paradiplomacia.