Artigo por: Carlos Frederico Pereira da Silva Gama – Professor Visitante, Al Akhawayn University in Ifrane (Marrocos). Professor de Relações Internacionais, Universidade Federal do Tocantins.
___________________________________________________________________
Em 21 de Maio de 2019, os representantes escolhidos na eleição geral de 28 de Abril tomaram posse no Parlamento espanhol. Pedro Sánchez (Partido Socialista) renovou seu mandato como primeiro ministro (cargo que ocupa desde Julho de 2018). Ao mesmo tempo, cinco líderes do referendo de independência da Catalunha (Outubro de 2017) foram liberados da prisão para poder tomar posse.
Ao fim da semana, essas tendências se encontraram nas eleições europeias de 26 de Maio de 2019.
No continente cingido pela controvérsia em curso do Brexit[1] e pela ascensão do populismo radical[2], os socialistas espanhóis contribuíram numa coalizão de partidos majoritariamente pró-integração. O líder do referendo catalão, Carles Puigdemont, concorreu a vaga no Parlamento europeu desde seu exílio em Bruxelas, por uma aliança de partidos que propugna uma Europa de regiões[3].
A extrema-direita – integrando governos na Itália, Áustria, Hungria e Polônia – buscou ampliar ganhos eleitorais recentes. Na Espanha, o jovem partido Vox obteve mais de 2 milhões de votos em Abril. No Reino Unido, o recém-criado Brexit Party de Nigel Farange liderou prévias europeias. Esse grupo, no dizer do vice-primeiro ministro italiano Matteo Salvini (Lega Nord), deseja fazer o relógio da integração retroceder ao Tratado de Maastricht (1992) – qual seja, para uma Europa de estados[4].
Essas tendências se materializaram em fins de Maio, ao refletir o desejo das urnas. Na Espanha os socialistas venceram as eleições para o Parlamento Europeu – sem, no entanto, lograr maioria. O exilado Puigdemont e o encarcelado Oriol Junqueras foram eleitos eurodeputados e sua posse dependerá de tribunais comunitários. No Reino Unido, o Brexit Party obteve vitória consistente, em contraste com o declínio de trabalhistas e conservadores (Theresa May anunciou sua renúncia à liderança do partido, marcada para 7 de Junho). Na Itália, a Lega Nord foi a grande vencedora. Na França, Emanuel Macron perdeu uma disputa apertada com a extrema-direita de Marine Le Pen. Na Alemanha, a democracia cristã de Angela Merkel venceu, mas com menos força em relação a 2014.
As linhas de separação entre as forças políticas são nítidas, numa Europa postada na encruzilhada. Um fragmentado Parlamento europeu será dividido entre quatro grupos de tamanho similar: os conservadores, os liberais, os socialistas e o amálgama da extrema-direita e do populismo[5].
O aprofundamento da integração via instituições de Bruxelas se choca com diversos movimentos centrífugas – microcosmos das tendências globais. Na Espanha, o governo minoritário socialista foi sucessor de oito anos de governos do Partido Popular (conservador) entre 2011 e 2018, até que seu líder e primeiro-ministro Mariano Rajoy fosse destituído na esteira de um escândalo de corrupção.
As urnas revelaram um eleitorado consistentemente dividido e uma Espanha às voltas com questões políticas que não se moveram no século 21. 11 milhões de pessoas votaram nos partidos de direita nas eleições gerais de 2016 e 2018[6] e os votos para a esquerda oscilaram entre 10 e 11 milhões[7]. Não houve transferência significativa de votos entre os polos do espectro político.
Essa divisão é também nítida em outras dimensões da vida social. Na última década, os países da União Europeia recuperaram os níveis de emprego anteriores à crise de 2018[8]. No entanto, a recuperação econômica na Espanha ocorreu em meio a assimetrias consideráveis. Por um lado, o número de contratos de trabalho indefinidos parou de crescer pela primeira vez em 60 meses, indicando um fortalecimento da precarização[9] que pode ter favorecido os socialistas. Por outro lado, a recuperação econômica manteve disparidade regional notável. As regiões do Norte tiveram níveis de desemprego compatíveis com a média europeia, já as do Sul se encontram fortemente acima – no caso da Extremadura, com taxas (24%) entre as maiores do continente[10].
Nesse contexto, a busca da Catalunha – uma da regiões mais ricas – por redefinir suas possibilidades para além dos limites das comunidades autônomas não é um evento surpreendente. A realização do referendo catalão catalisou crises simultâneas na Espanha e União. Temerosa de uma onda de consultas populares secessionistas na Europa, Bruxelas apoiou o governo Rajoy na invalidação do pleito e na prisão de seus principais organizadores. Ao mesmo tempo, concedeu asilo a Puigdemont.
O início do julgamento de 12 líderes independentistas no Supremo Tribunal espanhol em Fevereiro de 2019 colocou em relevo questões-chave da democracia espanhola e trouxe multidões às ruas em Barcelona e Madrid, lideradas por diferentes partidos. O mandato de Sánchez foi interrompido pela não-aprovação de sua proposta orçamentária nas Cortes. O governo socialista – coligado a outras forças de esquerda (Podemos), dependente do apoio de partidos independentistas – convocou eleições gerais, buscando nova maioria. As urnas, porém, mantiveram a configuração do governo.
Capturada entre processos de reterritorialização e desterritorialização característicos das relações sociais na Modernidade[11], a Europa renegociou nas urnas comunitárias fronteiras entre diferentes níveis de atividade social[12]. Na Espanha, se entrecruzaram diferentes dimensões da complexidade que articula o local e o global. Em busca da governança possível num sistema internacional em mutação, a contestada democracia teve mais uma chance de oferecer respostas ao enigma: Europa?
________________________________________________________________________
NOTAS REFERENCIAIS
[1] Gama, C. F. P. S. (2019). “A Window upon Constraints: Three Years after Popular Vote, the UK still requests further Brexit delays”. CERES. Disponível em: https://nemrisp.wordpress.com/2019/04/25/a-window-upon-constraints-three-years-after-popular-vote-the-uk-still-requests-further-brexit-delays/. Acesso em: 25 de Abril de 2019.
[2] Norris, P. & Inglehart, R. (2019). Cultural Backlash: Trump, Brexit, and Authoritatian Populism. Cambridge: Cambridge University Press.
[3] Galvez, J. J. (2019). “El Constitucional rechaza los recursos de Cs y PP contra la candidatura de Puigdemont a las europeas”. El País, 9 de Maio de 2019. Disponível em: https://elpais.com/politica/2019/05/09/actualidad/1557392663_438677.html. Acesso em: 9 de Maio de 2019.
[4] Rossi, S. & Balmer, C. (2019). “Italy’s Salvini says EU vote will lead to big changes in Europe”. Reuters, 17 de Maio de 2019. Disponível em: https://www.reuters.com/article/us-eu-election-salvini/italys-salvini-says-eu-vote-will-lead-to-big-changes-in-europe-idUSKCN1SN25D. Acesso em: 17 de Maio de 2019.
[5] “Elecciones Europeas”. El Pais, 30 de Maio de 2019. Disponível em: https://elpais.com/tag/elecciones_europeas/a . Acesso em: 31 de Maio de 2019.
[6] Ferrer, L. (2019). “Más de Tres Milliones a CS y Vox”. La Razón, 30 de Abril de 2019, pp. 28A.
[7] Ibid.
[8] EUROSTATS (2019). Newsrelease – Euro Indicators, 37/2019. Disponivel em: https://ec.europa.eu/eurostat/documents/2995521/9628005/3-01032019-BP-EN.pdf/fdee8c71-7b1a-411a-86fa-da4af63710e1. Acesso em: 1 de Março de 2019.
[9] Segóvia, C. (2019). “Cae la contratación indefinida en España por primera vez desde la salida de la crisis”. El Mundo, 5 de Março de 2019. Disponível em: https://www.elmundo.es/economia/2019/03/05/5c7d811f21efa010598b4579.html. Acesso em: 5 de Março de 2019.
[10] Magallón, E. (2019). “La brecha laboral entre el norte y el sur en Europa se enquista“. La Vanguardia, 5 de Maio de 2019. Disponivel em: https://www.lavanguardia.com/economia/20190505/462040130080/eurostat-paro-desempleo-extremadura-praga-recuperacion-economica.html. Acesso em: 5 de Maio de 2019.
[11] Santos, M. (1996). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec.
[12] Hooghe, L. & Marks, G. (2013). “Unraveling the Central State, but How? Types of Multi-level Governance”. American Political Science Review, 97(2), (2013), pp. 233–243.