Imagem: UASB-Equador, foto por @caeiecuador
Beatriz Ghazarian Cavalcante de Lima

Graduanda em Relações Internacionais pela Unesp – campus de Franca, foi membro do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança (GEDES) entre 2018 e 2019. Tem interesse pelas seguintes áreas: Estudos de Segurança Internacional; Regionalização; alargamento da União Europeia; política no Oriente Médio. E-mail: bgcdl28@gmail.com

Matheus Bittencourt de Amorim

Graduando em Relações Internacionais pela Unesp – campus de Franca, membro do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas (NEPPs). Tem interesse pelas seguintes áreas: Atuação Internacional de Cidades; Paradiplomacia; Tecnologia nas Relações Internacionais; Cidades Inteligentes. E-mail: matheus.bdeamorim@gmail.com 

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A Comunidade Andina de Nações (CAN) representa um expoente na construção de instituições regionais no contexto da integração latino-americana. Formada inicialmente por Colômbia; Chile; Bolívia; Equador e Peru sob a denominação de “Pacto Andino”, no ano de 1969, a Comunidade empreendeu, em comparação a outros mecanismos, um rápido avanço institucional, vide a criação de órgãos de caráter supranacional e de representações intergovernamentais na composição de seu quadro burocrático[1].  Tendo como premissa tal originalidade desde sua criação, este artigo visa compreender o papel da CAN no florescimento de instituições que compreendem a integração regional a partir de uma perspectiva diferente das teorias de integração tradicionais, as quais valorizam eixos político-econômicos em detrimento dos sociais. Mais especificamente, buscar-se-á analisar o papel da Universidad Andina Simón Bolívar (UASB)  para a conformação do processo de integração da sub-região andina. 

A UASB foi criada em 1985 em Bogotá, por meio de  decisão do Parlamento Andino, como parte do projeto de integração. Prevista desde o Acordo de Cartagena e do Compromisso de Trujillo como elemento constitutivo do Sistema de Integração Andino (SAI), a UASB foi constituída com apoio técnico da UNESCO, tendo por objetivo agregar ao projeto integrativo a educação como “mecanismo efetivo”, além de visar o “fortalecimento de uma consciência social, ambiental  institucional, de solidariedade e apoio mútuo”. 

A Universidade conta com duas sedes: a sede acadêmica central em Sucre (Bolívia) e outra em Quito (Equador)[2], além de escritórios nos demais países andinos membros da organização. Dispondo de relativa autonomia e caráter internacional, busca-se, segundo sua carta constitutiva, não só concentrar esforços em desenvolver estudos e formar especialistas em matéria de Integração Latino-Americana, como também estender a rede de pesquisa e a produção de conhecimento tecnológico e científico para outros países da região, o que é reafirmado em seu Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (2015-2020), que cita inclusive a iniciativa sul-americana UNASUL como horizonte de cooperação[3]

Dito isso, cabe analisar de que forma os princípios arregimentados  poderiam contribuir para o projeto proposto e, posteriormente, verificar o quanto esses  princípios são capazes de formar um sentimento de pertencimento andino e viabilizar a formação de burocratas para a operação do processo de regionalização. Desta forma, a fim de compreender o papel da educação superior na integração regional, propõe-se com este artigo examinar brevemente como as atividades desempenhadas pela UASB  têm contribuído para o avanço da integração da sub-região trinta anos após sua criação. A partir de uma análise dos documentos protocolares de intenção da Universidade como a Resolução de Criação da instituição e o Plano Estratégico de Desenvolvimento Institucional (2015-2020), serão investigados dois temas produzidos e discutidos no seio dos próprios objetivos da UASB: o fomento ao espírito da integração cultural e a especialização para a formação e reflexão sobre os dilemas da comunidade.

Neste contexto, a UASB tem se mostrado uma alternativa no modo de conceber a integração regional, uma vez que ao incluir o tema da educação a este processo, é possível vislumbrar uma alternativa que avance o entrosamento entre seus membros. Isso significa que há um movimento que parte da integração da educação para a integração via educação como distingue Larissa Rosevics: 

“Enquanto a integração da educação ocupa um papel secundário e complementar dentro de um processo de integração regional em que o projeto econômico é tido como objetivo central, em um processo de integração em que os projetos político e sociocultural sejam centrais a integração via educação passa a ser priorizada, a partir da necessidade de construção de uma consciência social regional integradora.” (ROSEVICS, 2015, p. 32).

Neste caso, verifica-se que a Universidade investe de forma consistente, nos últimos anos, na integração, especialmente através de programas de pós-graduação, onde há um intercâmbio de nacionalidades e conhecimentos sobre a região – por meio da formação de corpo técnico. Essa iniciativa converge com o que se entende por integração via educação – e aproxima ainda mais o princípio de autonomia com o da “participação dos povos em seu próprio destino” que a UASB propõe, como expõe Rosevics:

“As políticas de integração via educação buscam integrar os indivíduos dos Estados a partir da educação através da criação de espaços coletivos de conhecimento e reconhecimento mútuo, construídos com o objetivo de encontrar soluções próprias aos problemas regionais que existam previamente ou que possam vir a existir a partir do aprofundamento da dinâmica integracionista.” (ROSEVICS, 2015, p. 32).

Desta forma, a educação pode ser um elemento co-constitutivo da integração, justamente por sua “natureza” (RICOBOM, 2010). Não se trata apenas de uma coordenação das políticas regionais, da internacionalização de universidades e pesquisadores e de diretrizes comuns para a educação básica e superior; mas da confluência a partir da convivência e do compartilhamento de signos de uma identidade que se constrói e se projeta. O que se observa no caso da CAN, portanto, é a proposta de uma integração global, que além de manter um viés econômico e político, propõe se desenvolver pela educação compartilhada. Como resultado, representa um avanço na construção de processos identitários e políticos comuns. Assim, a criação de uma Universidade[4] pensada e projetada para a integração pode ser um passo importante e alternativo para estimular essa etapa da integração autêntica e particular Andina. (RICOBOM, 2010).

Para além dos resultados percebidos no campo da construção de identidades e no avanço institucional,  a UASB se propõe a produzir conhecimento sobre os países membros da organização e suas particularidades, assim como as singularidades da sub-região. Desarte,  ao promover um espaço único e propício à discussão de distintos modos de construir a integração, tende-se a agregar ao corpo tecnocrata o papel de futuro condutor do processo de integração regional, haja vista o compartilhamento intersubjetivo de valores, ideias e crenças vivenciadas e construídas durante a formação, pesquisa e convivência dos futuros técnicos formados nestes espaços.   

Assim, verifica-se que a participação da educação no processo de integração contribui de modo significativo, uma vez que produz os futuros tomadores de decisão da região e estes, por sua vez, difundem o conhecimento e ideais produzidos para outros órgãos de outras áreas participantes do processo de integração, tornando o processo co-constitutivo – ou seja, o investimento em educação não é difuso como aparenta ser. 

Tendo em vista o conjunto de características estruturais comuns aos países da região, é perceptível que o aspecto econômico é predominante, principalmente manifesto na busca pelo crescimento e inserção internacional. Aliado a isso, o peso dos arranjos políticos é significativo na tomada de decisões, tornando o processo de integração – que envolve a confluência de expectativas e aumento dos fluxos de contato – ainda mais tortuoso. Entretanto, é possível pensar a educação como uma área propícia ao avanço da integração, pois, apesar de exigir investimentos e seu retorno  ser de longo prazo, tende a ser menos politizada do que outras áreas, por ser uma temática que não diretamente remete à soberania nacional como outros temas mais sensíveis, tais como defesa e segurança; e políticas econômicas/comerciais (THEODORO LUCIANO; BRESSAN, 2017)

A educação oferece, portanto, importante contribuição para o processo, seja através da difusão de conhecimento ou pela possibilidade da construção coletiva de identidade autêntica, ou seja, não reproduzida de outras regiões. Conhecidas algumas particularidades da região anteriormente expostas, o avanço em agendas como esta se constituem um desafio, fazendo-se necessárias mais investigações que proponham caminhos e possíveis alternativas que transponham as dificuldades conhecidas, tendo como exemplo o interesse nacional em detrimento do coletivo, além de projetos calcados em políticas de governo que se deterioram no longo prazo, dentre outros.

Uma breve reflexão sobre o caso da CAN a partir da UASB pode demonstrar que existem possibilidades de investigações mais sistemáticas e profundas de mecanismos que não possuem grande grau de politização e, por sua vez, viabilizem alternativas próprias à América Latina, para não apenas a construção de identidade, mas também com intuito de entender como a integração via educação pode auxiliar no avanço da discussão em campos menos consensuais. Assim, muito mais do que o simples compartilhamento de informações e ganhos de mercado, a integração evolui ao demonstrar que pode ser um meio de compartilhamento de conhecimento.

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NOTAS:

[1] Ainda assim, destaca-se que, mesmo que seja um marco na criação de instituições, é discutível a efetividade destes arranjos pois a simples existência de órgãos não corresponde em si ao sucesso da aproximação regional. Sobre isso, ver: MARIANO, K. L. P.; BRESSAN, R. N.; LUCIANO, B. T. . Eleições diretas no Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional. Carta Internacional (USP), v. 11, p. 245, 2016.

[2] Ver “Plan Estratégico de Desarollo Institucional 2015-2020” (Princípios Institucionales).

[3] Um dos princípios institucionais do Plano versa sobre a “Integração Andina e Sul-Americana” e destaca o compromisso em “promover e fazer avançar a integração regional no contexto da CAN e da UNASUL”.

[4] Em conformidade com WENDT(1992) a identidade pode ser  o principal elemento construtor dos  interesses dos atores internacionais. 

BIBLIOGRAFIA:

ALMEIDA, Larissa Rosevics de. O Mercosul Educacional e a criação da Unila no início do século XXI: por uma integração regional via educação. 2015. 149 f. Tese (Doutorado) – Curso de Instituto de Economia, Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. Disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/posgraducao/pepi/dissertacoes/LARISSA_ROSEVICS_DE_ALMEIDA_.pdf. Acesso em: 07 out 2019.

BRESSAN, R. N.; THEODORO LUCIANO, B. A Comunidade Andina no século XXI: entre bolivarianos e a Aliança do Pacífico. Rev. Sociol. Polit., v. 26, n. 65, p. 62-80, mar. 2018.

MARIANO, K. L. P.; BRESSAN, R. N.; LUCIANO, B. T. Eleições diretas no  Parlamento Andino: a percepção popular sobre a integração regional.Carta Internacional (USP), v. 11, p. 245, 2016.

PARLAMENTO ANDINO. Decisión No. 33/ II ORD. In: Actos Decisorios: Decisiones y Resoluciones (1980-1998). Santafé de Bogotá, 1998.

RICOBOM, Gisele. A integração latino-americana e o diálogo intercultural: novas perspectivas a partir da Universidade. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, n.12, p.351-362, 2010.

UNIVERSIDAD Andina Simón Bolívar (UASB). Características y Funciones. Disponível em: https://www.uasb.edu.bo/caracteristicas-y-funciones/ Acesso em: 6 out 2019.

UNIVERSIDAD Andina Simón Bolívar (UASB).Historia de la UASB. Disponível em: https://www.uasb.edu.bo/historia-la-uasb/. Acesso em: 30 set 2019.

UNIVERSIDAD Andina Simón Bolívar (UASB). La Universidad en la Comunidad Andina y Sudamérica.. Disponível em: https://www.uasb.edu.ec/la-universidad-en-la-comunidad-andina. Acesso em: 30 set 2019.

UNIVERSIDAD Andina Simón Bolívar (UASB). Comité de Planificación y Evaluación Interna. Plán Estratégico de Desarollo Institucional 2015-2020. Quito, 2015. 

WENDT, Alexander. Anarchy is what states make of it: the social construction of power politics. International Organization, vol. 46, n. 2, p. 391-425,1992.