Foto por Ricardo Stuckert

As primeiras viagens internacionais de um presidente eleito ou empossado indicam as prioridades e o direcionamento de sua política externa. As viagens não são um indicativo por si mesmas, entretanto, se analisadas a partir das declarações feitas em período eleitoral, bem como as aproximações realizadas com líderes internacionais, é possível inferir a respeito das preferências do governo em temas de política externa que estarão por serem estabelecidas. A partir desta constatação, o objetivo desta análise foi discutir o redirecionamento da política externa de Luiz Inácio Lula da Silva empossado 2023 para seu terceiro mandato presidencial com foco nas preferências acerca da integração regional.

Antes do período eleitoral, Lula realizou uma série de viagens internacionais para países como Argentina, França, Espanha, Alemanha, Bélgica, Portugal e Itália. Em cada uma dessas visitas, o líder político brasileiro buscou fortalecer suas relações com líderes estrangeiros e ampliar o diálogo sobre temas de interesse global, como o combate às mudanças climáticas, a defesa da democracia e a luta contra a desigualdade social e a fome no mundo. Lula também aproveitou para divulgar sua plataforma política e sua visão sobre a situação atual do Brasil. Em diversas ocasiões, o então ex-presidente denunciou os retrocessos do governo de Jair Bolsonaro (2018-2022) no país, em que criticou a política econômica implementada nacionalmente e defendeu a importância da solidariedade internacional para a superação dos desafios que o país enfrenta.

Após sua vitória nas eleições presidenciais de 2022, Lula intensificou sua agenda de viagens e contatos com lideranças internacionais. Neste sentido, será apresentada uma análise conjuntural a respeito das viagens presidenciais desde o período pós-eleição até o período pouco após os 100 dias de governo e que culminou com a viagem à China, de modo a entender o redirecionamento da política externa brasileira e seus impactos na integração regional. As viagens do presidente foram divididas em três vertentes: 1) a participação na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP) que representou a busca pelo protagonismo positivo do país nas discussões de política internacional, com o foco na proteção ambiental; 2) as viagens para Argentina e Uruguai como demonstração do retorno das prioridades da política externa brasileira para temas relacionados à integração regional; 3) e, por fim, as viagens para os Estados Unidos da América (EUA) e para a China, representando a busca por uma política externa autônoma, equidistante e pragmática. As viagens são analisadas à luz de sua importância para o redirecionamento da política externa brasileira, com foco em seus impactos nas políticas de regionalismo que estão sendo estabelecidas pelo novo governo.

Meio ambiente e mudança climática – o cartão de retorno ao Sistema Internacional

A viagem do presidente eleito, Lula, à COP no Egito em 2022, portanto antes da posse, teve implicações políticas significativas e representou a volta do país ao centro das discussões de política internacional, porém de maneira positiva, propondo uma agenda colaborativa e protetiva em relação ao meio ambiente. A presença do líder brasileiro no evento ajudou a reafirmar a retomada do protagonismo do país em relação à agenda global de proteção ambiental e mudança climática, que havia sido prejudicada durante a gestão presidencial brasileira naquele período.

Na COP 2022, Lula e alguns representantes nacionais acerca do tema transmitiram uma mensagem internacional sobre a iminente mudança do posicionamento do país a respeito da gestão ambiental nos âmbitos doméstico, regional e internacional, como foi o caso da presença da ambientalista e política Marina Silva no evento. Importante lembrar que essa personalidade foi Ministra do Meio no primeiro e até meados do segundo governo de Lula (2003-2006/2007-2008) e sua presença demonstrou consolidação e reforço, tanto na campanha eleitoral, quanto no terceiro governo de Lula, a partir de 2023, em reposicionar o país como líder global na luta contra as mudanças climáticas. Ademais, o Brasil tem mostrado interesse em sediar a COP, em 2025, em alguma cidade amazônica para reforçar a urgência em se proteger a região, bem como apresentar os esforços brasileiros e dos países da região estabelecidos neste sentido.

Em busca de proteger a Amazônia, Lula assumiu o compromisso pela intensificação da fiscalização doméstica e pela implementação de medidas protetivas eficazes, além do posicionamento internacional em favor da temática da proteção ambiental. Além disso, destacaram-se iniciativas ao nível regional, uma vez que o país, junto a Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, é parte da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), comprometida com a consolidação de uma proteção compartilhada da Floresta Amazônica pelos países da região. Neste sentido, o governo brasileiro propôs uma cúpula da OTCA, em que se espera também a presença do presidente francês Emmanuel Macron (2017-atualmente), representando a Guiana Francesa (a França não é membro da OTCA, mas foi convidada em virtude do seu território ultra-marino ser parte da Amazônia), a ser realizada em agosto de 2023, para discutir ações para proteger a floresta e combater as mudanças climáticas.

A cúpula será um momento importante para o diálogo, posicionamento comum e a cooperação entre os países da região para proteger a Amazônia, buscar investimentos na região e enfrentar as ameaças à sua biodiversidade e às comunidades indígenas que nela habitam. Assim, é possível notar um direcionamento para um protagonismo internacional do Brasil em questões de proteção ambiental e mudança climática e a busca por estabelecer uma concertação regional liderada pelo país em relação à temática.

Argentina e Uruguai – O retorno do país à política de integração regional

A primeira viagem internacional de Lula após sua posse foi à Argentina e ao Uruguai, em janeiro de 2023. A visita aos dois países foram visitas de Estado com recepção dos presidentes e uma série de compromissos formais. Entretanto, a viagem para a Argentina representou dois momentos distintos, além da visita de Estado, que buscou reforçar a parceria estratégica com a Argentina, houve a participação na reunião da cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que foi realizada em Buenos Aires, e representou o retorno oficial do país à organização e a retomada das políticas direcionadas à pauta da integração regional. As visitas demonstraram o ensejo pelo diálogo e a busca por posicionamentos que beneficiem os três países, ainda que com governos de distintas orientações político-ideológicas, como no caso do governante de centro-esquerda argentino e seu par uruguaio de centro-direita.

Durante a visita à Argentina, Lula e o presidente argentino, Alberto Fernández (2019-atualmente), assinaram acordos bilaterais para fortalecer a cooperação econômica e comercial entre os dois países. A visita também teve como objetivo discutir a crise na Venezuela. Além disso, Lula se encontrou com representantes de empresas argentinas para incentivar investimentos brasileiros no país vizinho, e vice-versa. A viagem gerou expectativas positivas para o fortalecimento da relação entre Brasil e Argentina.
Na mesma viagem, Lula visitou o Uruguai e se encontrou com o presidente Luis Alberto Lacalle Pou (2020-atualmente) com o objetivo principal de reforçar as relações bilaterais entre os dois países. Todavia, a principal questão em jogo foi o futuro do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), que vivencia uma crise acerca da possibilidade do Uruguai fechar um acordo de comércio com a China fora do bloco. Lula defendeu a importância do bloco para a estabilidade política e econômica da região, argumentando que a integração é fundamental para enfrentar os desafios globais e promover o desenvolvimento sustentável na América Latina.

Por fim, sobre a reunião da CELAC, o Brasil havia interrompido sua participação em 2020, durante o governo Bolsonaro, mas Lula se empenhou em reconstruir a relação com a organização. Durante a cúpula, Lula defendeu a unidade regional e o fortalecimento da cooperação entre os países da América Latina e Caribe. Além disso, Lula se encontrou com outros líderes regionais, incluindo o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (2018-atualmente) e o presidente cubano Miguel Díaz-Canel (2018-atualmente).

A participação de Lula na CELAC foi vista como uma demonstração do compromisso do Brasil com a integração regional e a cooperação entre os países latino-americanos. Em março de 2023, a Argentina e o Brasil anunciaram o retorno de suas participações à União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), da qual haviam se retirado em 2019, em um contexto de questionamentos sobre a efetividade da organização e de mudanças políticas nos dois países. À época, os governos brasileiro e argentino alegaram que a UNASUL estava inoperante e que preferiam buscar outras alternativas para a integração regional. A retomada do Brasil e da Argentina como membros da organização pode contribuir para a “reconstrução da UNASUL”, como afirmou o presidente argentino, e para a promoção da estabilidade e cooperação na região.

China e EUA – autonomia, pragmatismo e equidistância

As visitas diplomáticas realizadas por Lula aos EUA e à China são relevantes para analisar os rumos da política externa brasileira e, a depender da natureza das relações estabelecidas com esses países, pode haver influência também nos traços do regionalismo a ser instituído na América do Sul. Um dos exemplos é a cúpula a ser realizada entre a CELAC e a China, em 2024, e o já mencionado acordo comercial iminente entre China e Uruguai.

A disputa hegemônica entre China e EUA tem sido um dos principais temas de discussão no cenário internacional nos últimos anos. Ambos têm interesses estratégicos em áreas como comércio, tecnologia, segurança e controle de recursos naturais, o que tem gerado tensões crescentes entre eles. De um lado, os EUA buscam manter sua posição como principal potência mundial, bem como sua liderança no Sistema Internacional, enquanto, de outro, a China busca expandir sua influência e consolidar sua posição como uma potência global.

Em fevereiro de 2023, o presidente Lula realizou uma visita oficial aos EUA, onde se reuniu com o presidente estadunidense e outras autoridades, discutindo questões como a cooperação econômica, fortalecimento das instituições democráticas e a luta contra a pandemia. Ambos os líderes concordaram em aprofundar a cooperação em áreas como comércio, ciência e tecnologia, proteção às instituições e combate às mudanças climáticas. Dois meses depois, em abril de 2023, Lula visitou a China, onde se encontrou com o presidente chinês, Xi Jinping (2013-atualmente) e outras autoridades do governo. Durante a visita, os dois líderes firmaram uma parceria estratégica a fim de aprofundar a cooperação em questões como a econômicas, institucional, tecnologia e inovação, energia, agricultura, cultura, educação, dentre outras.

A posição brasileira até o momento reivindica um espaço de maior autonomia do país a fim de exercer sua soberania de forma pragmática e buscando satisfazer os interesses nacionais e as preferências dos atores políticos domésticos brasileiros. A posição equidistante observada até o momento é uma forma do Brasil estabelecer suas próprias relações internacionais, sem se alinhar automaticamente a um ou outro ator hegemônico e, desta forma, possuir maior margem de manobra para, inclusive, coordenar eventualmente um novo alinhamento regional com foco em aprofundar o processo de integração regional.

Neste sentido, ainda que as visitas não tratem diretamente de questões relacionadas à integração regional, a relação do Brasil, que vem se configurando como um dos protagonistas na retomada de iniciativas afeitas à integração regional, com as principais potências internacionais, é importante de modo a coordenar que os direcionamentos integracionistas não sejam frustrados devido à interferência de EUA ou China. Até então não é possível precisar os impactos das visitas na integração regional, porém é uma vertente de análise que merece ser acompanhada a respeito de seus desdobramentos futuros, especialmente no que tange a eventuais acordos comerciais bilaterais, bem como quanto às próximas reuniões multilaterais entre Estados sul-americanos e China/EUA.

Conclusões

O aprofundamento e a intensificação das políticas de integração regional coaduna com questões sensíveis, especialmente para os atores que reivindicam o papel de protagonistas do processo. A Venezuela, por exemplo, segue suspensa do MERCOSUL, porém segue como membro pleno das mencionadas UNASUL e OTCA e, portanto, as relações com o país, seguem como relevante ponto de inflexão para o aprofundamento do processo de integração regional.

Em contrapartida, é evidente o otimismo em relação ao processo de integração regional. A eleição de Lula para seu terceiro mandato presidencial renovou as esperanças dos entusiastas da integração regional latino-americana, afinal, foi em seu primeiro governo que o Brasil se posicionou como uma das lideranças regionais de modo a fomentar aproximação entre os governos da região. A expectativa em torno da eleição de Lula não ocorre apenas em virtude de seu legado de protagonismo na política externa regional. A atual conjuntura política sul-americana, que percebeu uma guinada à direita após o período da Onda Rosa (período iniciado com a eleição de Hugo Chávez, em 1999, e que teve seu declínio em meados da década de 2010), observa nova maioria de governos de esquerda, tornando inevitável a comparação e expectativas em torno dos resultados dessa nova configurável política, que remete à inédita guinada à esquerda do início do século XXI. O ineditismo da Onda Rosa, quando a região nunca havia sido governada por tantos governos de esquerda não existe mais, esta seria uma segunda onda regionalista de experiência de governos de esquerda com novas oportunidades e, ao mesmo tempo, limitações.

Durante o período do pós-Onda Rosa houve a falta de uma ampla atuação de um ou mais atores regionais que detivessem o papel de paymaster da integração regional, ou seja, aquele que lidera o processo com recursos políticos ou financeiros. Durante a Onda Rosa, foi fundamental a disputa entre os projetos políticos integracionistas de Lula e Hugo Chávez (1999-2013), que fizeram Brasília e Caracas ora divergir, ora cooperar, além de possuir o respaldo de Néstor Kirchner (2003-2007) como outro importante entusiasta da integração regional, o que favoreceu o aprofundamento do processo durante esta onda integracionista. No período seguinte não se notou a presença de um ou mais atores que pautasse ativamente um redirecionamento dos rumos do regionalismo. O não-interesse em aprofundar a integração regional no pós-Onda Rosa é uma das consequências dessa ausência de paymasters. De todo modo, os contatos iniciais e viagens realizados por Lula desde sua eleição até o marco dos 100 dias de seu governo deixam claro que o vácuo de atores regionais protagonistas e líderes do processo de integração regional já não conta mais com o desinteresse do governo brasileiro.

 

Escrito por

Thiago Moreira Gonçalves

Mestre e Bacharel em Relações Internacionais (PUC Minas). Bacharel em Direito (UFMG) com formação complementar em Ciência do Estado (UFMG). Atualmente é pesquisador no Observatório de Regionalismo (PPGRI Santiago Dantas) e CEPDE/PUC Minas (Centro de Estudos Processos Decisórios em Política Externa e Política Internacional). Possui interesse pelos temas: Política Externa Brasileira; Integração Regional Latino-Americana; Diplomacia Federativa/ Paradiplomacia e Direito Internacional Público.