Fotografia por André Leite Araújo.

Em 25 de setembro de 2022, os italianos escolheram um novo parlamento após a perda de apoio legislativo a Mario Draghi. O maior destaque desta eleição foi o avanço da coalizão de direita/extrema-direita formada por três partidos: Irmãos da Itália (FdI), Força Itália (FI) e Liga. Posteriormente, o “Nós Moderados” se uniu ao grupo para formar a coalizão majoritária.

De modo geral, as duas casas do parlamento apresentam uma tripolarização com a coalizão de direita, o Partido Democrático (PD) simbolizando a centro-esquerda e o Movimento Cinco Estrelas (M5S) no centro. Ainda que esses partidos estejam há vários anos na política, a redistribuição de cadeiras chamou a atenção com a diminuição de espaço para a Liga – que capitaneava a direita italiana nos últimos anos com Matteo Salvini – e a emergência do FdI como principal força política. Ambos os partidos assumem discursos de outsider e buscam o voto da direita radical, com bandeiras anti-imigração e outras pautas conservadoras. Nesse sentido, dentro do mesmo espectro ideológico, novas preferências do eleitorado se manifestaram, buscando outras alternativas, inclusive no norte italiano, onde a Liga acumulava votações nos últimos anos.

Diante das crises, como o aumento do custo de vida e do descontentamento com a política, o voto na direita pode ser interpretado como um sentimento contra o establishment. Contudo, a eleição trouxe quadros tradicionais, como o senador Silvio Berlusconi (FI), que assumiu seu primeiro mandato como primeiro-ministro em 1994. É discutido o impacto que o atual governo terá na democracia italiana, mas entende-se que a Itália pode não virar uma autocracia, mas terá alguns elementos da sua qualidade democrática prejudicada.

Conforme discutido aqui no Observatório de Regionalismo, a expansão da extrema direita na Europa se faz notar nos últimos anos com uma série de casos de partidos conservadores que chegam ao poder, como na Polônia e na Suécia. A interação entre eles pode gerar dificuldades para aprofundar a integração em temas sensíveis, como a migração.

Em outubro, o cargo de primeiro-ministro foi definido com a nacionalista Giorgia Meloni (FdI) sendo a primeira mulher a chefiar o governo. Apesar da elevada votação no seu partido, terá que equilibrar os outros membros da coalizão, lidar com as divisões dentro da Itália (a direita não tem a mesma força no Sul) e fazer a transição de ser um partido outsider para estar institucionalizado no comando do Palácio Chigi.

Para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, foi escolhido o eurodeputado Antonio Tajani (FI). Ao mesmo tempo em que traz um político de orientação política conservadora, apresenta um quadro que tem longa experiência no Parlamento Europeu e, portanto, com articulação entre grupos de diferentes países dentro do bloco. Dessa maneira, Meloni busca moderar seu discurso e dizer que não romperá radicalmente com a União Europeia, enquanto dá acenos a sua base eleitoral com a pauta da identidade italiana. Um sinal pela continuidade já ocorreu no primeiro encontro que a primeira-ministra manteve com o presidente francês Macron, defendendo a manutenção das relações entre países vizinhos.

No plano internacional, a decisão na Itália trará efeitos. No cenário de guerra entre a Ucrânia e a Rússia, com impactos diretos na economia italiana, de tensões entre Estados Unidos e China e de consolidação da extrema-direita na União Europeia, o governo de Meloni pode trazer mudanças no cenário. Apesar do discurso contra a União Europeia, não há sinais concretos de que vá modificar as diretrizes de política externa. Ainda que o tom possa variar, deve haver continuidade nas interações multilaterais e euro-atlânticas – como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – já que o custo do rompimento seria alto. As instabilidades econômica e militar atuais constrangem uma política externa que se arrisque a mudar abruptamente. O que devemos acompanhar nos próximos meses é saber qual será o impacto do novo governo e suas repercussões, dado o peso econômico e político da Itália no continente europeu. Até que ponto a diplomacia italiana estruturou relações sólidas que sobrevivem a mudanças ideológicas? Os acordos firmados nas últimas décadas, tanto no nível da União Europeia quanto no espaço do Mediterrâneo, tenderão a limitar a margem de manobra do governo.

Todavia, dentro das instituições, a posição de Roma deve ter um novo alinhamento na Europa, com possível cooperação com governos ideologicamente afins, como o da Hungria e o da Polônia, através da pauta de defesa da soberania nacional. Na medida em que a direita conquista mais espaço dentro da União Europeia, pode haver um movimento que faça reformas no bloco ou barre alguns esforços de integração sem, no entanto, se retirar da organização como ocorreu no Reino Unido.

Isso posto, é provável que Meloni possua uma política externa ambígua. Sem romper com tradições diplomáticas nem se afastar de parceiros existentes, mas mantendo um discurso de defesa da identidade italiana.

Frente ao exposto e diante das informações iniciais do governo, a análise feita até o momento aponta para mudanças graduais, sem o rompimento que foi sugerido ao longo do tempo, ainda que o discurso possa ter nuances mais nacionalistas. Em qualquer hipótese, o que acontecer na Itália será acompanhado em diversas partes do mundo, com a possibilidade de influenciar futuros governantes.

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.