Após a série de Paineis do Webinar: Multilateralism and Regionalism in Challenging Times: Relations between Europe and Latin America and the Caribbean, co-organizado pelo Observatório de Regionalismo (ODR), Universidade Estadual Paulista (UNESP), Centro de Estudos de Governança Global de Leuven,  Universidade de Coimbra, e Fundação EU-LAC, o ODR traz essa semana uma entrevista exclusiva com a Deputada ao Parlamento Europeu, Isabel Estrada Carvalhais, sobre Meio Ambiente, Mudança Climática e o Papel da UE.

Isabel Estrada Carvalhais é Membro do Parlamento Europeu pelo Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. Professora Associada da Universidade de Minho em Portugal, na qual é Professora na área de estudo de Política, Democracia e Cidadania. Membro do Centro de Pesquisa em Ciência Política (CICP) na mesma universidade. Doutora em Sociologia pela Universidade de Warwick (UK) e com extensivas publicações sobre integração políticas de comunidades de migrantes, políticas cidadãs e legislação de nacionalidade. É membro efetivo da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, da Comissão das Pescas, da Comissão de Inquérito sobre a Proteção dos Animais durante o Transporte na União Europeia, e da Delegação para as Relações com os Estados Unidos. É ainda membro suplente da Comissão de Desenvolvimento Regional, da Delegação para as Relações com o Canadá e da Delegação à Assembleia Parlamentar Paritária EU-ACP.

As perguntas desta entrevista foram elaboradas por Angélica Szucko* e Victor Ferreira de Almeida**, Membros do Observatório de Regionalismo, e respondidas por escrito diretamente pela Eurodeputada Isabel Estrada Carvalhais.

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  1. Como membro do Parlamento Europeu, a Sra. poderia comentar brevemente quais são os principais entraves à aprovação e à ratificação do Acordo MERCOSUL-UE por parte dos europeus e quais as perspectivas de quando o acordo entrará em vigor?

O Acordo entre a União Europeia e o Mercosul veio consolidar uma parceria estratégica ao nível político e económico e criar importantes oportunidades de crescimento sustentável para ambas as partes. Em traços gerais, este acordo abrange cerca de 780 milhões de pessoas e em termos financeiros de volume de comércio, atinge mais de 40 mil milhões de euros de importações e exportações.

Mas o acordo tem de facto sido criticado pela sociedade civil e por Estados membros da UE por se considerar que não inclui garantias robustas de sustentabilidade. Na verdade, não se trata propriamente de sustentabilidade económica, mas sim de sustentabilidade social e ambiental. Ou seja, a grande questão é como mitigar os impactos sobre direitos humanos, em particular eu diria dos povos indígenas, sobre os direitos laborais e outros direitos sociais, bem como os impactos sobre o meio ambiente, relacionados ao acordo.

Vários estados da UE e membros do Parlamento Europeu indicaram que não apoiarão o acordo, tal como está, devido a estas preocupações com o ambiente, em especial com a desflorestação, pelo que se deve procurar propostas de resolução para garantir que acordo fica realmente compatível os mais elevados padrões dos três pilares da sustentabilidade, o económico, mas também o social e o ambiental.

  1. Ainda sobre o Acordo MERCOSUL-UE, quais as possíveis contribuições para agendas ambientais especificamente no Brasil, a exemplo do combate ao desmatamento ilegal e ao garimpo, bem como para a proteção dos povos indígenas e seus territórios?

Desde que se fechou o acordo, constato que o aumento da desflorestação e das emissões de carbono, a perda da biodiversidade, e os desafios na proteção dos direitos das comunidades locais e dos Povos Indígenas, têm continuado na agenda, por um lado porque infelizmente são realidades, e por outro lado, certas posições públicas por parte do Presidente do Brasil sobre esses temas não contribuíram para o desenvolvimento de abordagens mais construtivas e de resposta a esses desafios. 

Seja como for, eu creio que o acordo deverá defender a execução dos mais elevados padrões de concretização e defesa dos Direitos Humanos, dos direitos laborais e da proteção do ambiente, incluindo a vinculação e aplicação do Acordo de Paris sobre o clima. Nesse sentido, o acordo poderá ser um instrumento de ação política que nos ajude a resolver conjuntamente desafios que se nos colocam, na medida em que a sua função, creio eu, é também ser um instrumento de diálogo, de debate e de cooperação.

  1. Com o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, quais são as expectativas e os desafios para a COP-26 e qual o papel da UE no incentivo à adoção de metas mais ambiciosas?

A crise climática é cada vez mais evidente e urgente, pelo que requer uma resposta que envolva todos os governos do mundo e mobilize todas as sociedades em seus diferentes níveis de decisão e ação. Este é um problema verdadeiramente global e não de um ou outro hemisfério, porque simplesmente não existem fronteiras quando falamos de alterações climáticas. O retorno dos EUA ao acordo é um sinal muito positivo para a construção desse esforço coletivo que todos temos pela frente e espero que os EUA sejam consistentes no compromisso de uma descarbonização efetiva do setor energético, da mobilidade e da indústria em geral, sempre tendo também em mente que ninguém deverá ficar para trás nesse processo de transição.

A UE por sua vez está profundamente empenhada em realizar esse cenário e em promover entre pares a ambição de atingirmos o quadro de zero emissões de carbono até 2050, conforme o Pacto Ecológico Europeu. 

  1. O que os países membros do MERCOSUL poderiam aprender com o processo de formulação do EU Green Deal que prevê uma Europa neutra climaticamente até 2050? Qual o papel do regionalismo na promoção da agenda ambiental e de mudanças climáticas?

O Pacto Ecológico Europeu vem defender o respeito e a execução dos mais elevados padrões proteção do ambiente e da biodiversidade, promovendo ações a nível do ambiente, do clima, da energia, dos transportes, do mar, da agricultura, etc. Tudo isto, tendo de facto como grande objetivo a transição para uma economia mais verde e resiliente, que produza zero emissões de carbono até 2050, e que simultaneamente ajude todos (empresas e cidadãos) nessa transição, porque não faria sentido algum esquecer a importância de uma forte inclusão social sobretudo dos grupos mais vulneráveis e que mais impactos poderão sofrer resultantes dessa transição para uma sociedade mais verde e mais digital.

É evidente que todas as ações têm de vir com o preceito de vontade para as executar. Pode haver capacidade, mas sem vontade política e social não chegamos a nenhum lado. Temos de trabalhar para mudar paradigmas, visões e métodos de produção, mas também hábitos de consumo. Mais uma vez, o Acordo UE-Mercosul pode ser um instrumento de diálogo e de cooperação que ajude a desenvolver uma linguagem conjunta de inovação, de mudança paradigmática, de aprendizagem e transformação mútua.

No que tange a UE, ela está certamente pronta para trabalhar com os seus parceiros no apoio a estratégias que visem a concretização das ambições climáticas, porque, repare-se, estas não são fruto de uma qualquer visão etnocêntrica sobre a emergência climática e sobre os termos da resposta. As ambições climáticas, é bom que se note, decorrem antes de mais nada da constatação científica da emergência climática e, em segundo lugar, da aceitação dos termos em que a própria Ciência coloca a necessidade dessa luta. Portanto, a Ciência não é um discurso político do Norte ou do Sul, ou uma linguagem cultural de um hemisfério contra outro; tal como eu vejo a Ciência é Conhecimento ao serviço da Humanidade e é nesse sentido que a luta contra as alterações climáticas se colocam e devem colocar como luta global, pela sobrevivência de todos nós!

Quanto ao papel do regionalismo, uma boa forma de tratar questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos interessados, porque também parte de cada um de nós assegurar a proteção do ambiente. É por isso fundamental que cada indivíduo tenha acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente, facilitando e estimulando a conscientização pública, de atividades que sejam potencialmente perigosas para o meio ambiente.

Pessoalmente, como professora tenho orientado trabalhos académicos em torno do valor da paradiplomacia das cidades, e do papel construtivista destes atores transnacionais na promoção e disseminação de valores. E nesse sentido, creio de facto na capacidade desses atores para entre eles, ou em comunhão com outras entidades e níveis de governança, promoverem verdadeiras alterações positivas nas suas geografias de ação em prole quer do ambiente, quer da saúde, do bem-estar, da inclusão social dos cidadãos. 

  1. De modo geral, como a pandemia impactou a agenda ambiental globalmente e quais lições podemos aprender?

Pudemos verificar que com a baixa atividade humana durante a pandemia os níveis de poluição baixaram em várias partes do mundo, devido à redução súbita das emissões de veículos e de alguns processos industriais. Mas não penso que se possa retirar grandes reflexões deste fenómeno, porque teve um enquadramento forçado, devido à crise de saúde pública que assolou o mundo, e porque em alguns casos assistimos até a uma manipulação informativa nas redes sociais no sentido de forçar certos argumentos. Faço notar por exemplo, que há toda uma retórica de extrema-direita que considera que a natureza sofre com o excesso de atividade humana e com o excesso demográfico, acabando por empurrar a responsabilidade por esses excessos para os países do Sul… então a que ter muito cuidado com certos argumentos sobre como a natureza pareceu beneficiar dos confinamentos, porque de forma inadvertida, as pessoas podem por vezes acabar concordando com uma determinada mundivisão que a verdade não é de todo aquela que buscam defender. Isso nos levaria a uma longa conversa…

Agora, para um possível pós-pandemia, eu acho que temos de olhar sobretudo para o modo como pretendemos concretizar uma agenda ambiental que não seja meramente retórica. A implementação de uma economia circular é a meu ver uma das formas fundamentais de responder a esse desafio, porque vai obrigar a repensar muitas das nossas formas atuais de produção agrícola e industrial, e de consumo.

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O Observatório de Regionalismo reitera os agradecimentos à Eurodeputada Isabel Estrada Carvalhais pelo seu tempo e contribuição nesta entrevista!

*Angélica Szucko

Doutora em Relações Internacionais pela UnB com período sanduíche na Université Sorbonne Nouvelle. Membro do Observatório do Regionalismo. Pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos Globais da UFG e ao Instituto de Relações Internacionais da UnB. Seus principais interesses de pesquisa incluem regionalismo, estudos europeus, União Europeia, Reino Unido, (des)integração diferenciada, identidade europeia e política internacional.

**Victor Ferreira de Almeida

Victor Ferreira de Almeida é mestrando em Relações Internacionais no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais e Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Pampa. É membro dos grupos de pesquisa Observatório de Regionalismo e da Cátedra José Bonifácio, nos quais se dedica ao estudo da cooperação internacional, da paradiplomacia e da filosofia política.

Escrito por

Observatório de Regionalismo

O ODR (Observatório de Regionalismo) realiza entrevistas com autoridades em suas áreas de conhecimento e/ou atuação, lançando mão de diversas mídias à divulgação do material elaborado.