No dia 29 de novembro de 2019, o Ministro da Educação do Brasil, Abraham Weintraub, anunciou a retirada do Brasil do Setor Educacional do Mercosul (SEM). Conforme a nota oficial do Ministério da Educação (MEC), “as parcerias iniciadas serão mantidas sem prejuízo às partes”, mas o Brasil deixaria, a partir de então, de participar das reuniões do SEM, priorizando a construção de relações bilaterais no que diz respeito à temática (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2019). Segundo Weintraub, a decisão de retirada da SEM foi motivada pela “falta de eficiência e resultados práticos que impactassem positivamente na melhoria de índices gerais da Educação” (VEJA, 2019). Mas, afinal, qual o trabalho realizado pelo SEM?
O SEM foi instituído em dezembro de 1991 a partir da criação da Reunião de Ministros de Educação do MERCOSUL (RME) através da Decisão 07/91 do Conselho do Mercado Comum (CMC) (MERCOSUL, 2020). No entanto,  somente a partir da virada do milênio o SEM passou a contar com uma estrutura institucional mais robusta, sendo em 2001, aprovada a “Estrutura Orgânica do Setor Educacional do Mercosul”. Com isso, dentro do SEM criaram-se  comissões especializadas por área, cobrindo a Educação Básica, a Educação Superior, a Educação Tecnológica e a Formação Docente), além do Comitê Coordenador Regional. A estrutura do SEM foi pensada, dessa forma, para contemplar funções políticas (objetivos estratégicos), técnicas (áreas e linhas de ação) e de execução (elaboração e execução de projetos). Oficialmente, o SEM se propõe a:

Formar um espaço educacional comum, por meio da coordenação de políticas que articulem a educação com o processo de integração do MERCOSUL, estimulando a mobilidade, o intercâmbio e a formação de uma identidade e cidadania regional, com o objetivo de alcançar uma educação de qualidade para todos, com atenção especial aos setores mais vulneráveis, em um processo de desenvolvimento com justiça social e respeito à diversidade cultural dos povos da região (MERCOSUL, 2020).

Conforme o apresentado pelo pesquisador Angelo Lira em artigo anterior, o SEM é o organismo com maior quantidade de cooperação intrabloco e, para além dos resultados práticos ao setor educacional dos países membros, o SEM se faz relevante como mecanismo de construção identitária para a integração do Mercosul. Um exemplo de iniciativa bem sucedida e de valor ao sistema nacional de educação desenvolvido no âmbito do SEM, este no âmbito da Educação Básica, é o Programa Escolas Interculturais de Fronteira apresentado no já mencionado texto do pesquisador Angelo Lira
No que diz respeito especificamente ao Ensino Superior, o SEM atua em 3 eixos: mobilidade, cooperação inter-institucional e acreditação. A mobilidade visa à criação de um espaço regional comum em matéria de conhecimento, garantindo intercâmbios entre estudantes, professores e pesquisadores. Já a cooperação inter-institucional busca criar redes de cooperação entre as Universidades e demais instituições de Ensino Superior visando à excelência acadêmica (PERROTTA, 2014). Por fim, busca-se inaugurar “um sistema de acreditação de cursos como mecanismo de reconhecimento de títulos de graduação” (ARCU-SUL, 2020). E é justamente no âmbito da acreditação do Ensino Superior que se desenvolveu uma das principais iniciativas do SEM: a política regional de acreditação de qualidade de cursos. O objetivo desse eixo é certificar  a qualidade acadêmica dos cursos de graduação, bem como estabelecer os critérios para o perfil do graduado e os critérios de qualidade de âmbito regional para cada diploma (ARCU-SUL, 2020).
A primeira ação em prol da acreditação foi a criação do Mecanismo Experimental de Acreditación de Carreras para el Reconocimiento de Títulos de Grado Universitario en los países del MERCOSUR, Bolivia y Chile, sistema temporário que ficou conhecido como MEXA. Já em 2006, a Reunião de Ministros de Educação aprovou o Plano Operacional para a criação de um mecanismo permanente para a creditação, o Sistema de Acreditação de Cursos Universitários do MERCOSUL (ARCU-SUL). Com isso, em 2008 é aprovado pelo CMC o “Acordo sobre a criação e a implementação de um sistema de acreditação de cursos de graduação para o reconhecimento regional da qualidade acadêmica dos respectivos diplomas no MERCOSUL e Estados Associados”.
E, embora o Brasil não vá abandonar estes acordos já em vigor, tem-se uma dimensão dos projetos desenvolvidos no espaço do SEM. Ou seja, desde 29 de novembro de 2019, o Brasil abriu mão de construir e de usufruir dos benefícios de um espaço regional consolidado e com resultados concretos positivos para setores da sociedade brasileira. Predomina no governo Bolsonaro uma visão diplomática imediatista que procura obter ganhos instantâneos e absolutos em suas relações exteriores. Isso se aplica às relações regionais, de modo que inúmeras iniciativas foram abandonadas por não se enquadrarem ao critério ou por supostamente serem projetos “ideológicos” (neste artigo do pesquisador Lucas Eduardo Silveira de Souza há uma discussão sobre o termo). O resultado é o esvaziamento das instituições regionais justificado por uma suposta ineficiência. Mas esse processo desde já começa a se mostrar danoso.
Um exemplo notório é o abandono da Unasul que resultou no encerramento das atividades do Instituto Sul-Americano de Governo da Saúde (ISAGS) discutido aqui no ODR pelo pesquisador Lucas Eduardo Silveira de Souza. Na época, o ISAGS teve, junto com os demais órgãos da Unasul, seu valor menosprezado. Foi desconsiderada a relevância destas instituições para a coordenação política internacional e para a formulação conjunta de estratégias de políticas públicas setoriais, reduzindo-as a uma interpretação ideológica de suas atribuições. Hoje, em tempos de pandemia de COVID-19, a necessidade de articulação internacional é inquestionável e o ISAGS seria ator relevante no combate ao SARS-CoV-2 na América do Sul. É provável que, futuramente, o abandono dos demais espaços regionais como o Setor Educativo do Mercosul também cobrará seu preço.
 
Referências
ARCU-SUL. ARCU-SUL: História. Disponível em: http://edu.mercosur.int/arcusur/index.php/pt-br/historia. Acesso em: 19 mar. 2020.
MERCOSUL. O que é o Setor Educacional do Mercosul. 2020. Disponível em: http://edu.mercosur.int/pt-BR/institucional/o-que-e.html. Acesso em: 18 mar. 2020.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Brasil. Educação brasileira sairá do Mercosul. 2019. Nota Oficial. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/component/content/article?id=83131. Acesso em: 21 mar. 2020.
PERROTTA, Daniela Vanesa. El regionalismo de la educación superior en el MERCOSUR como vector de internacionalización: un acercamiento desde la política regional de acreditación. Revista Latinoamericana de Educación Comparada, Buenos Aires, v. 5, n. 5, p. 68-92, 2014.
VEJA. MEC anuncia rompimento com o setor educacional do Mercosul. 2019. Disponível em: https://veja.abril.com.br/mundo/mec-anuncia-rompimento-com-o-setor-educacional-do-mercosul/. Acesso em: 29 nov. 2019.

Escrito por

Gabriela D. Ferreira da Costa

Mestranda em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi bolsista de Iniciação Científica dos programas "Jovens Talentos para a Ciência" (CAPES), PIBIC (CNPq) e BIC (UFRGS). Tem experiência na área de Relações Internacionais, com interesse específico em Economia Política Internacional, Política Externa Brasileira e Regionalismos. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR)