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As vitórias consecutivas do partido do atual Primeiro-Ministro, Narendra Modi, o Bharatiya Janata Party (BJP), em 2014 e 2019, parecem consolidar a ascensão de um novo partido dominante na Índia, deixando para trás a política de coalizão dominada desde a independência indiana em 1947, pelo Congresso Nacional da Índia. Embora o governo liderado por Modi tenha apresentado um histórico econômico irregular, uma criação de empregos abaixo das expectativas, enfrentando um declínio dos preços das commodities e críticas ao processo de desmonetização do papel-moeda, fatores tais como a sua popularidade, associado a uma significativa receita de doação de campanha, renda partidária, uma fraca oposição e uma retórica direcionada aos grupos de eleitores hindus, budistas e sikhs, favoreceu o caminho do BJP.

Dentre os discursos eleitorais, verificou-se um grande apelo à segurança nacional, protagonizada pelos conflitos com o Paquistão, na região da Caxemira, o que pode ter incitado um sentimento nacionalista contra um país de maioria mulçumana e diminuído o peso da irregularidade econômica na escolha do eleitor, sobretudo entre os jovens hindus (WU; GETTLEMAN, 2019). Portanto, é nesse sentido que se faz necessário compreender um pouco os desafios regionais enfrentados pela Índia. O centro de gravidade estratégico e econômico global está mudando gradualmente para a região do Indo-Pacífico, aonde a Índia vem fortalecendo suas relações econômicas, comerciais e políticas. Os países do nordeste e sudeste asiático tornaram-se facilitadores do desenvolvimento econômico e da segurança energética da Índia, potencializando a sua ação externa na região.

Até recentemente, a Índia havia assumido um papel de seguidor das ideias sobre integração regional. Nas seis décadas desde a independência do país, as únicas ideias que a Índia propôs foram o regionalismo Pan-Asiático (1947), o Conselho para a Ásia (1967) e a Comunidade Econômica Asiática (2003). Atualmente, a Índia considera o regionalismo asiático um meio de fortalecimento da sua competitividade internacional, buscando desenvolver mecanismos de crescimento das relações comerciais como ponto de aprofundamento das relações diplomáticas (CHAUDHURY, 2005).

Nos anos 1990, a política externa de Nova Delhi mudou suas orientações de forma mais centrada no auto-interesse econômico da Índia. As medidas de reforma econômica realizadas em 1991 atribuíram um importante peso ao programa de industrialização promovido pelo Estado, submetendo-se às mudanças estruturais como a desregulamentação dos investimentos internos e externos, a liberalização econômica e a reforma dos ambientes de negócios no país. Dessa forma, a Índia conquistou a confiança dos mercados, encorajou a competição e abriu-se mundialmente, concentrando-se no setor de serviços e produtos de alta tecnologia ao invés de adotar a clássica estratégia asiática de crescimento (MOHAN, 2009; LIMA, 2012).

Ao assumir o governo em 2014, o Primeiro-Ministro, Narendra Modi, viajou por vários países para apresentar a iniciativa Make in India, programa que se integra ao National Manufacturing Policy, estabelecido no final de 2011, cujo objetivo é simplificar os processos e regulamentações do país para proporcionar uma melhora no ambiente de negócios e transformar a Índia em um centro manufatureiro global, aumentando a participação da indústria indiana no PIB, com reflexos diretos no processo de desenvolvimento e reorientação da política externa do país. No mesmo ano, a Índia instituiu uma política regional denominada Neighborhood First, comprometendo-se a investir capital político no fortalecimento da Associação Sul-Asiática para a Cooperação Regional (SAARC), instituída em 1985, formada por Afeganistão, Bangladesh, Butão, Índia, Maldivas, Nepal, Paquistão e Sri Lanka e nas relações bilaterais junto a sua vizinhança estendida, com vistas a contribuir para a superação das deficiências estruturais, redução das assimetrias regionais e progresso regional das relações diplomáticas e comerciais indianas.

A estratégia política regional adotada pela Índia consiste na formação de círculos concêntricos de integração, estabelecendo uma relação de prioridades em sua concertação econômica, política e social, racionalizadas em projetos políticos como a SAARC e no engajamento seletivo de instituições internacionais que possam contribuir tanto para a ampliação de sua presença global como para estabelecer maior relação de confiança no nível regional, garantindo ao país espaço político para promover seus interesses nacionais, demonstrando-se um ator com papel balanceador na Ásia e de relevância na política internacional, fato que se revela na aproximação estratégica com Washington (STUENKEL, 2013).

Esta estratégia permite a Índia viabilizar o processo de integração regional em escalas, desempenhando, parcialmente, um papel de paymaster regional, ampliando espaços de concertação econômica, fluxos comerciais e apoio político-diplomático de modo que permita ao país atingir seus objetivos de desenvolvimento e impulsionar suas aspirações como potência emergente no sistema internacional. A região se apresenta como um ponto influenciador das percepções e identidades políticas, colocando-se como um nível de análise fundamental para a interpretação e compreensão das suas estratégias de política externa.

A cooperação regional entre o Sul da Ásia e o Sudeste Asiático é um componente da política de cooperação regional asiática empreendida pela Índia e de atualização da política do Look East para um Act East (MUKHERJEE, 2008). As arquiteturas sub-regionais viabilizam um “regionalismo de duas velocidades” (MOHAN 2015), contribuindo ao desenvolvimento econômico regional. Os agrupamentos sub-regionais criam espaços políticos para a Índia instrumentalizar seu soft power e implementar mecanismos de facilitação ao desenvolvimento regional que criam oportunidades à Nova Delhi de promover sua cultura e seu pensamento político regionalmente.

No entanto, a SAARC não é uma instituição comercialmente bem sucedida, pois a mesma não consegue cooperar de maneira significativa nas áreas comercial, econômica e industrial, devido ao fato das economias do Sul da Ásia serem competitivas entre si e não complementares, às altas taxas de barreiras tarifárias e não tarifárias e à baixa qualidade na infraestrutura de conexão física, dificultando a coordenação de políticas comuns eficientes. Apesar de a instituição apresentar um caráter político estratégico enquanto fórum de diálogo intra-regional, com o objetivo de responder positivamente aos conflitos regionais, esta não consegue superar as relações historicamente conflituosas entre Índia e Paquistão.

A Índia tem um conflito direto com o Paquistão marcado por assimetrias econômicas e pelo caráter religioso dos dois países. Desde suas independências, ambos travaram guerras em 1947, 1965 e 1971, além de um conflito na região de Kargil, em 1999. O principal ponto de divergência entre os dois países continua sendo a região da Caxemira. A relação de proximidade do Paquistão com a China é outro motivo para oscilar as tensões políticas regionais, em especial sino-indianas e indo-paquistanesas (LIMA, 2012; STUENKEL, 2013).

O comércio da Índia no Sul da Ásia gira em torno de US$19,1 bilhões, o que representa apenas 3% de seu comércio global, avaliado em U$637,4 bilhões. Estima-se que a redução de barreiras comerciais na        região poderia triplicar o volume financeiro proveniente do comércio regional. Diante de uma região caracterizada pela significativa instabilidade regional e insegurança econômica, a Índia vem defendendo a consolidação do conceito de “Indo-Pacífico”, enquanto estratégia de ampliação do regionalismo na Ásia. Em abril de 2019, o Ministério das Relações Exteriores indiano estabeleceu uma nova divisão em seu organograma, a do Indo-Pacífico. A divisão é chefiada pelo secretário-adjunto, Vikram Doraiswami, e integrará a Associação da Orla do Oceano Índico para a Cooperação Regional (IORA), a Iniciativa da Baía de Bengala para Cooperação Técnica e Econômica Multi-Setorial (BIMSTEC), a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e o Diálogo Quadrilateral de Segurança (Quad), formado por EUA, Japão, Austrália e Índia (DIPLOMAT, 2019).

Essa mudança burocrática no Ministério das Relações Exteriores da Índia alinha-se à visão do primeiro-ministro, Narendra Modi, que utilizará desta divisão como ponto central para coordenar as atividades em torno das diferentes mesas regionais que configuram a geopolítica asiática e representam oportunidades de inserção regional para a Índia. Dessa forma, a ideia de Indo-Pacífico, conceito cunhado pelo Primeiro-Ministro japonês, Shinzo Abe e firmado em 2017, pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, diante de líderes asiáticos reunidos nas Filipinas, em substituição ao tradicional conceito de Ásia-Pacífico, estabelecido na Guerra Fria (VALOR, 2018), reforça a importância do papel estratégico da Índia na região e o reconhecimento pela busca de seus interesses políticos, sobretudo, diante da ascensão do Gigante Asiático – China, no panorama geopolítico internacional, que vem conformando um cenário de rivalidade com os Estados Unidos nas relações internacionais.

À medida que o Indo-Pacífico se torna um elemento mais central da política externa de Nova Delhi, verifica-se maiores esforços de Modi pela consolidação de uma política regional que possa compartilhar a visão de uma região “livre, aberta e inclusiva”, de modo a permitir que a Índia possa ampliar sua inserção regional nas dimensões econômicas, comerciais, políticas e de segurança, sem abandonar a noção de equidistância pragmática que caracteriza as suas relações de equilíbrio entre os Estados Unidos e a China, assim como estabelecer coalizões com países importantes da região (MUNI, 2015).

A adesão do país a outras organizações regionais e a consolidação do conceito de Indo-Pacífico está sendo vital para a sua projeção e sobrevivência, bem como para garantir um crescimento econômico continuado. A participação indiana em outras organizações regionais também permite ao país posicionar-se internacionalmente como um ator mais assertivo no processo de desenvolvimento das normas internacionais e das decisões coletivas. A socialização com líderes políticos da região fornece a oportunidade para se criar um fórum de diálogo que possa levar a Índia a tratar tanto questões mais sensíveis à sua segurança e desenvolvimento, quanto versar sobre assuntos de interesse nacional (ASIA TIMES, 2019).

Depois de estar na periferia por décadas, presencia-se um envolvimento pró-ativo da Índia na Ásia, mais especificamente na região do Indo-Pacífico, sob a administração de Narendra Modi. A cooperação regional é reforçada por um crescimento substancial do comércio indiano com o Leste e o Sudeste Asiático, ao mesmo tempo em que busca mecanismo para incrementar as relações no Sul da Ásia. A estratégia de regionalismo da Índia é um trabalho em andamento. O país demonstra-se determinado a se posicionar ativamente na nas relações internacionais da Ásia, de maneira a enfatizar suas vantagens econômicas, geopolíticas e estratégicas. A defesa de uma arquitetura regional emergente que seja aberta e inclusiva é um movimento que busca confrontar uma antiga percepção de que o centro econômico e político da Ásia referiam-se à região Leste e Sudeste, excluindo a Índia de importantes questões regionais.

Portanto, o conceito de Indo-Pacífico oferece maiores oportunidades para a Índia se projetar de um ator regional asiático para um ator global (THE DAILY STAR). Nesse sentido, a Índia apresenta uma clara preferência em continuar sua participação na Cimeira do Leste Asiático, ampliando suas relações com a ASEAN, na Iniciativa da Baía de Bengala para Cooperação Técnica e Econômica Multi-Setorial (BIMSTEC), no Quad e nas demais organizações regionais para além da zona da SAARC (DAS, 2016).

A Índia passou a ser interpretada como um importante ator no equilíbrio de poder na Ásia, sobretudo, em relação à significativa presença chinesa e seu projeto Belt and Road Initiative (BRI), que aparenta demonstrar fortes propósitos econômicos e militares, ampliando o nível de preocupação e desconfiança de Nova Delhi. A política externa indiana concentra-se na ampliação do regionalismo como nunca antes. A consolidação do conceito de Indo-Pacífico favorece a utilização do soft power indiano na construção de arranjos regionais e sub-regionais alternativos, contribuindo para alterar favoravelmente as relações de confiança com a vizinhança, baseando-se em um senso de significativo pragmatismo.

A recente reeleição do Primeiro-Ministro, Narendra Modi, em maio de 2019, pelo partido nacionalista hindu, Bharatiya Janata Party (BJP), que ganhou 303 assentos no Parlamento da Índia e somado com a sua aliança, comanda 352 assentos, contra os 52 assentos conquistados pelo Congresso Nacional Indiano, partido liderado pelo candidato derrotado, Rahul Gandhi, segundo Hall (2019), foi recebida com certo alívio pelos países do Indo-Pacífico. Isso porque as expectativas da política externa indiana sinalizam maior continuidade no papel de interlocutor regional, garantida pelas habilidades de liderança do Primeiro-Ministro, favorece melhores relações de equilíbrio com a China e possibilidades de conclusão do Regional Comprehensive Economic Partnership (RECP), concentrada na ASEAN. Contudo, Modi depara-se com um ambiente internacional mais desafiador desde que chegou ao poder, em 2014.

A China está mais assertiva regional e globalmente, limitando as estratégias de inserção regional e ascensão global da Índia, enquanto o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao mesmo tempo em que busca estabelecer a Índia como um grande parceiro estratégico[1] e um aliado em termos de vendas de hardware militar e transferência de tecnologia, pressiona a política externa de Delhi por mudanças em aspectos comerciais ao forçar a redução da compra de petróleo do Irã e da Venezuela, a fim de evitar sofrer com as potencias sanções americanas. O Paquistão continua aproveitando-se da inserção chinesa no Sul da Ásia para aprofundar suas relações bilaterais e confrontar a assertividade indiana.

A campanha de reeleição de Modi incluiu uma forte retórica em torno da segurança nacional, assim como promessas de punir o Paquistão por supostamente ter apoiado uma revolta armada na região disputada da Caxemira. Os países do Sul da Ásia compreendem a China como um país com maior capacidade para responder economicamente às suas necessidades de desenvolvimento, dificultando os esforços indianos de integrar economicamente a região. Dessa forma, caberá à tradicional política externa de não-alinhamento, equilibrar suas relações regionais e globais, bem como aos parceiros estratégicos da Índia, principalmente, a Austrália e o Japão, fortalecer as iniciativas de cooperação, de maneira a administrar os desafios impostos pela crescente mudança geopolítica e econômica, condição fundamental para sustentar a ascensão global da Índia. A significativa vitória de Narendra Modi, a primeira desde 1971 em que um Primeiro-Ministro em exercício manteve a maioria absoluta, demonstra a sua grande popularidade e a força do seu capital político, o que poderá contribuir para consolidar a sua visão de futuro para a Índia.

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NOTAS
[1] A Asia Reassurance Initiative Act (Lei da Iniciativa de Recuperação da Ásia) deixa claro o apoio do Congresso Americano para a parceria estratégica com a Índia, visando articulações de segurança no âmbito do Quad.
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REFERÊNCIAS
ASIA TIMES. New Delhi’s Indo-Pacific “Great Game”. Disponível em:https://www.asiatimes.com/2019/04/opinion/new-delhis-indo-pacific-great-game/, 2019.
CHAUDHURY, Rahul R. India’s Neighbourhood Policy in the First Year of the Modi Government. Text of the Talk at IISS-US, Washington, DC, 2015.
DAS, Angana. India’s Neighbourhood Policy: Challenges and Prospects. Jindal Journal of International Affairs, Vol. 4, Issue 1, 2016.
HALL, Ian. After Modi’s election win, what’s next for India in the Indo-Pacific?, Disponível em: https://www.aspistrategist.org.au/after-modis-election-win-whats-next-for-india-in-the-indo-pacific/, 2019.
HARSH, Pant. Modi 2.0 confronts a challenging foreign policy landscape. Disponível em:https://thediplomat.com/2019/05/modi-2-0-confronts-a-challenging-foreign-policy-landscape/, 2019.
LIMA, Marcos C. Política Internacional Comparada. O Brasil e a Índia nas novas relações Sul-Sul. Ed. Alameda, 2012.
MOHAN, Raja. India’s Role in Asian Security. In: N. S. Sisodia and V. Krishnappa (eds.), Global Power Shifts and Strategic Transition in Asia, New Delhi: Institute of Defense Studies and Analyses, pp. 33–56, 2009.
MOHAN, Raja. Two speed regionalism. The Indian Express. http://indianexpress.com/article/opinion/columns/two-speed-regionalism/, 2015.
MUKHERJEE, Pranab. External Affairs Minister on ‘India and the Global Balance of Power’, on the occasion of the national launch of the Global India Foundation, 2008.
MUNI, S. D. Narendra Modi’s Foreign Policy: Rebuild South Asian Neighbourhood. Claws Journal, no. 1, 2015.
STUENKEL, Oliver. A Índia na Ordem Global. Coleção Entenda o Mundo. Ed. FGV, 2013.
THE DAILY STAR. Indo-Pacific Strategy: Implications for the Region. Disponível em:https://www.thedailystar.net/round-tables/news/indo-pacific-strategy-implications-the-region-1717426, 2019.
THE DIPLOMAT. 5 Big Ideas for the Indian Foreign Ministry’s New Indo-Pacific Desk. Disponível em:https://thediplomat.com/2019/05/5-big-ideas-for-the-indian-foreign-ministrys-new-indo-pacific-desk/, 2019.
VAJPAYEE, Atal Bihari. You Can Change Friends, Not Neighbors. http://articles.economictimes.indiatimes.com/2003-05-09/news/27547221_1_india-and-pakistanjammu-and-kashmir-lahore-declaration, 2016.
VALOR. Novos conceitos e estratégias na Ásia. Disponível em:https://www.valor.com.br/opiniao/5610325/novos-conceitos-e-estrategias-na-asia, 2018.
WU, Jin; GETTLEMAN, Jeffrey. India Election 2019: A simple guide to the world’s largest vote. New York Times. Disponível em:https://www.nytimes.com/interactive/2019/world/asia/india-election.html#hed-6, 2019.
 

Escrito por

Observatório de Regionalismo

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