O rompimento da barragem da Vale situada na cidade de Brumadinho, ocorrido no dia 25 de janeiro de 2019, foi um dos maiores desastres com resíduos/rejeitos de mineração acontecidos no Brasil e ocorreu poucos anos após o desastre de Mariana, em 2015, em que uma barragem da Samarco rompeu-se, também no estado de Minas Gerais e lançou no meio ambiente 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos oriundos de atividades de mineração. No episódio de 2015, 19 pessoas morreram, comunidades e florestas foram devastadas, a pesca se tornou impraticável em grande parte do Rio Doce. A Vale foi judicialmente responsabilizada, uma vez que, junto com a BHP Billiton, é acionista da Samarco.

 No caso de Brumadinho, os danos ambientais e socioeconômicos ainda não foram devidamente calculados, mas dados preliminares, divulgados dia 5 de fevereiro, mostram que 126 pessoas morreram e 226 estão desaparecidas. Ademais, a prefeitura de Pará de Minas (MG) decretou estado de emergência devido à contaminação do rio Paraopeba, sendo este a principal fonte de água do município Esse rio tem a finalidade de atender à região metropolitana de Belo Horizonte, mas a captação de água de seu leito foi suspensa pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) e outras represas da região têm sido utilizadas para atender a população.

Segundo dados obtidos por meio de imagens de satélite, o rompimento da barragem destruiu 269,84 hectares. Em análise realizada pelo Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais (CENIMA) do IBAMA, consta que os rejeitos de mineração devastaram 133,27 hectares de vegetação nativa de Mata Atlântica e 70,65 hectares de Áreas de Proteção Permanente (APP). ao longo dos cursos d’água afetados pelos rejeitos, os quais já percorreram mais de 98 quilômetros.

A Justiça de Minas Gerais decidiu pela suspensão da operação da Vale nas barragens da mina de Brucutu, a maior da empresa no estado e exigiu a paralisação das atividades de oito barragens de rejeitos na região. A Vale fica também obrigada a se abster de “lançar rejeitos ou praticar qualquer atividade potencialmente capaz de aumentar os riscos das barragens“. Entre multas e bloqueios, a Vale está impossibilitada de movimentar 11,8 bilhões de reais.

As causas do rompimento da barragem da Vale que integra a Mina do Feijão, no município de Brumadinho, estão sendo investigadas. Segundo a Vale, desde 2015 a estrutura não recebia mais rejeitos e estava em processo de encerramento de atividades, além desta estar com as licenças ambientais em dia, segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Minas Gerais (SEMAD). A barragem estava classificada como de baixo risco.

Casos como o de Brumadinho e Mariana trazem a indagação quanto aos possíveis riscos de contaminação de recursos transfronteiriços. São diversos os ecossistemas compartilhados pelo Brasil com seus vizinhos e, no que diz respeito a recursos hídricos, o Brasil detém 12% das reservas de água doce do planeta e 53% dos recursos hídricos da América do Sul.  O país possui 83 rios fronteiriços e transfronteiriços, sendo que as bacias de rios transfronteiriços ocupam 60% do território brasileiro. Em seu discurso, a diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, em ocasião do 8º Fórum Mundial das Águas, afirmou que 90% da população mundial depende de recursos hídricos transfronteiriços, o que demonstra a necessidade de ações conjuntas e de cooperação para esses recursos imprescindíveis.

O Brasil é parte de diversos acordos regionais para suas águas, como o Tratado da Bacia Do Prata (1969), Tratado de Cooperação Amazônica (1978), o Acordo Quadro de Meio Ambiente do Mercosul (2004), Acordo Tripartite de Cooperação Técnica e Operacional entre Itaipu e Corpus (1979), entre outros marcos internacionais e acordos bilaterais (BRASIL, 2018).

No que diz respeito especificamente às barragens, elas podem ser definidas, de acordo com o Comitê Brasileiro de Barragens (2013), como obstáculos artificiais com a capacidade de reter água, qualquer outro líquido, rejeitos, detritos, para fins de armazenamento ou controle, para fornecimento de água, de energia hidrelétrica, para controle de cheias e para irrigação, entre outras finalidades. Alguns dos riscos do rompimento de uma barragem são contaminação, alagamento, destruição de comunidades locais, modificação de ecossistemas, entre os diversos danos socioambientais.  Um dos casos de barragem em região transfronteiriça é o da hidrovia do Mercosul, com 1.860 quilômetros de vias navegáveis e trata-se de um eixo de fundamental importância para o intercâmbio comercial entre o Brasil e o Uruguai. Também houve o caso da aprovação da construção das usinas hidrelétricas do rio Madeira, em 2007, caso este que resultou na reclamação boliviana sobre a ausência de informações quanto à possibilidade de inundação de território boliviano na obra de barragem no afluente do rio Amazonas.

A Política Nacional de Segurança de Barragens, PNSB – Lei Nº 12.334/10, segundo consta no site da Agência Nacional das Águas (ANA) prevê ser “ atribuição da ANA manter cadastro das barragens sob sua jurisdição – aquelas em reservatórios e rios de gestão federal (interestaduais e transfronteiriços) com a finalidade de usos múltiplos da água e que não tenham a geração hidrelétrica como finalidade principal” (BRASIL, 2018).

Após as tragédias de Mariana e Brumadinho foi atestado que diversas barragens estão em situação de risco. Levando em consideração obras de infraestrutura desse porte em regiões transfronteiriças, é preciso pensar se existem mecanismos em instâncias regionais que levem em consideração casos como esses e que sejam facilitadores para a cooperação na prevenção, troca de informações e iniciativas conjuntas. O Mercosul possui o Acordo Quadro de Meio Ambiente do Mercosul, assinado em 2001. Nesse documento, a ênfase se dá na proteção do meio ambiente, sua conservação e desenvolvimento sustentável mediante a cooperação. O texto destaca a necessidade de embasamento nas questões ambientais atreladas aos interesses comerciais do bloco. Assim, o Protocolo Adicional ao Acordo-Quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul em Matéria de Cooperação e Assistência frente a Emergências Ambientais de 2004, busca a cooperação em momentos de emergência ambiental, proteção, mitigação recuperação, bem como na assistência, troca de informações e definição de riscos comuns nesses casos.

A emergência ambiental é considerada um fenômeno de origem natural ou antrópica, ou seja, aquelas relacionadas às atividades humanas capazes de provocar ou potencializar danos ao meio ambiente, bem como desequilibrar ecossistemas, requerendo assistência imediata.  Os organismos que cada Estado julgue competente na situação deverão cooperar em caso de emergência ambiental. Em seu artigo 3, quanto ao alcance do protocolo, percebe-se o empenho não só na ação em caso de emergência, mas também na prevenção e definição dos riscos, assim como de capacitação tecnológica e dos responsáveis.

Entretanto, assim como em outros textos de documentos do Mercosul, pouco se especifica quanto a essas situações e exceto a definição de emergência e ponto focal, o Protocolo traz diretrizes gerais, que não são acompanhadas de propostas de ações efetivas na prevenção e, principalmente, na troca de informações, ponto primordial em iniciativas de cooperação; somente faz parte do Protocolo a cooperação intergovernamental entre organismos competentes dos Estados para prevenção e em casos de emergências ambientais. Ademais, o Acordo Quadro de Meio Ambiente do Mercosul dá especial ênfase às questões que abarcam comércio e meio ambiente.

As legislações ambientais dos países vizinhos do Brasil e membros do Mercosul são assimétricas (HOCKSTETLER, 2003). O Brasil é dotado de uma legislação avançada para a temática ambiental, mas sua aplicação, frequentemente, esbarra na ausência de instrumentos e meios, destaque-se a fiscalização, para os efetivos cumprimentos legais nessa matéria, como o caso de Brumadinho. As ações e mecanismos em instâncias regionais para o meio ambiente, como o Mercosul, ainda estão aquém do desejável, especialmente, em uma região como a sul americana, dotada de tamanha riqueza e diversidade ambiental.

Por fim, o Protocolo adicional ao Acordo Quadro de Meio Ambiente do Mercosul tem como fulcro ocasiões de emergência e pouco aborda a prevenção desses casos, já que considera emergências também antrópicas. Os blocos regionais deveriam ser instâncias facilitadoras da cooperação nas diversas temáticas, contudo, no âmbito regional e nacional o meio ambiente é tópico recorrente, mas não efetivo.

REFERÊNCIAS

HOCKSTETLER, K. Fading Green: Environmental Politics in the Mercosur Free Trade Agreement. Latin American Politics and Society, v. 45, n. 4, p.1-32,2003.

Escrito por

Maria Luísa Telarolli

Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós- Graduação UNESP, Unicamp e PUC-SP "San Tiago Dantas" e doutoranda em Geografia Humana pela USP. Pesquisa recursos hídricos, governança internacional e o Aquífero Guarani, mais especificamente,o Acordo do Aquífero Guarani no MERCOSUL. Além de ser membro do Observatório de Regionalismo, também é membro do Grupo de Estudos Interdisciplinares de Cultura e Desenvolvimento (GEICD) da UNESP/ FCLar, da Waterlat - Gobacit e do Grupo de Geografia Política e Meio Ambiente do Departamento de Geografia Humana da USP.