Foto oficial dos Chefes de Estado e de Governo na 8ª Cúpula das Américas, em Lima, no Peru – Por Clauber Cleber Caetano/PR (Imagem de Agência Brasil)

Nos dias 13 e 14 de abril, a cidade de Lima, no Peru, sediou a VIII Cúpula das Américas. O evento, que reúne representantes e chefes de Estado e de governo dos 34 países americanos, teve como mote oficial o combate à corrupção. A crise na Venezuela e na Síria foram temas que tomaram a energia do evento, além dos efeitos do governo Trump para a agenda dos Estados Unidos. Desde a primeira edição da Cúpula, em 1994, essa é a primeira vez que um mandatário estadunidense não participa do evento.

A Cúpula das Américas foi criada por uma iniciativa da política externa estadunidense, sob a batuta do então presidente Bill Clinton, e cumpriu o objetivo de aproximar os Estados Unidos dos países latino-americanos. Durante os anos 1990, os EUA pretenderam reafirmar a América Latina como sua zona de influência, mesmo que na ausência de um adensamento da cooperação com a região. Um dos principais marcos dessa aproximação estratégica esteve relacionado à proposição de Washington de constituição do Acordo Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), que buscava incluir os países latino-americanos, juntamente do Canadá e do México, em um grande tratado de livre comércio.

No entanto, o cenário da governança hemisférica de 1994 não é o mesmo que desponta nos dias atuais. Desde então, ocorreram mudanças importantes no desenho da cooperação latino-americana. A União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) são organizações que passaram a compor a arquitetura regional como típicas do regionalismo pós-liberal e alternativas à Organização dos Estados Americanos, enquanto a Aliança do Pacífico se constitui bloco econômico que segue os postulados do regionalismo aberto. Já o Mercosul, refletindo a nova composição ideológica de governos de esquerda na América do Sul, passou por um momento de reformulação simbolizado pelo Consenso de Buenos Aires, firmado entre os presidentes Lula da Silva e Néstor Kirchner, em 2003.

Nos últimos anos, os governos de Temer, no Brasil, e Macri, na Argentina, impetram uma agenda de caráter liberal. Tais países não veem na UNASUL um ambiente adequado para a governança sul-americana. Ao contrário, sobram queixas acerca de seu aspecto ideológico, retomando a prioridade para os instrumentos hemisféricos como a OEA. Soma-se a estes o Peru, com recém-renunciado Pedro Pablo Kuczynski (PPK). Em contrapartida, Venezuela, Equador e Bolívia são países que seguem na resistência por um projeto pós-hegemônico na região sul-americana. Durante a VIII Cúpula, por exemplo, o presidente boliviano Evo Morales foi um dos únicos a criticar abertamente o governo estadunidense por considera-lo uma ameaça contra a democracia, a paz e a liberdade[1].

No âmbito global, a ascensão econômica da China tem alterado a correlação de forças no sistema internacional, impactando sobremaneira o papel da América Latina nesse cenário. Para Pequim, a região se firma como parceira estratégica tanto na exportação de commodities quanto mercado consumidor dos produtos chineses. A presença do gigante asiático se dá em um momento de particular desgaste nas relações EUA-América Latina.

Em tal conjuntura, qual o significado da Cúpula no ano de 2018? Primeiramente, a Cúpula se mantém uma regularidade dos últimos vinte e quatro anos, o que aponta um sentido de continuidade para governança hemisférica emulada pelos Estados Unidos. Em segundo lugar, a importância das instituições internacionais não reside apenas na manutenção de sua existência, mas no significado que representa para as relações internacionais e os atores envolvidos. Esse significado pode ser mensurado de diversas formas: por sua eficiência e eficácia, simbolismo ou mesmo a capacidade de gerar respostas a uma problemática da comunidade internacional. Ao analista de relações internacionais, cabe, então, extrair o significado desses processos e fenômenos em dado contexto.

No fim de semana de sua realização, a VIII Cúpula foi ofuscada pelo escalamento da tensão da segurança internacional, que culminou no ataque da coalizão formada por Estados Unidos, Reino Unido e França contra as cidades sírias de Damasco e Homs, sendo esta uma das justificativas oficiais para a ausência do presidente Donald Trump no encontro.

De acordo com Lívia Milani[2], a ausência do mandatário estadunidense pode ser lida como parte de um desinteresse maior dos Estados Unidos pela região hemisférica, que reflete um processo de deslocamento da prioridade estadunidense para regiões como Ásia e o Oriente Médio nas últimas décadas. Em contrapartida, mesmo diante de tal fato, Milani reconhece a inflexão positiva da administração Obama ao fazer do fórum um instrumento de aproximação com as Américas. Trata-se da Cúpula anterior, realizada no Panamá, no ano de 2015, e que representou um passo no restabelecimento das relações políticas entre Estados Unidos e Cuba. Até então, o país caribenho havia sido excluído de participação, em razão de longo embargo sofrido pela potência norte-americana.

Além disso, o agravamento da crise na Venezuela foi um dos impedimentos à presença do presidente Nicolás Maduro, que teve a sua participação vetada no Encontro. No último fórum, a então delicada relação política entre Washington e Caracas havia galgado um patamar mais crítico no mês anterior à VII Cúpula, após o presidente Barack Obama ter expedido ofício[3] em que declarou a Venezuela uma ameaça à segurança nacional dos EUA.

Dos resultados imediatos da VIII Cúpula, destaca-se uma série de compromissos de combate à corrupção firmados em uma carta final, diante da ausência de um consenso sobre a declaração presidencial final. O Compromisso de Lima sugere ações que vão desde a promoção de medidas de transparência nos gastos públicos até o aperfeiçoamento institucional para a coibir práticas de corrupção, de modo que a implementação de seus 57 pontos terá de ser acompanhada especificamente em cada caso.

Em termos de sua eficácia, no entanto, as discussões da Cúpula não renderam resoluções mais concretas acerca de temas sensíveis ao continente e representativos dos países latino-americanos, como é o caso da crise humanitária na Venezuela, que gera danos tanto de uma perspectiva nacional, ao povo venezuelano, quanto do ponto de vista intrarregional na América do Sul.

Em um momento que as relações internacionais se repensam de modo geral, tal qual sugerido pela cientista Karina Mariano em entrevista recente[4], o fato de as lideranças americanas reunirem-se para o diálogo em cooperação já é em si um fator positivo em um mundo cujo signo maior tem sido o da desfragmentação. Em contrapartida, como demonstram as análises, o significado da Cúpula tem sido pautado mais por suas ausências que por sua presença.

[1] https://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN1HL17C-OBRDN

[2] http://www.opeu.org.br/2018/04/13/trump-cancela-sua-primeira-viagem-oficial-a-america-latina/

[3] http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/03/obama-amplia-sancoes-contra-autoridades-venezuelanas.html

[4] https://observatorio.repri.org/artigos/27-anos-de-mercosul-um-balanco-positivo-ou-negativo/

Escrito por

Lucas Eduardo Silveira de Souza

Bacharel em Relações Internacionais (Unesp) e Mestre em Relações Internacionais (UnB). Área de interesse: América do Sul, regionalismo sul-americano, Unasul, integração regional e política externa brasileira.