Texto por Guilherme Ferreira e Julia de Souza Borba Gonçalves.

2017 é o último ano de mandato da presidente Michelle Bachelet. Sucessora de Sebatián Piñera (março/2010 – março/2014), Bachelet buscou realizar uma gestão que ao mesmo tempo em que se distanciava de seu antecessor (o qual apoiou Evelyn Matthei[1], opositora a Bachelet nas eleições de 2013), avançava em reformas, tal como a gratuidade da educação universitária e o fim do sistema eleitoral binominal. Em questões de política externa para a região, Bachelet nomeou Heraldo Muñoz para estar à frente do Ministério de Relações Exteriores, que buscou aproximar a Aliança do Pacífico e o Mercosul, sob o mote “Convergencia en la diversidad”.

O processo eleitoral chileno e o cenário pós-primeiro turno nos trazem à luz elementos importantes para a análise destas eleições em particular. São elementos que se conectam e que, de certa maneira, mantém uma relação de causalidade: o primeiro deles foi justamente a quantidade de candidatos. A Profa. Dra. Lorena Oyarzún (Universidad de Chile), em entrevista publicada anteriormente no blog do ODR sobre as eleições presidenciais, destacou a ocorrência de várias candidaturas para este ano: Carolina Goic (Democracia Cristiana), José Antonio Kast, Merco Enriquez-Ominami (Partido Progresista), Eduardo Artés (Unión Patriótica), Alejandro Navarro (Partido País), Sebastián Piñera (Chile Vamos), Alejandro Guillier (Fuerza de la Mayoría) e Beatriz Sánchez (Frente Amplio).

O segundo foi o contraste entre as pesquisas de opinião e os resultados do primeiro turno. Iniciada a disputa eleitoral, a mídia posicionava Sebastián Piñera como favorito à presidência e com possibilidade de triunfar ainda no primeiro turno (19/11/2017), enquanto Beatriz Sánchez (Frente Amplio) tinha aproximadamente 11% das intenções de voto[2]. O resultado de novembro revelou um cenário totalmente distinto daquele que se previa: Sebastián Piñera (36%) não se elegeu no primeiro turno e enfrentou Alejandro Guillier (22%) durante o segundo.

O terceiro foram os votos totais do Frente Amplio (20%). Não se esperava que o Frente Amplio tivesse essa quantidade de votos e seu apoio definitivo, principalmente o apoio de Beatriz Sánchez, a Guillier poderia representar uma derrota a Piñera.

No segundo turno, como tem sido praxe nas últimas eleições sul-americanas, os discursos e as próprias campanhas trataram de criar um ambiente polarizado Piñera como o candidato da “direita” e Alejandro Guillier, como o candidato da “esquerda”. A estratégia da campanha de Guillier usou a ideia “Anti-Piñera” para angariar os votos da “esquerda”, sobretudo, da Frente Amplio. Piñera, por outro lado, utilizava do jargão “Chilezuela”, em uma alusão de que a vitória de Guillier transformaria o Chile em uma Venezuela, apostando que o temor eleitoral poderia angariar votos à Piñera[3].

Ao longo da campanha de segundo turno, Guillier angariou o apoio de outras candidaturas (Democracia Cristiana e Marco Enríquez-Ominami), da própria presidente Bachelet[4]e do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica[5]. O Frente Amplio foi o último a declarar seu apoio a Guillier: a princípio, não apoiou a favor, chamando todos a participarem do 2º turno, mas ressaltou que a volta de Piñera representaria um retrocesso. Isso foi visto como uma tentativa por parte do Frente Amplio de preservar seu capital político (o qual perdeu para Guillier por apenas 2%) para as próximas eleições, uma vez que Beatriz Sánchez fez uma campanha destacando-se como candidata com propostas diferentes das dos demais, incluindo o próprio Guillier, e que este, em uma eventual vitória, este não poderia se candidatar novamente (não há reeleição no Chile), colocando Sánchez como favorita para as eleições de 2021. O Frente Amplio formaliza seu apoio a Guillier após vários políticos ligados à coalizão declararem o voto a Guillier e, por fim, com o anúncio por parte de Beatriz Sánchez após Sebastián Piñera solicitar a recontagem dos votos[6].

Após as declarações de apoio dos demais candidatos e vislumbrando a possibilidade de triunfar sobre seu adversário, Guillier monta um novo plano de governo que inclui pontos dos planos de governos dos candidatos do primeiro turno, em um gesto de aproximação aos mesmos, incluindo o Frente Amplio[7]. Em relação ao programa de política externa, especificamente sobre integração regional, o programa de Guillier manteve a ideia do governo de Bachelet de que o Chile tem o potencial de atuar como ponte entre o Atlântico e Pacífico.

No entanto, como já mencionado pela Profa. Lorena Oyarzún, a centro-direita esteve mais coesa ao longo das campanhas e os resultados do pleito deste último domingo (17/12/2017) elegeram Sebastián Piñera, com 54% dos votos, reafirmando a onda conservadora e as derrotas dos partidos de esquerda nas últimas eleições na América do Sul.

Ainda que seja demasiado recente para tratar das consequências da vitória de Piñera para a relação do Chile com a região, é possível, a partir do plano de governo e de declarações do candidato, apontar elementos que certamente se farão presentes no futuro governo.

Conforme apontou a Profa. Lorena, dadas as características da inserção internacional chilena, independentemente do candidato vitorioso, não haveriam muitas diferenças em termos de objetivos da política externa. Nesse sentido, a continuidade da defesa e promoção da liberalização comercial e um entendimento que aproxima a política externa de uma “diplomacia econômica” são elementos esperados da diplomacia chilena.

Especificamente sobre a proposta do governo Piñera, chama a atenção a tímida presença da América do Sul, em uma clara estratégia de abandono com a estratégia da presidente Bachelet que realizou esforços no sentido de colocar o Chile como um ator chave nas relações entre o Atlântico e o Pacífico, por meio da aproximação entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul. Nesse sentido, parece-nos sintomático que os termos “Brasil” e “Mercosul” não apreçam sequer uma vez durante as 194 páginas do programa de governo do novo presidente Chileno[8].

Quando trata dos seus vizinhos fronteiriços, o presidente Piñera coloca aprofundamento do comércio e a promoção da livre circulação de bens, pessoas e capitais como foco das relações com a Argentina e com o Peru, inclusive afirmando o apoio à entrada desses países na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Chile é membro desde 2010. Sobre a Bolívia, o programa de governo limita-se a fazer referência à necessidade de estabelecer uma relação bilateral pacífica para a resolução do contencioso sobre a saída ao mar reclamada pela Bolívia na Corte Internacional de Justiça[9].

Em síntese, nesse imediato pós-eleição, o que se pode indicar sobre o futuro governo Piñera é a intenção de continuar com a estratégia de firmar tratados bilaterais de livre comércio e avançar na harmonização de regras para o comércio e investimento no âmbito da Aliança do Pacífico, em uma aposta de buscar relações fora da América do Sul, tendo já sinalizado interesse na China e na Índia, em um claro movimento de distanciamento do Mercosul.

[1] Disponível em: http://www.biobiochile.cl/noticias/2013/10/12/sebastian-pinera-da-espaldarazo-a-evelyn-matthei-tiene-todo-para-ser-una-gran-presidenta-de-chile.shtml. Acesso em: 11 dez. 2017.

[2] Disponível em: http://www.elmostrador.cl/noticias/pais/2017/10/03/cerc-mori-pinera-44-y-guillier-30-de-las-preferencias-del-votante-probable/. Acesso em: 11 dez. 2017.

[3] Disponível em: https://www.df.cl/noticias/economia-y-politica/actualidad/la-polemica-sobre-chilezuela-analizada-desde-la-perspectiva/2017-12-15/125501.html. Acesso em: 17 dez. 2017.

[4] Disponível em: http://www.biobiochile.cl/noticias/nacional/chile/2017/11/21/pinera-y-cita-bachelet-guillier-no-debe-olvidar-que-es-presidenta-de-todos-los-chilenos.shtml. Acesso em: 11 dez. 2017.

[5] Disponível em: https://www.elpais.cr/2017/12/14/mujica-reafirma-en-chile-su-respaldo-a-guillier-y-defiende-el-progresismo/ Acesso em: 18 dez. 2017.

[6] Disponível em: http://www.adnradio.cl/noticias/politica/beatriz-sanchez-entrego-su-apoyo-a-guillier-tras-la-denuncia-de-pinera/20171204/nota/3656295.aspx. Acesso em: 11 dez. 2017.

[7] Disponível em: http://www.latercera.com/noticia/guillier-suma-propuestas-sanchez-goic-programa-gobierno/. Acesso em: 11 dez. 2017.

[8] Disponível em https://storage.googleapis.com/spinera-bucket/Programa%20Sebastia%CC%81n%20Pin%CC%83era_hoja.pdf

[9] Ver http://www.valor.com.br/internacional/3057540/bolivia-vai-tribunal-internacional-com-demanda-contra-o-chile

 

Escrito por

Guilherme Ferreira

Professor Adjunto da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus de Osasco. Doutor e Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP/ UNICAMP/ PUC-SP). Bacharel em Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais - UNESP, campus de Franca, tendo realizado intercâmbio acadêmico de graduação no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. É pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR).