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Roberto Teles Lima Barros[1]

Joana Maria Barreto Andrade[2]

Ao longo do tempo e das discussões e digressões teóricas sobre o papel dos diferentes Estados dentro do sistema internacional, perpassou-se de modo tangente como diferenciar o tamanho das unidades dentro desse sistema e como suas ações divergiriam a partir dessa categorização. O caminhar desses debates levantou distintos modos de comparação quantitativos, somando-os a fatores geográficos, demográficos e econômicos como parâmetros objetivos de diferenciação da projeção de poder e relevância dos Estados (VITAL, 1967; ROTHSTEIN, 1968). Entretanto, os métodos objetivos desenvolvidos para esse tipo de análise encontravam dentro de si contradições e divergências sobre tipologia e critérios de diferenciação para a organização da hierarquia sistêmica das unidades, além de que, com a abertura de espaço para novas correntes teóricas, ampliou-se o leque de variáveis a serem analisadas. Ao fim, o que se percebe como substrato do decorrer dos debates sobre o tamanho e o poder de um Estado é a compreensão de que ambos são uma combinação de quesitos relacionais, contextuais, materiais (PANKE, 2012) e de autopercepção (KEOHANE, 1969) do mesmo em relação ao sistema ou subsistema no qual está inserido.

Para adequar um Estado em uma categoria vinculada ao tamanho e capacidades materiais, sendo elas econômicas, territoriais, militares ou demográficas, parte de questões comparativas, mesmo para as teorias de tradição neorrealista (WALTZ, 1979), em que o poder é um quesito relacional entre as unidades do sistema. Para os neorrealistas a exemplo do Waltz (1979) e Mearsheimer (1995), os Estados são egoístas e preocupam-se essencialmente com sua segurança e sobrevivência. Isso ocorre porque o sistema internacional é anárquico, ou seja, não há um governo supranacional que regule o comportamento dos Estados e, portanto, os mesmos não podem confiar uns nos outros, vivendo assim em um sistema de self-help, caracterizado pela disputa na balança de poder entre duas (bipolar) ou mais potências (multipolaridade) hegemônicas (WALTZ, 1979).

Dessa maneira, caberia aos pequenos Estados optarem um comportamento de bandwagoning, ou seja, na busca pela sobrevivência no sistema internacional anárquico, e por não possuírem capacidades materiais para contrapor-se às grandes potências, optam por aliar-se a uma delas, ao passo que as grandes potências, essas sim dotadas de capacidades materiais, optam por um comportamento de balancing, em que há a junção do fortalecimento das capacidades internas (militares e econômicas por exemplo) com a aliança entre iguais, ou seja, aliar-se com outras potências como forma de contrabalancear uma outra potência que ameace a sua hegemonia (WALTZ, 1979).

Ademais, para o neorrealismo, um Estado é pequeno ou grande em relação a outro o qual possa ser comparado (CHONG, 2007). No entanto, a catalogação de pequeno ou grande por critérios e limites objetivos mostra-se improdutiva e a levar a caminhos analíticos tortuosos, em que a compreensão e predição teórica encontram dissonância com a realidade. Como aponta East (1973), há um grave descolamento entre teoria e realidade ao considerar que Estados de similar porte territorial e demográfico hajam de maneira análoga apenas por tais fatores físicos e constrangimentos sistêmicos, como supor que Suíça, Paraguai, Croácia e Coreia do Sul tendessem a atuar de modo similar dentro do sistema internacional, mesmo que com diferentes graus de autonomia.

Entretanto, ainda que critérios objetivos não sejam vinculante à categorização de Estados dentro de uma hierarquia internacional, as discrepâncias entre capacidades das unidades do sistema são, em si, notáveis e possibilitam maior ou menor ação dos mesmos dentro do cenário internacional. Os limites geográficos e territoriais, por exemplo, dificultam o acesso a recursos e diminuem a possibilidade de maior dinamismo econômico, além de aumentar a vulnerabilidade deste para com os seus parceiros (VITAL, 1967; KEOHANE, 1971). Por conseguinte, Estados com menor capacidade econômica, por exemplo, tendem a deter potencial de influenciar múltiplos panoramas dos debates internacionais, especialmente pela debilidade de manter um corpo diplomático atuante em várias frentes e seus custos (PANKE, 2012).  A problemática se dá quando tais análises assumem que, por tais limitações, os pequenos Estados tendem a uma ação subjugada/a reboque/dependente das potências mais poderosas às quais tem interação, dando pouco espaço para uma ação autônoma ou variante (WALTZ, 1979; ELMAN, 1995). Além de uma tendência a uma política externa ou de segurança inativa, o pequeno Estado também não disporia de elementos ou interesses para ampliar e firmar sua influência, preocupando-se apenas com a sua subsistência dentro do sistema.

Determinar o contexto para a correlação entre o tamanho e projeção do Estado é um dos principais pontos para determinar seu potencial de atuação (ELMAN, 1995). O contexto indicará qual relação entre os pares e instituições no qual o Estado poderá interagir, a formação da relação sócio-histórica entre eles e o poder de barganha dentro da relação que se tem estabelecida (CHONG, 2007). O contexto pode ser estabelecido em relação ao quesito espacial da interação e do tema em que se trata. Portanto, o espaço é determinante para o estabelecimento de quais atores e alianças serão dadas em uma particular discussão ou negociação, definindo os papeis assumidos no meio das interações dadas, seja no âmbito regional e o internacional (PANKE, 2012).

Baseando-se nos pressupostos liberais, Rothstein (1968) e posteriormente Keohane (1969), apresentam tipologias e tendências que os Estados tem ao assumir seus papeis dentro da hierarquia sistêmica: Grande, Secundária, Média e Pequena. Se a Grande potência teria, atuando sozinha, dentro do sistema internacional um impacto vasto ou decisivo, a potência secundária representaria um escalão abaixo dentro da hierarquia, cujo impacto dentro do sistema é importante, porém não é decisivo. Já a potências médias entenderiam que seu impacto seria causado a partir de alianças ou ações dentro de instituições, entretanto reconhecendo que sozinhos não detém força para influenciar os outcomes. Assim, para as pequenas potências, sobraria o reconhecimento de seus líderes de que mesmo atuando em pequenos grupos e alianças, o impacto de suas decisões pouco ou nada influenciam no cenário internacional. Para Keohane e Rothstein a autopercepção dos líderes políticos de um Estado sobre o papel dele dentro do cenário internacional influenciam em suas tomadas de decisão e, por conseguinte, na postura de sua política externa.

Também podemos correlacionar essa questão com o que Lisa Martin e Beth Simmons (1998) abordam acerca dos atores domésticos e os modelos racionalistas de instituições. Passando da lógica interna para a internacional, as autoras elucidam que assim como atores domésticos agem racionalmente ao tentar maximizar seus interesses, os Estados podem cooperar para alcançar um fim comum mesmo com diferentes interesses envolvidos.

More generally, rationalist models of institutions that have been developed in domestic settings have the potential to be translated to the international level. As long as we are considering mixed-motive situations in which actors must cooperate in order to pursue their objectives, the incentives to construct institutions to structure and encourage cooperation are similar (MARTIN; SIMMONS, 1998, p.15).

Essa corrente teórica também contribui no debate por trazer o papel que as instituições internacionais podem desempenhar como agentes reguladores do comportamento dos Estados e na criação de regimes internacionais, que servem como uma possível alternativa aos pequenos Estados para que tenham um maior poder de atuação dentro da instituição e de certa forma ter seus interesses alcançados. Em “After hegemony”, Keohane (1984)[3] elucida a importância das instituições e regimes internacionais como promotores da cooperação entre grandes países. Para os neoliberais, a cooperação tende a aumentar ainda mais quando existem interesses comuns entre os Estados, e as instituições servem como canais de comunicação e transparência, pois tornam a trapaça menos lucrativa que a cooperação, inibindo assim os efeitos da anarquia (GRIECO, 1993).

Ainda referente à questão da autopercepção dita acima, essa abordagem explicativa faz eco ao proposto por Guzzini (2013) quanto aos instrumentos analíticos que uma abordagem construtivista oferece para as relações internacionais. Utilizando o conceito de campo de Bourdieu, Guzzini percebe a formação de valores (instituições) que conformam uma ação a partir da interação intersubjetiva dos agentes e a conformação histórica entre eles, onde são compartidos ideias e princípios, sempre em constante ressignificação e internalização. Toda ação de um agente dentro do campo é dotada de significado para ele e para os outros que estão por ali dispostos, tendo parâmetros que moldam a sua interpretação e podendo reproduzir ou ressignificar as normas e os padrões do campo. Para a nossa análise, o sentido de formação sócio-histórico e interpretativa dos agentes e líderes políticos dentro de um Estado e suas ações sendo dotadas de intersubjetividade é fulcral para a compreensão das várias nuances da política adotada pelo Paraguai após a crise de 2012, cuja ação não veio somente à revelia das vontades das grandes potências regionais ou extrarregionais, mas sim pelos entendimentos que sua elite política tinha sobre as oportunidades e constrangimentos que a situação lhe causava.

E, se tratando de uma análise que toca em um âmbito regional, os padrões de interações ampliam-se ao ponto de variações de comportamento entre os entes ali inseridos com o compartilhamento de preocupações comuns de segurança e interações mais profundas (BUZAN, WEAVER, 2003). Buzan e Weaver (2003) apontam a região como um espaço intermediário de ação do poder entre o âmbito doméstico e o internacional, com características e relações próprias, cuja dinâmica e percepções do poder são variantes e derivados das relações sócio-históricas entre os Estados geograficamente localizados naquele espaço. Dentro desse espaço, as percepções e papéis que um Estado detém dentro do cenário internacional podem variar, a exemplo de um Estado que assume o papel de “médio” no sistema dentro da região busque assumir o papel de “grande”, assim como um “pequeno” entenda seu papel em uma dinâmica regional como de “médio”. Ou seja, dentro de um contexto em que tenha mais espaço e poder de influência, o pequeno Estado atua de modo mais ativo nessas dinâmicas, utilizando de alianças variáveis com entes regionais e extrarregionais que favoreçam os interesses dos líderes postos em determinado período. É nesse contexto que a diplomacia pendular ganha espaço, à medida que esses países oscilam entre dois Estados mais poderosos como forma de garantir seus benefícios e poder ter alguma atuação dentro de dada dinâmica (ROLON, 2010).

Portanto, a conformação dos pequenos Estados na dinâmica regional virtua desde sua posição relacional em termos de poder e relações com os seus pares até a possibilidade de ganhos dentro do sistema internacional em seu papel ativo e formação de coalizões. O poder de diplomacia pendular e formulação de políticas de acordo com suas capacidades e interesses formados pelo governo em questão trazem o reforço da sobrevivência e negação de possível baixo perfil diplomático que estes Estados venham a ter. Além do mais, os mesmos, em jogos de barganha e peso e contra-peso a pretensos líderes regionais, podem se ater a aberturas de espaço e caminhos para entes extra-regionais, desequilibrando peso da balança regional em virtude de seus interesses. Os pequenos Estados, portanto, mais do que mero peixe nadando ao bel prazer da correnteza regional, superam em força e conjunto- além da seletividade de agenda e capacidade de atuação- os limites relacionais e materiais aos quais suporiam sua inação ou agência, seja em quesito regional tal como sistêmico.

Referências

BUZAN, Barry; WAEVER, Ole. Security Complex: a theory of international security. In: Regions and powers. The structure of international security. Cap 3. p. 40-82.

Chong, A. The Foreign Policy Potential of “Small State Soft Power” Information Strategies, 2007.

East, M. A. Size and foreign policy behavior: a test of two models. World Politics25(4), 556-576, 1973.

Elman, M. F. The foreign policies of small states: Challenging neorealism in its own backyard. British Journal of Political Science25(2), 171-217, 1995.

GRIECO, Joseph. Understanding the  problem of  international cooperation:  The  Limits  of Neoliberal    Institutionalism    and    the    Future    of    Realistic    Theory.    In: BALWIN, David (ed.). Neorealism and Neoliberalism:  The Contemporary Debate. New York:  Columbia University Press, 1993

Guzzini, S. “Uma Reconstrução do Construtivismo nas Relações Internacionais.” Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD 2, no. 4 (2014): 376-429.

Keohane, R. Lilliputians’ Dilemmas: Small States in International PoliticsInternational Organization, 23(2), 291-310, 1969.

__________. O.The big influence of small alliesForeign Policy, (2), 161-182, 1971.

MARTIN,  Lisa;  SIMMONS,  Beth  A. Theories  and  Empirical  Studies  of  International Institutions.International Organization, Vol. 52, N. 4, 1998

MEARSHEIMER, J.J.  The False Promise of International Institutions. International Security, vol. 19, 1995.

NEUMANN, Iver; GSTOHL, Sieglinde. Lilliputians in Gulliver’s World? Small States in

International Relations. Centre for Small State Studies. Institute of International Affairs –

University of Iceland. Working Paper, 2004.

Panke, D. Dwarfs in international negotiations: how small states make their voices heard. Cambridge Review of International Affairs25(3), 313-328, 2012.

Rothstein, Robert L. Alliances and Small Powers. New York and London: Columbia University Press, 1968.

WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York. 1979

Vital, David. The Inequality of States. New York: Oxford University Press, 1967

 

Notas:

[1] Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP). Bolsista CAPES-CNPq e membro do Observatório de Regionalismo

[2] Mestranda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

[3] In: GRIECO, Josefh M. Understanding the problem of international cooperation: The Limits of Neoliberal    Institutionalism and the Future of Realistic Theory, 1993.

Escrito por

Roberto Teles

Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do COPEDE e da equipe do Observatório Paraguaio de Defesa e Forças Armadas, vinculado ao Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES São Paulo) e participantes da rede sul-americana de Observatórios de Política Externa e Defesa.Foi bolsista do Programa Especial de Incentivo à Iniciação Científica (PIIC 2011-2012). Pesquisa temas vinculados a Política Externa Brasileira e Mexicana; Política Externa Latino-Americana; Integração Regional e Política Internacional.