Em junho de 2012, o embaixador brasileiro Samuel Pinheiros Guimarães, exercendo a função de Alto Representante Geral do Mercado Comum do Sul (Mercosul), escreveu um relatório ao Conselho de Ministros acerca de sua visão sobre o processo de integração sul-americano.

O documento apresenta 52 itens por meio dos quais Guimarães demonstra certa preocupação com os rumos do Mercosul.

Nos primeiros pontos levantados, o Alto Representante afirmou que o processo de integração do Mercosul estava sujeito a desequilíbrios e tensões decorrentes da não harmonização das diferentes legislações de seus membros, que afetavam a competitividade relativa de suas empresas. Neste sentido, apontou a China como a maior potência exportadora do mundo e a segunda maior importadora de produtos primários. Em paralelo, os Estados Unidos e a Europa aumentavam a oferta de dólares e euros, resultando na valorização das moedas sul-americanas e oferta de moeda nos mercados cambiais dos países do Mercosul. Com abundância de investimentos, as importações de industrializados cresciam, acentuando a brecha entre setor industrial e o setor primário.

Mas o que isto significou para a região? De acordo com Guimarães, as políticas europeias, americanas e chinesas contribuíram, assim, fortemente para um processo de desindustrialização das economias do Mercosul. Para ele, o desenvolvimento do setor industrial era estratégico para geração de empregos, redução da pobreza, estabilidade e progresso social.

Meia década depois, em 2017, o Mercosul ainda mostra sinais de debilidade no que concerne à coordenação de políticas comuns, não apenas comerciais, mas principalmente produtivas.

Guimarães apontou para as deficiências das infraestruturas de transporte, de energia e de comunicações do Mercosul, argumentando que a infraestrutura era a base indispensável para a expansão da atividade produtiva e comercial, bem como para a formação de mercados internos nacionais e regional mais dinâmicos.

A emergência de um mundo multipolar e a importância das negociações internacionais tornaram prioritária a construção de um bloco regional na América do Sul. E, neste sentido, a União das Nações Sul-americanas (Unasul), apesar de sua importância política, não poderia ser o ponto fundamental de partida para a construção do bloco econômico. De acordo com o embaixador, “o bloco econômico da América do Sul terá de ser formado a partir da expansão gradual do Mercosul, com a ascensão da Venezuela e o ingresso do Equador, da Bolívia, do Suriname e da Guiana”. Portanto, naturalmente as relações de cooperação com os países não integrantes do bloco deveriam ser ampliadas, por meio da interlocução e coordenação política.

Além disso, Guimarães também tratou das assimetrias enquanto característica central do Mercosul. Para ele, o bloco é formado por Estados igualmente soberanos, mas profundamente desiguais. Assim, o Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM) deveria estar vinculado à adesão de novos Estados, a começar pela finalização do processo de inclusão da Venezuela. A mudança dos percentuais de contribuição, equivalentes ao poder econômico de cada sócio, não alteraria o princípio da participação igualitária dos Estados-partes.

Hoje, a inclusão de novos atores é um tema sensível. O processo decisório do Mercosul é baseado no consenso e igualdade de veto entre os sócios. Em 2012, a adesão da Venezuela se deu em um momento crítico à democracia na região. O Paraguai, único membro contrário à entrada venezuelana no bloco, foi suspenso por meio da invocação da cláusula democrática. Em apenas dois dias de discussão, o Paraguai foi suspenso do bloco e não houve apoio suficiente do Mercosul ao então presidente Fernando Lugo.

Atualmente, em meio à grave crise política vivida pelo Brasil, há rumores de que a aceitação da Bolívia seria um grande passo para a consolidação do bloco. Revisitando a história, a expansão do Mercosul nas atuais condições pode ser uma medida equivocada.

O fortalecimento do Mercosul significa o fortalecimento de suas atividades econômicas, de suas empresas nacionais, de suas organizações sociais, de seus Estados nacionais. Guimarães, entretanto, indicou que este fortalecimento não era do interesse de nenhum outro Estado ou bloco. Então, quanto mais coesos fossem os países do Mercosul em sua defesa, maior a capacidade dos Estados de se beneficiarem da situação internacional.

Ainda em 2017, a questão das assimetrias é visceral no Mercosul. O processo se mostra profundamente desigual quanto às capacidades dos sócios menores em relação ao Brasil. Em 1999 e 2001, as crises econômicas que atingiram o bloco foram cruciais para se entender que as fragilidades econômicas foram apenas uma face da crise institucional rumo a qual o Mercosul caminhava.

Ainda hoje a revisão institucional não aconteceu a contento, mas as políticas comerciais, cerne de criação do bloco, também sofrem com os pequenos obstáculos reproduzidos através dos anos.

Assim, para Guimarães, a transformação do Mercosul de uma união aduaneira imperfeita em um esquema de desenvolvimento regional equilibrado e harmonioso passa, necessariamente, pela eliminação das assimetrias e a gradual construção de uma legislação comum.

Escrito por

Ana Elisa Thomazella Gazzola

Professora de Relações Internacionais na UNIP. Doutoranda e mestra do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas - UNESP, UNICAMP e PUC-SP, desde 2015, com foco em processos de Integração Regional na América do Sul. Pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR) e da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI). Pós-graduada em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (2013). Graduada em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009).