Dando continuidade a nossas serie de textos sobre a ASEAN, hoje falaremos sobre os 50 anos da ASEAN e quais são os pontos de reflexão que podemos tirar do estudo desse regionalismo.

Em agosto de 1967, após algumas tentativas frustradas para o estabelecimento de uma instituição que incorporasse os atores políticos do Sudeste da Ásia, foi assinado em Bangkok o documento que mudaria a dinâmica política regional e criaria a ASEAN. A ASEAN, como é popularmente conhecida, surge como uma instituição que ligaria Tailândia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Indonésia em torno de objetivos comuns para o fortalecimento político como econômico desses recém independentes Estados.

Nesse período entre o surgimento da ASEAN em 1967 até a sua consolidação, com a assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação como argumenta Oliveira Junior (2017), muitos especialistas duvidavam que essa instituição teria uma vida longa. Essa descrença pode ser entendida por dois pólos, principalmente. O primeiro que emergia se dava pela maneira pela qual a ASEAN construía as suas relações, que eram não legalistas e pouco institucionalizadas. Esse ponto era uma crítica pois todos os principais modelos regionais robustos que surgiram nessa época vinham acompanhados de uma base legal e de instituições atuantes. Assim, a ideia de que uma estrutura alicerçada essencialmente em palavras e respeito mútuo pudesse mudar os horizontes políticos de uma região era algo muito abstrato.

Já o segundo ponto de descrença por parte dos especialistas em regionalismo era a exclusão/importância diminuta de boa parte de outros atores do próprio Sudeste Asiático, o que seria solucionado durante os anos 1990 e também de importantes atores extra regionais como por exemplo os Estados Unidos e China. Embora esses últimos tenham se aproximado gradativamente da instituição, principalmente a China com acordos de livre comércio com a ASEAN, o CAFTA, ainda a participação de grandes players é pequena e distanciada perto da de outros modelos regionais.

Contudo, mesmo com todas as descrenças e particularidades, a ASEAN sobreviveu e após 50 anos ainda pode dar importantes contribuições para repensarmos o regional de uma maneira que foge daquela ideia de uma regionalização clássica estilo União Europeia.

O primeiro ponto fundamental que podemos retirar da maneira pela qual a ASEAN construiu suas relações regionais  é a questão de que é possível criar um conjunto regional de regras que não necessariamente são institucionalizadas. Embora no início esse tenha sido um ponto fulcral dos problemas já que era difícil pensar políticas regionais sem o fator institucional, com a criação e aceite do que ficou conhecido como “ASEAN Way”, que é basicamente a maneira pela qual a ASEAN permeia o seu relacionamento político, a ASEAN pode avançar muito em ganhos regionais sem nenhuma institucionalização permanente que tenha algum poder decisório maior que os Estados membro. Essa maneira peculiar levou a ASEAN a costurar importantes acordos como por exemplo a AFTA (ASEAN Free Trade Area), a APEC (Asia-Pacific Economic Council), a ARF (ASEAN Regional Forum), dentre outros, que talvez com uma institucionalização mais presente e ativa não teriam surgido devido a desconfiança, disputas e necessidade de uma independência que houveram dentro desse sistema durante os anos 60 e 70. Ou seja, não pensar em uma maneira de construir uma instituição que agregasse as diferentes visões de mundo e fosse equilibrada entre os membros, mas sim fomentar um modelo em que as regras existissem porém sem nada que centralizasse as relações políticas é uma relevante lição que a ASEAN nos ensina nos seus 50 anos.

Um segundo ponto fundamental que a ASEAN provou ser possível é obter ganhos em uma instituição regional que não constrói nenhum tipo de leis que possam ser aplicadas internacionalmente para os membros de forma a forçá-los a alguma conduta. Mesmo com a assinatura da carta da ASEAN em 2008 que prevê esse tipo de construção, em toda a sua história a ASEAN sempre contou com a visão de que os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica deveriam ser a base em comum para que as relações regionais se constituíssem. Assim, é a partir de um ambiente de uma política informal e que se baseia em conversas e confiança mútua que a ASEAN se constitui. Isso é importante pois dá menos trabalho para os atores avançarem, ainda mais em um ambiente em que existem diversas visões políticas contrastantes, tanto em suas inserções internacionais quanto em sua política interna.

É claro que essa maior institucionalização e construção de diretrizes de direito internacional tem a sua importância e não é objetivo dessa breve discussão colocá-las como o problema em todas as relações regionais. Nosso objetivo, porém, é deixar claro que existem opções diferentes a serem seguidas e que a ASEAN com certeza é um excelente exemplo para uma comparação.

Por fim, além de aprendizado, os 50 anos da ASEAN trazem ainda algumas perspectivas. A primeira é como balancear essa tradição de não institucionalização e legalidade com as novas imposições que foram acordadas durante a assinatura da carta em 2008. Esse ponto será um interessante empreendimento de estudo, principalmente em comparar esses dois momentos da ASEAN e analisar os avanços e retrocessos de cada modelo. Além disso, as constantes disputas não resolvidas com a China, o aumento das tensões na península coreana e as novas posições políticas do Japão e sua recusa em terminar os assuntos da Segunda Guerra  também são pontos de tensão que permeia o futuro de instituição. É claro que a ASEAN obteve ganhos nos últimos 50 anos e com certeza tem tudo para continuar sendo fundamental para a política do Sudeste da Ásia nos próximos 50 também.

Notas:

  1. Confira os outros posts do ODR sobre a ASEAN: https://observatorio.repri.org/artigos/uma-introducao-ao-regionalismo-asiatico-a-asean/https://observatorio.repri.org/artigos/asean-e-sua-bordagem-as-disputas-no-mar-do-sul-da-china/
  2. Veja mais sobre a ASEAN Way em: https://www.mundorama.net/?p=16793

Escrito por

Márcio José Oliveira Júnior

Estuda a área de Política Internacional, mais especificamente Política Externa da China moderna. Ingressou no ano de 2011 na Universidade Federal de São Paulo, no curso de Relações Internacionais que está vinculado a Escola Paulista de Política Economia e Negócios (EPPEN). É participante do Grupo de Pesquisa UNIFESP/UFABC "A inserção internacional brasileira: projeção global e regional" e do grupo Inserção Regional e suas consequencias para a política externa: uma análise do Brasil e da Índia ambos certificados pelo CNPq. Foi bolsista de Iniciação Científica pela FAPESP nos anos de 2012 a 2014. Atualmente é mestrando no PPGRI da Universidade Federal de Uberlândia com bolsa CAPES, ligado ao Ie (Instituto de Economia) e também pesquisador ligado a Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI).