No próximo sábado, 23 de julho, o referendo britânico a favor do Brexit completará um mês. E, embora 52% dos votantes tenham optado por sair da União Europeia, após a divulgação do resultado final, cidadãos do Reino Unido buscavam no Google não só respostas acerca do futuro do país, as consequências do Brexit, mas também entendimentos menos complexos à questão, como “O que é a União Europeia?” . Ou seja, há um desconhecimento, de fato, do processo de integração na vida cotidiana. E, mesmo tratando-se de processos distintos, este artigo parte do pressuposto de que um dessaber similar existe em relação ao Mercosul e, portanto, se concentra em comentar os 25 anos de existência desse bloco no intuito de prover uma versão resumida de sua vivência, bem como tratar algumas de suas temáticas relevantes na atualidade. Assim, espera-se contribuir à difusão do conhecimento sobre a integração sul-americana.

O Mercosul é um processo de integração regional formalizado em 1991 por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e que, em 2012, incorporou a Venezuela. À época de sua criação, os membros fundadores eram governos recém-saídos de ditaduras, a Guerra Fria há pouco terminara e globalização e neoliberalismo faziam-se cada vez mais comuns em seus cotidianos. Dessa forma, a fundação em bases comerciais e o aspecto democrático passam a ganhar força no processo, o qual, inclusive, serviu como plataforma de inserção internacional da região, fortalecendo a resistência sul-americana frente à Iniciativa para as Américas e, posteriormente, ao projeto ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), ambas lideradas pelos Estados Unidos (CERVO: 2014; HERZ e HOFFMANN: 2004).

E, como um processo que já leva 25 anos, é possível dividir a existência do Mercosul em fases. Logo, até 1999, a integração teve seu momento neoliberal e o comércio intrazonal pôde crescer significativamente. Em seguida, o bloco sofreu com as crises brasileira e argentina: desvalorização do real em 1999, ou efeito samba, e a derrocada financeira em nosso vizinho, gerando uma forte crise econômica e política em seu país no ano de 2001. Depois do momento crítico, a fase dos governos progressistas é quando há convergência político-ideológica, sobretudo, entre as administrações do Partido dos Trabalhadores no Brasil e Justicialista na Argentina.

Nesse último estágio, o Paraguai é suspenso do bloco (já reintegrado) e a Venezuela acede como membro pleno. Para o momento seguinte, arriscamos dizer que a integração mercosulina adentra um novo episódio com a ascensão do presidente Macri na Argentina e a assunção de Temer no Brasil (leia também o artigo ODR sobre política externa brasileira e integração regional). Grosso modo, esses governos discursam em favor de um Mercosul mais comercial, em detrimento daquela aproximação político-ideológica prévia.

Confira a evolução comercial do Mercosul desde sua criação até 2014, os valores estão em bilhões de dólares correntes, sendo que a informação é de janeiro de 2016.

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Em termos de Brasil, suas exportações para o bloco aumentaram em 75% desde 1990, com destaque para produtos industrializados. Vale enfatizar o papel da indústria automotiva no comércio, sobretudo, com a Argentina, a exemplo, em 2013, 80% dos exportados por tal setor foram para o país vizinho. Além disso, o conjunto regional compõe importante mercado para micro, pequenas e médias empresas brasileiras atuantes no comércio internacional, sendo que 20% de suas exportações são destinadas ao bloco, as informações são da página do Planalto.

Já com relação à vida cotidiana, o Mercosul possui os seguintes acordos: Documentos de viagem, Residência, Multilateral de seguridade social e Integração educacional; além de possuir um Estatuto da Cidadania. Em resumo, cidadãos dos países integrados podem viajar na área conjunta apenas com seus documentos de identidade nacionais, sem a necessidade de visto, usufruem o direito de residir e trabalhar nesses países, com tramitação facilitada de documentos, têm acesso a benefícios sociais e seguridade social e contam com a revalidação de diplomas e estudos de pós-graduação. Com isso, a realização do Estatuto da Cidadania se dá em meio a três objetivos gerais: 1) livre circulação de pessoas, 2) igualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicas para os cidadãos do bloco e, por fim, 3) condições igualitárias ao trabalho, saúde e educação.

Para além das normas e vontades expressas, o Mercosul surgiu recentemente no noticiário como uma solução prática à alta do preço do feijão no Brasil, o governo atribuiu preferência aos membros do bloco à importação da leguminosa. Outra medida é o uso de uma placa comum de identificação veicular, a qual será obrigatória em veículos novos a partir de janeiro de 2017 e até 2020 para os demais veículos. Também se espera que, no Brasil, as eleições diretas para o Parlasul (Parlamento do Mercosul) ocorram em 2020. E, vale lembrar, a participação social à construção da integração também é uma possibilidade, como é o caso da REAF.

O bloco também é notícia em função da delicada situação política na Venezuela coincidir com o turno deste país na presidência do Mercosul, resultando em manobras políticas dos demais membros, Argentina, Brasil e Paraguai, para postergar e/ou adiar a rotação presidencial. Há receio de que o país possa atrapalhar as negociações com a União Europeia. (veja o artigo do ODR sobre o tema). Em paralelo, o ministro de Relações Exteriores do Brasil, José Serra, discursa em favor de uma guinada nos caminhos da integração regional, criticando sua fase política-ideológica e, em contrapartida, clamando uma flexibilização do modelo atual e a defesa dos interesses comerciais sobre os demais (veja o artigo ODR sobre o tema).

Para concluir, o Mercosul é um processo que se desenvolve a 25 anos e influi na vida dos Estados-membro e no cotidiano de seus cidadãos. Mesmo que seu potencial e limitações não tenham sido explorados a fundo, o intuito deste artigo foi o de expor o bloco como um elemento presente nas dinâmicas dos países e pessoas, sejam elas migrantes, estudantes ou demais contribuintes. Afinal, são os impostos nacionais que sustentam toda a estrutura funcional da integração discutida. Logo, conhecê-la minimamente é estar um passo à frente do dessaber e, portanto, abre margem à reflexão sobre sua importância ou não às escolhas individuais e coletivas.

 

Para mais informação (Referência):

ÉPOCA. José Serra quer um novo Mercosul

G1. Temer anuncia importação de feijão para compater alta de preço

G1. Serra diz que não tem intenção de acabar com Mercosul

GARDINI, Gian Luca. MERCOSUR: What you see is not (always) what you get

LA NACIÓN. Macri promueve un Mercosur en crisis

MERCOSUL. O Estatuto da Cidadania

MERCOSUL. O MERCOSUL na vida do cidadão

MERCOSUR. RESOLUÇÃO N.º 590, DE 24 DE MAIO 2016 

ODR. As mudanças na política externa brasileira e a integração regional

ODR. Democracia e regionalismo: a Venezuela no Mercosul 

ODR.Sobre Participação Social e Integração Regional 

PLANALTO. Mercosul é principal fonte de ruperávit comercial do Brasil

SENADO. Requião destaca papel do Parlasul e confirma eleições diretas em 2020 

WASHINGTON POST. The British are frantically Googling what the E.U. is, hours after voting to leave it

Gráfico: Mercosul

Foto: Mercosul

IMPRESSOS:

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 4. ed. rev. ampl. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2014.

HERZ, Mônica. HOFFMANN, Andrea Ribeiro. Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

Escrito por

Angelo Lira

Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp - Unicamp - Puc-SP). Pesquisador vinculado ao Observatório de Regionalismo e ao Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI). Membro da Comissão Editorial do Boletim Lua Nova (CEDEC).