Entre os dias 10 e 18 de julho, realizou-se em Kigali, capital de Ruanda, a 27a Sessão da Assembleia Geral da União Africana. O evento chamou a atenção da comunidade internacional e ganhou espaço em diversos meios de comunicação, principalmente após o anúncio do lançamento de um passaporte único que permitirá a livre-circulação de pessoas entre os 54 países-membros do bloco continental.
Ainda que em um primeiro momento seja apenas um ato simbólico, uma vez que apenas os chefes de Estado, chanceleres e representantes permanentes da União Africana (UA) terão acesso ao documento de maneira imediata, e que não exista uma previsão apurada de quando os cidadãos dos países terão disponíveis o novo passaporte devido à necessidade de implementação individual em cada nação, o evento chama a atenção por promover a integração regional em tempos de crise do modelo. A proposta é baseada no Acordo de Schengen para a livre-circulação de pessoas no continente europeu, onde há pouco mais de um mês, o Reino Unido votou a favor de deixar o bloco, e, além disso, onde a questão migratória vem incentivando debates sobre fronteiras, que se contrapõem ao ímpeto integracionista lançado pela UA.
A necessidade de aprofundar a integração africana através da promoção da livre-circulação de pessoas é também justificada pela tentativa de alavancar o desenvolvimento dos países do bloco, facilitando o comércio e os investimentos externos. Em 2012, a 18a Cúpula da UA adotou a decisão de estabelecer uma área de livre-comércio continental (CFTA) para o ano de 2017, uma vez que os custos de negociação intra-regionais são os mais altos do mundo. Já a abolição da necessidade de vistos para africanos viajando na região está prevista para 2018[1]. Agora, com a introdução de um documento de viagem comum, a região espera poder incentivar a circulação de bens, serviços e capitais, em favor do desenvolvimento integrado.
Enquanto o anúncio do novo passaporte chamou a atenção pela promoção do aprofundamento da integração, uma outra notícia de destaque referente à Assembleia Geral inspira cautela nas negociações do bloco: o anúncio por parte do Marrocos de sua intenção de voltar à UA, após 32 anos desde seu afastamento. Embora inicialmente a adesão de um novo membro possa ser encarada como momento de fortalecimento do bloco, o passado conflituoso requer atenção para evitar a ruptura na unidade dos países-membros.
Isso porque o Marrocos deixou a União Africana em protesto em 1984, após o bloco aceitar a admissão do Saara Ocidental como membro. O conflito entre os dois países ocorre desde que o Saara Ocidental, antiga colônia espanhola anexada pelo Marrocos em 1975, teve sua independência declarada por uma frente separatista que levou à proclamação da República Árabe Saharauí Democrática (SADR), país que não foi reconhecido pela ONU, mas que conta com o reconhecimento de diversos países africanos e também da UA, que o aceitou como membro[2].
A mensagem enviada pelo rei Mohammed VI do Marrocos à Assembleia Geral da UA destaca que pelo menos 34 países africanos não reconheceram o Saara Ocidental, parte importante de seu reino, e pede que o bloco reconsidere sua decisão de reconhecimento, alegando já trabalhar em uma solução política sob a supervisão da ONU. Os líderes da República Árabe Saharauí Democrática, por sua vez, pedem pelo direito de autodeterminação dos povos, na busca pela concretização de um referendo para a confirmação da independência.
Compreendendo o complexo cenário onde o pedido de reingresso do Marrocos se insere, é provável que o mesmo impulsione debates acerca da legitimidade da SADR e do pedido marroquino, que podem dividir as opiniões dos países africanos que deverão votar o aceite da adesão. Desta forma, apesar das promissoras iniciativas anunciadas na 27a Assembleia Geral, o futuro que se apresenta para a continuidade da integração da UA inclui a necessidade de gerenciamento de diferentes demandas políticas, para que não se comprometa a unidade do bloco e se possa, então, proceder ao aprofundamento dos laços regionais.
Notas: