No último dia 23 de junho, a população do Reino Unido (RU) votou pela saída do país da União Europeia (UE). O referendo foi prometido durante a campanha de 2015 pelo atual primeiro ministro David Cameron, que anunciou sua renúncia após o resultado da votação. O processo popularmente cunhado como Brexit gerou inúmeros debates, domésticos e internacionais, sobre as consequências da saída britânica para a integração europeia. Internamente, de acordo com as pesquisas eleitorais e com o andamento da campanha pelo Remain e pelo Leave, assistiu-se a um Reino Unido bastante dividido, mas com possibilidade de saída. No entanto, porque a decisão foi palco de tamanha surpresa? Por que pouco foi discutido sobre os projetos em relação às consequências da saída?

Alguns aspectos conseguintes da decisão podem ser ressaltados como ponto de reflexão. O primeiro deles foi o da discordância dentro do RU com os resultados, pois a maioria do eleitorado da Escócia e da Irlanda do Norte votaram favoráveis à permanência, o que estimulou questionamentos na região, como as declarações desses dois países sobre considerarem sair do Reino Unido e as demandas, inclusive da primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon, para que se realize novo referendo pela independência da Escócia. Ademais, dentro de cada país, nota-se que a maioria das capitais e dos grandes centros urbanos dos integrantes do RU (Londres, Cardiff, Glasgow, Manchester, Liverpool, Bristol, Leeds, entre outras) votou pela permanência, demonstrando a disparidade interna de posicionamentos e suscitando questionamentos sobre o impacto da UE nas grandes cidades e no interior.  Não menos importante, há o conflito de gerações, pois os jovens majoritariamente votaram pela permanência e os idosos pela saída.

O primeiro-ministro Cameron fez campanha aberta pela permanência do país, após ter fechado acordo com o Conselho Europeu para uma relativa flexibilização da relação do Reino Unido com o bloco. No entanto, o Partido Conservador, do qual faz parte, apresentou divisões em relação à saída ou à permanência. Na campanha pelo Leave tornou-se emblemático o caso de Boris Johnson, ex-prefeito de Londres, que acompanhou grande parte dos parlamentares do Partido Conservador,segundo os votos declarados 185 pelo Remain contra 135 a favor do Leave. Dentro do próprio Gabinete do governo Cameron, houve uma distinção com 6 ministros favoráveis ao Brexit e 24 ministros acompanhando o posicionamento do primeiro-ministro, como Duncan Smith e Michael Gove – Ministro do Trabalho e das Pensões e Ministro da Justiça, respectivamente(GALINDO, 2016). Isso demonstra que Cameron se encontrava relativamente isolado politicamente, frente ao seu partido. O Partido Trabalhista, da oposição, por sua vez, apresentava clara maioria em favor da permanência, capitaneados pelo líder do partido, Jeremy Corbyn. Já com a renúncia anunciada de Cameron, criam-se expectativas sobre o novo primeiro-ministro britânico. Nesse contexto, ainda que Cameron estabeleça bases de negociação com menor ruptura para a saída britânica, o cenário após outubro, com o novo governo, lança incertezas sobre o acordo do Brexit.

Atualmente, a UE é o principal parceiro comercial do Reino Unido, além disso, o país britânico se beneficia do acesso direto ao setor financeiro europeu, fortalecendo a City londrina. Ao sair do bloco europeu, o RU pode ver a diminuição da sua atratividade comercial e financeira. O país estaria livre para negociar acordos bilaterais, no entanto, teria que iniciá-los do zero, uma vez que fora da UE, não herdaria os acordos comerciais já estabelecidos com o bloco, sendo importante lembrar que o Reino Unido sozinho – apesar de ser uma potência – possui menor poder de barganha para negociar acordos internacionais.

Em contrapartida, uma União Europeia sem o Reino Unido poderia perder influência no sistema internacional, pois o país britânico possui poder militar, financeiro e diplomático considerável nas arenas de discussão internacionais, o que, de alguma forma, acaba por beneficiar o bloco europeu. Por outro lado, a saída da oposição do RU permite maior avanço das políticas propostas pela Alemanha, e também pela França, aos demais membros, na atual conjuntura instável do bloco.

Ao mesmo tempo, uma saída britânica acaba por ferir a própria ideia de União Europeia. Afinal, a possibilidade de saída constitui elemento de argumentação pró-nacionalista, com traços xenófobos, tanto internamente ao Reino Unido, como em outros países europeus. Desta forma, após o resultado do referendo ser veiculado, por exemplo, a presidenta da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, comemorou a vitória do Brexit na rede social Twitter e voltou a propor um plebiscito na França e em outros países europeus, manifestação que foi seguida por líderes nacionalistas de outros países, como na Holanda. Assim, a vitória do Leave representa uma ferida no processo de integração europeu, com consequências a longo prazo ainda imprevisíveis.

Paralelamente, a narrativa da campanha política pelo referendo colocava em debate demandas de uma parcela da população, como questões relativas à imigração e à baixa competitividade internacional da economia britânica, vinculadas às políticas regionais discutidas em Bruxelas. Uma parcela da população britânica enxerga a União Europeia como fator de diminuição da soberania britânica frente a estes temas, sobretudo em um contexto de instabilidade no bloco europeu, devido à crise econômica causada na Zona do Euro (da qual o Reino Unido não faz parte) e do aumento do número de refugiados e migrantes do Leste Europeu, do Oriente Médio e do Norte da África. Dentro dessa perspectiva, a ideia de aprofundamento da integração política era alvo de preocupação e desaprovação, resultando em postura de maior independência, como no caso de não adesão à Zona de Schengen e à Zona do Euro no intuito de demarcar maior autonomia em políticas sensíveis como a social, a imigratória e a econômica.

Nesse sentido, o discurso pró-Brexit indicava que o afastamento do RU em relação à UE permitiria tomar decisões autônomas em tais assuntos, mas não considera que os vínculos entre o Reino Unido e os demais membros do bloco continuarão intensos, principalmente no âmbito da regionalização conduzida por atores civis. Portanto, as conjunturas econômicas, sociais e políticas, entre outras, provavelmente se manterão presentes.


Para mais informação (Referência):

EL PAÍS. Votação a favor do ‘Brexit’ anima os xenófobos europeus

BBC. EU vote: Where the cabinet and other MPs stand

ODR. Brexit: a hesitação britânica

POLITIKON. GALINDO, Jorge. Los partidos políticos británicos en el debate Brexit

IRWIN, Gregor. Brexit: the impact on the UK and the EU

Foto: galeria pixabay

Escrito por

André Leite Araujo

Pós-Doutorando na UNESP, doutor em Ciências Políticas e Sociais pela Universidade de Bolonha, mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP. É pesquisador do Observatório de Regionalismo, da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo e do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais. Seus estudos enfatizam a Política Externa Brasileira e o regionalismo da América Latina nos séculos XX e XXI, com ênfase nas pesquisas sobre Legislativos nacionais e Mercosul.