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*O autor gostaria de agradecer a contribuição de Jacqueline Arantes, Renan Melo e Tatiana Garcia, pesquisadores do Observatório de Regionalismo cujos comentários e revisão foram essenciais para o enriquecimento deste texto.

No início de agosto de 2024, reuniram-se em Astana, capital do Cazaquistão, os chefes de Estado da Ásia Central. Esta foi a sexta rodada de reuniões anuais, desde que o novo formato de cooperação foi proposto pelo presidente uzbeque Shavkat Mirziyoyev, em 2017. Na ocasião, os líderes Kassym-Jomart Tokayev (Cazaquistão), Sadyr Japarov (Quirguistão), Emomali Rahmon (Tadjiquistão), Serdar Berdimuhamedov (Turcomenistão) e Mirziyoyev (Uzbequistão) discutiram sobre a expansão regional dos acordos comerciais de transporte, energia, agricultura e gestão de água, e iniciaram conversações referentes à segurança e à criação de uma “identidade” comum. Além dos cinco mandatários, Ilham Aliyev (Azerbaijão) e o chefe do Centro Regional da Organização das Nações Unidas para a Diplomacia Preventiva para a Ásia Central (UNRCCA), Kakha Imnadze, também participaram da cúpula como convidados ilustres (The Diplomat, 2024).

Tanto a continuidade do ciclo de reuniões consultivas como as recentes demonstrações de cooperação no âmbito bilateral indicam que, no contexto centro-asiático, o regionalismo e até mesmo a integração não são temas inéditos. Aliás, este assunto já foi pauta de um texto muito bem escrito por Luísa Locatelli Santos, intitulado “O desafio perene da integração na Ásia Central”, publicado pelo ODR Aberto, em 2020. Além disso, embora a região seja frequentemente considerada “marginal” às grandes transformações do Sistema Internacional, a vasta Ásia Central já foi palco de diversas iniciativas regionalistas no antigo sistema mundial, especialmente ao mediar o comércio terrestre da Rota da Seda entre os impérios romano e chinês (Hambly, 1985). Recentemente, a região voltou a ser um foco importante no debate contemporâneo das relações internacionais, devido às suas abundantes reservas energéticas e ao papel crucial que desempenha no desenvolvimento da iniciativa chinesa do Cinturão e Rota (BRI).

No entanto, além de representar esse “elo” histórico entre regiões economicamente distintas, a Ásia Central também possui um considerável peso demográfico e uma significativa diversidade étnica. Atualmente, com base em estimativas da ONU,  a população centro-asiática é de aproximadamente 72,5 milhões de pessoas, com a seguinte participação percentual: Uzbequistão com cerca de 45%, Cazaquistão com 25%, Tadjiquistão com 13%, e Quirguistão e Turcomenistão com aproximadamente 8,5% respectivamente (AsiaPlus, 2021). Ainda, conforme o relatório do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD), é esperado que o PIB dessas repúblicas ex-soviéticas cresça 5,9% em 2024 (Fanger, 2023).

Mapa político da Ásia Central

Fonte: Nations Online Project 

Nesse sentido, a “união centro-asiática” pode ser entendida como uma alternativa para impulsionar o seu crescimento econômico, mas também para criar um espaço amistoso, onde se desenvolvam a infraestrutura, a segurança, a cooperação sócio-cultural, e, principalmente, o compartilhamento de recursos naturais. Para tanto, a localização geográfica (conforme o mapa anterior), com ênfase na posição central do Uzbequistão, no contexto local, é um fator de considerável destaque para o futuro da sua integração. Entretanto, a despeito das diversas tentativas, por que a implementação desse projeto regionalista, após a independência da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, nunca seguiu adiante?

Para responder essa pergunta se faz necessário retornar ao processo de desintegração da URSS e ao complexo e turbulento caminho trilhado por esses Estados rumo à inserção internacional. Conforme isso indica, a dissolução soviética interrompeu o fluxo interligado de produção das antigas repúblicas e resultou em significativos desafios econômicos, como a alta inflação, além de também implicar na construção de uma base burocrática-administrativa para os novos países e para a modernização dessas sociedades frente ao mercado internacional capitalista (Linn, 2004). Ainda durante os anos 1990, a instabilidade causada pelo vácuo de poder da URSS forçou um consenso sobre a necessidade da integração regional, do desenvolvimento econômico e, sobretudo, da sobrevivência das nações centro-asiáticas enquanto Estados independentes1)Cabe frisar que, no contexto de transição da década de 1990, diversos grupos disputaram pelo monopólio do uso da força e pela legitimidade do Estado na região, incluindo o Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU), organização então apoiada pelo Talibã e pela al-Qaeda de Osama bin Laden (Dadabayev, 2018). (Zhambekov, 2015). 

Motivadas pela retração internacional russa durante o período de crise doméstica e hiperinflação, em 1993, as repúblicas locais assinaram o “Protocolo dos Cinco Estados da Ásia Central sobre um Mercado Comum”, visando a coordenação monetária após a sua saída da zona do rublo2)É fundamental destacar que as repúblicas da Ásia Central não possuíam experiência nem capacidade para emitir e gerir suas próprias moedas nacionais. Diante disso, após o colapso da URSS, a Rússia, enfraquecida e preocupada com sua estabilidade econômica, impôs unilateralmente condições para o uso do rublo no exterior, o que representou o primeiro sinal para que os Estados centro-asiáticos iniciassem um processo de “distanciamento” de Moscou (Dadabayev, 2018).. No ano seguinte, foi criada a União da Ásia Central (CAU)3)O grupo também desempenhou um papel fundamental para que as Nações Unidas reconhecessem a região enquanto uma zona livre de armas nucleares. Protocolada pelo Uzbequistão em 2006 e ratificada pela ONU após pressão do Cazaquistão, essa medida aparentemente inócua possuiu implicações geopolíticas significativas, concedendo aos países da Ásia Central a busca por seus interesses de maneira independente  (Dadabayev, 2018)., na capital uzbeque Tashkent, inicialmente entre o Uzbequistão e o Cazaquistão. Posteriormente, com a adesão quirguiz, a cimeira realizada em Cholpon-Ata (Quirguistão), em 1994, ressaltou a necessidade da cooperação política, cultural e econômica entre os Estados-parte, e declarou abertura à participação de todos os membros da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), comandada por Moscou, que estivessem dispostos a cumprir os objetivos da organização (Bohr, 2004).

Durante as reuniões seguintes, os líderes do Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão concordaram em formar uma união econômica e militar abrangente. Assim, foram criados órgãos de supervisão, como o Conselho de Chefes de Estado, o Conselho de Chefes de Governo e os Comitês de Ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa para coordenar as políticas externas das três repúblicas e trabalhar por melhorias na segurança regional. Outros documentos importantes assinados neste período foram o ato de fundação do Banco da Ásia Central para a Cooperação e o Desenvolvimento (BACD), em 1994, na capital quirguiz Bishkek, e o “Tratado de Amizade Eterna entre a República do Uzbequistão, Cazaquistão e Quirguistão”, em 1996 (Bohr, 2004; Makhmutova, 2018). 

No ano de 1997, em Akmola (mais tarde denominada Astana), discutiu-se a implementação do “Acordo sobre um Espaço Econômico de Livre Comércio” ou a criação da Zona de Livre Comércio da Ásia Central (CAFTA) e, no início de 1998, o Conselho de Chefes de Estado reuniu-se em Ashgabat, capital do Turcomenistão, para a assinatura de uma declaração conjunta sobre a cooperação regional (BBC, 1998). No mesmo ano, após finalizado o sangrento conflito civil em seu território (1992-1997), o Tadjiquistão aderiu ao acordo, formando assim a Comunidade Econômica da Ásia Central (CAEC) e, em 2001, a instituição evoluiu para um novo nível de integração, sendo novamente rebatizada e ficando conhecida como Organização de Cooperação da Ásia Central (CACO) (Makhmutova, 2018).

No entanto, apesar dos objetivos ambiciosos, o regionalismo centro-asiático não produziu os resultados desejados. Tanto a CACO quanto as organizações antecessoras não conseguiram desenvolver uma coordenação eficaz da política regional. Em vez disso, observou-se divergências internas pela liderança do bloco e o protecionismo em suas pautas econômicas. Por exemplo, a adesão do Quirguistão à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1998, e a consequente liberalização do seu regime comercial levaram a significativos desacordos entre os membros da CAEC/CACO (Tolipov, 2005). Além disso, a organização sofreu com divergências entre o Cazaquistão e o Uzbequistão, que competiam pela liderança regional e possuíam diferentes interesses políticos. Enquanto o então presidente cazaque, Nursultan Nazarbayev (1991-2019), preocupava-se, primordialmente, com a instabilidade econômica e em expandir a influência do país sobre um espaço territorial mais amplo, o então líder uzbeque, Islam Karimov (1991-2016), concentrou-se na luta contra o extremismo religioso local e em assegurar sua “hegemonia” sobre a Ásia Central a qualquer custo (Bohr, 2004).

Segundo Sally Cummings (2001, p.144), essa diferença de comportamento em relação aos vizinhos, ocorreu em virtude da localização do Uzbequistão, “geopoliticamente afastado da influência de Moscou e detendo pouca participação percentual russa em sua população”. Além disso, o país havia herdado o seu status da era soviética tanto em termos de capacidades materiais quanto em motivações ideológicas para se tornar um hegemon centro-asiático. Tal conduta é, portanto, compreendida como parte da construção nacional uzbeque. O país, apesar do território reduzido e da falta de acesso direto ao mar, possui um peso cultural e geopolítico significativo. Localizado no coração da região e entre os rios Amu e Syr Darya, o Uzbequistão é o mais populoso e o único a compartilhar fronteiras com todos os Estados centro-asiáticos, incluindo o Afeganistão. Historicamente, foi um “berço” de civilizações e o primeiro do local a se tornar uma república federada à URSS, em 1924 (Conceição, 2022). 

Essas características fundamentam a autopercepção uzbeque enquanto uma potência regional comprometida com sua soberania e liderança, e, buscando concretizar esse objetivo, a chamada “Política da Independência” (mustaqillik) “rompeu” com o antigo centro soviético e promoveu seu próprio desenvolvimento econômico (Starr, 2018). A autonomia da mustaqillik foi também observada na forma com a qual o Uzbequistão de Karimov promoveu os projetos de integração regional dos anos 1990, centrados em Tashkent, e lidou com as ameaças do fundamentalismo religioso, aliando-se à Washington e à “Guerra ao Terror” dos  Estados Unidos (EUA). Na altura de 1999, frustrada pela ausência de apoio militar no quadro da segurança regional, a Administração Karimov passou a criticar ainda mais incisivamente a “inaptidão” do Kremlin frente à CEI e à Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) (Cornell & Starr, 2018; Kelkitli, 2022). Porém, após superadas as preocupações econômicas e de segurança do governo, o país não se absteve da arena internacional e manteve ativa as alianças externas potencialmente benéficas ao seu modelo de inserção global, aliando-se ainda ao GUAM (1999-2005)4)Acrônimo para Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e Moldávia, uma aliança de países da CEI, apoiada pelo Ocidente, disposta a limitar a influência do Kremlin sobre o espaço pós-soviético (Makhmutova, 2018). e a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX) (2001-presente). Momento em que se tornou evidente a ineficácia da integração centro-asiática sob a CACO, da qual a Rússia havia se tornado membro observadora desde 2002 (posição que também exerceu na CAU e CAEC, durante a década de 1990) (Tolipov, 2005). 

Naquele contexto, o Cazaquistão, mesmo promovendo o regionalismo centro-asiático, entendeu que a aproximação com Moscou e com o projeto “eurasiano” não só lhe garantiria a durabilidade dos laços político-econômicos e de segurança dos quais dependia, mas ainda restringiria as intenções hegemônicas russas ao “envolvê-la nas engrenagens de uma tomada de decisão consensual e multilateral” (Alexandrov, 1999, p.32). Nesse sentido, ainda 1995, o governo cazaque aderiu à União Aduaneira entre a Rússia e a Belarus, no âmbito da CEI, e, na sequência, em 1996, foi a vez do Quirguistão tornar-se membro do acordo, originário da União Aduaneira Eurasiática (EAU). Pouco tempo depois, em 1999, o Tadjiquistão também aderiu a esta União que, em 2000, passou a se chamar Comunidade Econômica Eurasiática (EURASEC) (Makhmutova, 2018). 

Pode-se dizer, dessa forma, que os líderes quirguiz, tadjique e, principalmente, cazaque fizeram o cálculo oposto ao de Karimov, que enxergava nessas instituições uma pretensa “cortina de fumaça” russa. Posteriormente, em um claro movimento de reaproximação com Moscou, acentuado após as Revolução Coloridas na Georgia (2003) e no Quirguistão (2005) e das críticas do Ocidente e dos EUA aos eventos de Andijan5)Os eventos de Andijan, no Uzbequistão, foram um levante popular seguido por uma repressão violenta por parte do governo. Relatos variam, mas estimativas sugerem que centenas de pessoas foram mortas pelo serviço de segurança nacional (Human Rights Watch, 2005)., em 2005, Karimov repensou a adesão russa à CACO e, na sequência, seu ingresso foi oficializado. No entanto, propostas posteriores do presidente Vladimir Putin (1999-atual) levaram à dissolução da organização, em 2005, e sua fusão com a EURASEC, posteriormente conhecida como Comunidade Econômica da Eurásia (UEE) (Makhmutova, 2018). Diante desta situação, o Uzbequistão recusou-se a aderir efetivamente à Comunidade (deixando oficialmente a instituição em 2008) e, na sequência, interrompeu sua participação nas estruturas multilaterais da CEI, tanto no nível econômico, quanto nos assuntos militares da CSTO (Cornell & Starr, 2018).

À luz dessas decisões, o Senado uzbeque (Oliy Majlis) adotou um novo conceito de política externa em 2012. O documento intitulado “A Lei sobre a Aprovação do Conceito de Política Externa da República do Uzbequistão” substituiu a norma legislativa de 1996, a qual regulamentava a política exterior do país, e enfatizou seu desinteresse nas estruturas político-militares e no estabelecimento de bases estrangeiras em seu território (Base de Dados Nacional de Legislação da República do Uzbequistão, 2012). Embora diferentes, as leis de 1996 e 2012 compartilham semelhanças quanto ao comportamento regional de Tashkent, prezando pela cooperação e boa vizinhança. A partir do novo conceito, porém, o Uzbequistão promoveu uma diplomacia mais ativa na fronteira sul, propondo a reintegração do Afeganistão nas estruturas políticas e econômicas regionais e um processo “6+3” para as negociações de paz talibã-afegãs: entre as partes em conflito, seus vizinhos centro-asiáticos, a Rússia, os EUA e a OTAN (Starr, 2018).

No entanto, foi sob a Administração de Shavkat Mirziyoyev (2016-presente), que a política elaborada em 2012 evoluiu, resultando na “Estratégia de Desenvolvimento para 2017-2021” (Weitz, 2018). O novo governo enfatizou a independência nacional, as relações equilibradas com a Ásia Central e melhorias nas estruturas da política externa do país e da cooperação internacional (Ministério de Investimento e Comércio Exterior do Uzbequistão, 2017). Mirziyoyev também apresentou um novo formato de integração, as Reuniões Consultivas de Chefes de Estado, na 72ª sessão da Assembleia Geral da ONU, em 2017.

Esse modelo representou uma renovação do ímpeto regional e a primeira cimeira de chefes de Estado ocorreu em 2018, em Astana. Na sequência foram programados encontros em Tashkent, em 2019, e no Quirguistão, em 2020, este que precisou ser adiado devido à pandemia de coronavírus. Entretanto, as reuniões continuaram em 2021 no Turcomenistão, em 2022 no Quirguistão (onde foi assinado um acordo sobre “Amizade, boa vizinhança entre as repúblicas para o desenvolvimento da Ásia Central no século XXI”), e em 2023 na capital do Tadjiquistão, Dushanbe. Foram também firmados tratados de cooperação militar, econômica, cultural e humanitária, abertos postos fronteiriços e introduzido um regime de isenção de vistos, intensificando a circulação de pessoas, bens e serviços na Ásia Central (UNRCCA, 2023). 

Ainda sob a liderança de Mirziyoyev, o Uzbequistão vem demonstrando compromissos na resolução de assimetrias regionais, fazendo concessões em disputas de fronteira e demarcações territoriais com o Quirguistão e avançando em acordos com Dushanbe e Astana. Tashkent também atuou como mediadora de conflitos, como na crise fronteiriça entre Tadjiquistão e Quirguistão em 2021, e está focada na resolução dos desafios ambientais, propondo a “Agenda Verde para a Ásia Central” (Uz-Daily, 2022). No âmbito extrarregional e da iniciativa chinesa da BRI, o Uzbequistão lidera projetos de transporte, como o ferroviário Trans-Afegão, avaliado em US$ 6 bilhões, com previsão de conclusão até 2027, e a linha China-Quirguistão-Uzbequistão, e tem aprofundado seus laços diplomáticos com a Turquia, países do Oriente Médio e Extremo Oriente (Gerstl & Wallenböck, 2020; Ozod, 2023).  

Porém, apesar dessas iniciativas demonstrarem o potencial de Tashkent na promoção do comércio, da mobilidade e da segurança, criando oportunidades para o crescimento econômico e o progresso social da Ásia Central, ainda existem desafios significativos à liderança uzbeque e à integração regional como um todo, principalmente se considerarmos o processo integratório um movimento que envolva graus de institucionalização, com uma maior participação de atores estatais e não-estatais, um consenso sobre normas comuns e uma agenda ampla, desde temáticas sociais e políticas a tópicos estritamente comerciais (Mariano, Bressan & Luciano, 2021). Logo, é tentador inferir que consultas, consenso e informalidade continuarão sendo a característica definidora do regionalismo da Ásia Central. No entanto, mesmo dentro dessa informalidade, já podemos observar alguns elementos de institucionalização.  

A cúpula de 2023, em Dushanbe, por exemplo, indicou que a regionalização da Ásia Central continua a seguir um modelo estatista e presidencialista, tal qual as iniciativas da década de 1990, mas isso não exclui a existência de outros vetores de diálogo e colaboração. Um dos documentos assinados pelos cinco chefes de Estado naquele momento abordou a política para a juventude e seu desenvolvimento (Buranelli, 2023), buscando definir uma estratégia que integre os jovens de maneira mais substancial na política regional. Além disso, o Diálogo das Mulheres da Ásia Central, também realizado no Tadjiquistão (Buranelli, 2023), embora conduzido de forma governamental e de “cima para baixo”, demonstra um reconhecimento crescente de que a coexistência e a cooperação entre os povos não serão alcançadas sem o envolvimento direto dos próprios indivíduos. Outros indicativos que corroboram com o argumento cooperativo regional se encontram no fato dos líderes centro-asiáticos terem institucionalizado seu próprio prêmio diplomático, a Insígnia dos Chefes de Estado da Ásia Central, ou mesmo na recente assinatura do “Conceito para o Desenvolvimento da Cooperação até 2040” (The Diplomat, 2024), uma verdadeira ruptura com o histórico das iniciativas mal-sucedidas de 1994-2004. 

Tanto o pretenso “retorno” uzbeque à posição de liderança local, título compartilhado com o Cazaquistão, como tais encontros dão conteúdo a ideia de um ambiente regional pentalateral, atribuindo voz, agência e prerrogativas de definição de agenda às repúblicas centro-asiáticas, independentes daquelas atribuídas à Rússia (CSTO/UEE) e China (OCX/BRI). A presença do Presidente Aliyev, do Azerbaijão, pela segunda vez consecutiva, no formato das Reuniões, também oferece uma indicação de como a região se considera um território aberto e não excludente para parceiros comerciais estratégicos. Assim, uma conclusão inicial sugere que o regionalismo da Ásia Central está se desenvolvendo ao longo de linhas pragmáticas e permanece priorizando o foco econômico. 

Ademais, existem outras questões relacionadas ao processo de regionalização centro-asiático que ainda não foram plenamente solucionadas. Diante deste cenário, é fato que a ausência de uma identidade comum e o apego irrestrito à soberania nacional ainda representam um desafio a longo prazo para o progresso da integração na Ásia Central, uma vez que dificultam o desenvolvimento de confiança, respeito e compreensão mútua entre os seus atores. No entanto, a principal medida a ser adotada recai sobre a (ainda) atual necessidade de se pensar um modelo próprio de integração, considerando as particularidades geopolíticas da Ásia Central no âmbito do Novo Grande Jogo6)Referente à busca pela influência econômica, especialmente sobre as indústrias e as reservas de petróleo e gás centro-asiáticas e caucásicas (Duarte, 2011). e de uma profunda crise do multilateralismo e das iniciativas de agrupamentos regionais. Visto em uma perspectiva evolutiva, a cúpula deste ano foi o produto natural das cinco anteriores, que foram incumbidas de encontrar um terreno normativo comum, regras viáveis ​​de engajamento e uma estrutura legal flexível para interações e mecanismos de construção de confiança em um local comprimido por interesses externos e grandes potências.

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ZHAMBEKOV, B. Central Asian regionalism: The paradoxes of integration. Journal of Eurasian Studies, v. 6, p. 234-247, 2015.

Notas   [ + ]

1. Cabe frisar que, no contexto de transição da década de 1990, diversos grupos disputaram pelo monopólio do uso da força e pela legitimidade do Estado na região, incluindo o Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU), organização então apoiada pelo Talibã e pela al-Qaeda de Osama bin Laden (Dadabayev, 2018).
2. É fundamental destacar que as repúblicas da Ásia Central não possuíam experiência nem capacidade para emitir e gerir suas próprias moedas nacionais. Diante disso, após o colapso da URSS, a Rússia, enfraquecida e preocupada com sua estabilidade econômica, impôs unilateralmente condições para o uso do rublo no exterior, o que representou o primeiro sinal para que os Estados centro-asiáticos iniciassem um processo de “distanciamento” de Moscou (Dadabayev, 2018).
3. O grupo também desempenhou um papel fundamental para que as Nações Unidas reconhecessem a região enquanto uma zona livre de armas nucleares. Protocolada pelo Uzbequistão em 2006 e ratificada pela ONU após pressão do Cazaquistão, essa medida aparentemente inócua possuiu implicações geopolíticas significativas, concedendo aos países da Ásia Central a busca por seus interesses de maneira independente  (Dadabayev, 2018).
4. Acrônimo para Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e Moldávia, uma aliança de países da CEI, apoiada pelo Ocidente, disposta a limitar a influência do Kremlin sobre o espaço pós-soviético (Makhmutova, 2018).
5. Os eventos de Andijan, no Uzbequistão, foram um levante popular seguido por uma repressão violenta por parte do governo. Relatos variam, mas estimativas sugerem que centenas de pessoas foram mortas pelo serviço de segurança nacional (Human Rights Watch, 2005).
6. Referente à busca pela influência econômica, especialmente sobre as indústrias e as reservas de petróleo e gás centro-asiáticas e caucásicas (Duarte, 2011).

Escrito por

Guilherme Geremias da Conceição

Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação San Tiago Dantas (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Faculdade de Ciências Econômicas (FCE). É membro do Observatório de Regionalismo (ODR), do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE/PPG San Tiago Dantas) e colaborador externo do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT/UFRGS) e do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CREBRAFRICA/UFRGS). Seus interesses de pesquisa estão baseados em três eixos temáticos de Ciência Política e Política Internacional, focados em Ásia, África, e Oriente Médio, tais eixos se configuram: (I) Construção de Estado, (II) Análise de Política Externa e (III) Integração Regional.