No último ano, escrevemos para o ODR a respeito da promoção da integração regional na União Africana (UA) em tempos de crise. Na ocasião, expusemos que durante a 27a Sessão da Assembleia Geral da UA em Kigali, em julho de 2016, o Marrocos formalmente manifestou seu desejo de retornar a seu posto de membro do bloco, após 32 anos de seu afastamento.
Desde então, alguns desenvolvimentos se produziram e a proposta do texto de hoje é atualizar e reacender o debate. Para relembrar, o Marrocos deixou a União Africana em protesto em 1984, após o bloco aceitar a admissão do Saara Ocidental como membro, país que não foi reconhecido pela ONU, mas contou com o reconhecimento e apoio de diversos países africanos e também da UA, através de seu aceite. O embate entre os dois países ocorre desde que o Saara Ocidental, um território de cerca de 266.000 km2, antiga colônia espanhola anexada pelo Marrocos em 1975, teve sua independência declarada pela Frente Polisario, grupo separatista, que levou à proclamação da República Árabe Saharauí Democrática (SADR). O conflito violento que durou cerca de 16 anos teve um cessar-fogo emitido pela ONU em 1991, e, atualmente, o Marrocos controla a maior parte do território, aproximadamente 75%.
Agora, em janeiro de 2017, durante a 28a Sessão da Assembleia Geral da UA em Addis Ababa, Etiópia, os Estados africanos votaram a favor da reinclusão do Marrocos como membro pleno, tornando-o o 55º Estado do bloco, com votos de 39 dos 54 países. Durante a votação, uma dezena de Estados, como Argélia (país fronteiriço que abriga grande número de refugiados sahauris e que desde o princípio apoiou a independência da SADR) e África do Sul, expressaram reservas e tentaram condicionar o retorno do Marrocos ao reconhecimento do Saara Ocidental. No entanto, a questão terminou por ser adiada para futuras discussões.
As especulações acerca dos interesses do Marrocos no retorno ao bloco dividem os especialistas. Visões pessimistas apontam que o interesse marroquino estaria atrelado a minar, desde dentro, os planos de reconhecimento do Saara Ocidental, enfraquecendo a legitimidade do oponente, apontando também as vantagens econômicas e comerciais que o país busca. No entanto, a entrada do Marrocos também pode ser vista como possibilidade de maior crescimento e integração econômica para o dividido norte da África, bem como esperanças de resolução de um dos piores conflitos territoriais africanos.
A União Africana é um campo de negociação importante para o Saara Ocidental que conta com o reconhecimento de países-chave para a região, como os mencionados Argélia e África do Sul, e cujo trabalho diplomático busca a concretização de um adiado referendo para a confirmação de sua independência, baseado no direito de autodeterminação dos povos. Além disso, a participação do Marrocos na UA implica no reconhecimento das fronteiras, o que representantes da SADR apontam como uma oportunidade para que os dois países trabalhem juntos.
Conforme expusemos anteriormente, na ocasião da 27a cúpula, a mensagem enviada pelo rei do Marrocos, Mohammed VI, destacava que pelo menos 34 países africanos não reconheceram o Saara Ocidental, considerado como parte importante de seu reino, e pedia que o bloco reconsiderasse sua decisão de reconhecimento, alegando já trabalhar em uma solução política sob a supervisão da ONU.
Após a manifestação de interesse do Marrocos, 28 países assinaram uma moção que saudava o interesse do país e pedia a suspensão da SADR, alegando que a mesma poderia pavimentar a resolução do conflito entre os países. Desde então, o Marrocos desenvolveu intenso trabalho diplomático voltado para a região até a consideração de seu pedido de ingresso no último mês de janeiro.
Para a 28a Assembleia Geral, no entanto, o tom do discurso apresentado pelo rei marroquino foi mais brando, contendo frases como “Africa is my home and I am coming back home” e “I have missed you all.” O recém-admitido Estado afirmou ainda que não pretende dividir o continente e que África e Marrocos tem necessidades mútuas.
Diante das considerações expostas, é preciso perceber que o presente texto não pretende esgotar as relações entre os países e blocos na região, considerando que as mesmas possuem aspectos mais profundos a serem desenvolvidos. Desta forma, torna-se difícil afirmar monoliticamente os desdobramentos do ingresso do Marrocos à UA tanto para a integração pan-africanista quanto para a desunião dos países frente ao desacordo e o conflito com a SADR. No entanto, a conjuntura fomenta a necessidade de que o bloco trabalhe unido para a resolução de seus conflitos, considerando as assimetrias entre os países e respeitando sua vontade política.
PARA MAIS INFORMAÇÃO (REFERÊNCIAS)
Financial Times – Morocco rejoins African Union after 33-year absence
Bloomberg – African Union Readmits Morocco Three Decades After Withdrawal
Reuters – In tilt from Europe, Morocco rejoins African Union
The North Africa Post – Twenty-Eight African Nations Contest SADR Membership in African Union
Jeune Afrique – Les chefs d’État de l’Union africaine acceptent la demande d’adhésion du Maroc