Foto- Fonte: Diego Padgurschi/FolhaPress –

O clima político que se instaura hoje no cenário do comércio exterior brasileiro faz-nos sentir um dejá vu dos anos de 1990. Em São Paulo, na última terça-feira, 25 de outubro de 2016, o jornal Folha de São Paulo e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) realizaram o Fórum de Comércio Exterior, evento voltado para empresários, acadêmicos e imprensa a fim de discutir como se encontra o atual estado do mercado global, suas tendências e que desafios o Brasil tem de superar para melhor se inserir. Contando com ilustres presenças de dois ministros, CEOs de grandes empresas e diretores de agência de fomento, a discussão foi quase uníssona: o Brasil precisa se abrir.

Dentre as variadas falas, notou-se uma forte mudança no padrão do comércio exterior que vem se desenvolvendo desde o período da rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que vai definir os padrões dos tratados de internacionais dos próximos anos. Robert Lawrence, professor de Harvard convidado para abrir as solenidades, apontou, que após as dificuldades de acordo entre os países centrais do sistema e os países produtos agrícolas nessa rodada da OMC, os países se dividiram em dois grandes blocos dentro do sistema multilateral: os que estão dispostos a avançar com a agenda dos centrais e os que não. Dentro do bloco dos dispostos desenvolveu-se uma estratégia de saída, realizada pelos Estados Unidos, em se avançar suas pautas de maneira parcial por fora da OMC, com os grandes tratados regionais como o Tratado Transpacífico (TTP) e o Tratado Transatlântico (TTIP), transformando os EUA em um eixo que une acordos da Ásia ao Atlântico e minando os mecanismos multilaterais da OMC.

Além dessa tendência para super-acordos, há um cenário ainda mais espinhoso para uma inserção brasileira no comércio internacional. Segundo o próprio Robert Lawrence, há nos países centrais um duplo movimento de desindustrialização e queda da demanda por bens, o que dificulta o aumento de vendas de países com indústrias emergentes. O primeiro processo denota a queda vertiginosa da participação do segundo setor nos países centrais, além do deslocamento da produção para variados países de baixo custo de produção para a fabricação e montagem dos produtos. Tal processo faz com que países emergentes com indústrias ainda nacionais tenham maior dificuldade de inserir seus produtos, além da difícil competitividade perante seus concorrentes de menor custo. E a partir desse mesmo processo, há uma menor demanda dos países centrais por produtos, o que dificulta o acesso a mercados em um cenário de retração de vendas a parceiros emergentes, como no caso de China e Índia. Essa dificuldade de acesso a esse consumo, cada vez menor, faz com que as alternativas a médio-prazo sejam: esperar o aumento do padrão de vida nos países emergentes e, consequentemente, o aumento da demanda desses países de produtos acabados, o que pode ser mais um golpe de sorte que necessariamente uma saída.

Como, portanto, os policy-makers brasileiros atuais, bem como a elite produtiva do país, interpretam esse cenário? Tais arautos do novo (antigo) mundo dão-se categóricos em relação às medidas macroeconômicas a serem dadas: corte de tributos ao empresariado, melhoria da infraestrutura, criação de mais acordos de livre-comércio e diminuição da burocracia. Ao fim e ao cabo, não muito diferente do que se era propagado nos anos 1990 no contexto do auge da globalização como discurso, mas com um detalhe importante apontado por José Rubens de la Rosa, presidente da FUNCEX: hoje o empresário brasileiro está mais disponível para a abertura que antes. Esse é um ponto fundamental para o apoio da abertura e quebra do protecionismo presente na indústria brasileira, principalmente na importação de insumos à produção. Sobre esse tema, Márcio Utsch, CEO da Alpargatas, afirmou que quem “precisa de proteção são idosos e crianças, e não empresas (sic)”, encabeçando bem o argumento central de um mindset mais ortodoxo da economia.

Ao se tratar da política comercial e exterior brasileira, os arautos governamentais proferem em sincronia o cântico entre os representantes do setor privado. O ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira, afirmou que o governo tem de deixar de atrapalhar o desenvolvimento da indústria brasileira e buscar desburocratizar os meios de exportação. Além disso, o mesmo defendeu uma redução tarifária para o setor, bem como afirmou que os avanços com o acordo União Europeia- Mercosul estão próximos da concretização, datando no mais tardar em 2018 sua assinatura. Esse avanço, segundo o ministro Pereira, deu-se a partir do novo foco presente no Mercosul e na política exterior brasileira, que foge das ideologias e reforça o valor do pragmatismo e do resultado, além de propagar que o Brasil, em correção de rumos, não auxilia ou negocia com governos de caráter “não-democráticos”[1].

A correção de rumos na política exterior também ganha voz no atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, José Serra. Tal qual como Marcos Pereira, Serra definiu uma necessária reorganização do Brasil em termos de participação do comércio internacional, tendo em vista sua baixa participação nesse âmbito global, não correspondendo com o tamanho de sua economia. Desse modo, o chanceler apoia uma participação próxima do Brasil à Aliança do Pacífico, a fim de não perder mercado com os países andinos na eventual assinatura do TTP, que daria maiores benefícios alfandegários aos países asiáticos desse acordo que os atuais acordos da ALADI, mecanismo pelo qual o Brasil mantém acordos de redução tarifária. Entretanto, mesmo buscando se voltar ao Pacífico e ampliar a gama de tratados, Serra amenizou seu tom perante as reformas do Mercosul [2], defendendo a manutenção da Tarifa Externa Comum e a efetivação da área de livre-comércio intra-bloco.

Se na questão de aumento da competitividade, diminuição de gastos públicos, promoção de acordos de livre-comércio, reforma previdenciária e de flexibilização dos encargos trabalhistas todos se mantiveram de acordo, a flexibilização do Mercosul ainda encontra incertezas, o que pode explicar a leve mudança de opinião do próprio Chanceler. Thomaz Zanotto, diretor de Relações Internacionais da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (FIESP), afirma que com a presença de Macri, não há necessidades de flexibilização do organismo regional já que o presidente argentino seria um bom negociador. Já para Carlos Abijaodi, diretor da CNI, a TEC representa o garantidor de uma reserva importante de mercado e que a flexibilização do bloco, caso viesse, necessitaria de maior detalhamento e debate. Essa coordenação, a partir dos sindicatos patronais da indústria, demonstram que o empresariado brasileiro ainda mantém, mesmo propondo maior abertura, o receio de perda de espaço nos mercados vizinhos, bem como dúvidas perante sua competitividade.

A indústria brasileira, ao fim, demonstra que tem grande espaço no governo atual, tendo acesso a políticas públicas que levam adiante suas pautas, refletindo também no direcionamento da política exterior. Abertura comercial, reformas em setores públicos, incluindo o energético, maior flexibilização de custos e menor taxação são defendidas pelos próprios ministros, que interpretam o Comércio Exterior não como um meio para o desenvolvimento, mas um fim em si mesmo, como alternativa a um mercado interno fragilizado pelas crises econômicas e políticas recentes. Como respostas às intempéries sistêmicas, o Brasil buscará ser um agente presente nos novos acordos, além de reforçar os vínculos que já vinham sendo negociados, como o acordo União Europeia-Mercosul, como já apontado pelo professor Alejandro Simonoff no Observatório de Regionalismo. O que não se apresenta no debate são as consequências sociais que tal abertura pode trazer ou como superar um mercado interno fragilizado, mesmo que apontando de maneira correta problemas estruturais e “gargalos” à exportação como a infraestrutura. Assim, reflete-se a integração apenas como um meio para a inserção comercial, sem se preocupar com sua dimensão política e seus efeitos não apenas para as empresas, mas para a sociedade em si.

NOTAS:

[1] Mantem-se aqui a dúvida sobre o que vem a ser não-democrático para o ministro e em que modelo de governo, por exemplo, a China estaria enquadrada.

[2]Em visita à Argentina em maio, o ministro José Serra defendeu uma maior flexibilização do Mercosul, questão que criou certos ruídos com a contraparte argentina na solenidade. Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1775850-argentina-demonstra-reservas-a-proposta-de-flexibilizar-mercosul.shtml   

Escrito por

Lucas Bispo dos Santos

Mestrando no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e integrante da Rede de Pesquisa em Política Externa e Regionalismo (REPRI), pesquisando os temas relativos ao Regionalismo, Integração Regional, Mercosul e União Europeia. Bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, em 2014. Realização de intercâmbio, com bolsa parcial cedida pelo Santander Universidades, para Universidade de Coimbra, em 2013. Bolsista da FAP-Unifesp pelo Projeto Univercine, em parceria com a Cinemateca Brasileira, entre 2011 e 2012.